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Política

A primeira governadora e o desafio de combater o feminicídio em Pernambuco

Raquel Lyra (PSDB), a primeira mulher eleita para liderar o estado, compara os avanços políticos que busca implementar a “placas tectônicas”


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Imagem ilustrativa da imagem A primeira governadora e o desafio de combater o feminicídio em Pernambuco
Raquel Lyra confia no Juntos pela Segurança para reduzir os números de feminicídio e violência contra a mulher em Pernambuco. |  Foto: Janaína Pepeu/Secom

Em Pernambuco, o empoderamento das mulheres tem se consolidado como prioridade, mas não sem resistências. A governadora Raquel Lyra (PSDB), a primeira mulher eleita para liderar o estado, comparou os avanços políticos que busca implementar a “placas tectônicas”, que movem estruturas profundas. 

Sob a gestão de Juliana Gouveia, a terceira titular da Secretaria da Mulher, após Regina Célia Barbosa e Mariana Melo, o governo tenta conciliar discursos transformadores com uma realidade de violência doméstica estrutural e institucional. Esta é a quarta matéria da série "Que amor é esse?", mostrando, desta vezm o ponto de vista do Governo de Pernambuco.

Um dos desafios centrais está na tensão entre o fortalecimento da autonomia feminina e as respostas violentas de homens que não aceitam mudanças de papéis sociais. Ou seja, a reação, segundo especialistas ouvidos pelo Tribuna Online.   

“O fortalecimento da mulher não leva à morte, pelo contrário, faz com que ela rompa com esse ciclo [de violência]”, defende Juliana Gouveia. No entanto, especialistas ouvidos pelo Tribuna Online dizem que “a mudança de lugar da mulher”, “a perda de controle do homem” são dois dos fatores que que mais provocam o feminicídio. Um dilema.

Os números também revelam um dilema: em média, apenas 6% das mulheres vítimas de feminicídio não tinham procurado a rede de proteção do estado. Foram aquelas que ficaram em silêncio. Ainda assim, mesmo pequeno, esse percentual reflete uma rede que, embora ampliada, precisa ser mais acessível e um espaço onde as mulheres se sintam seguras.

“Eu travei quando cheguei à Delegacia da Mulher em Santo Amaro”, contou uma professora e advogada vítima de violência psicológica à reportagem. Ela disse que seu boletim de ocorrência não retratou o que ela descreveu e lhe rendeu vários problemas. Ali, disse ela, sentiu-se “julgada”. Logo depois, suas mensagens íntimas e fotos foram exploradas pelos ex de tal forma que ela foi expulsa do prédio onde morava. Ela ainda não conseguiu recomeçar, nem se recuperar da violência.

O ponto de mudança

O programa Juntos pela Segurança, que integra a violência contra a mulher como indicador de resultado, tenta abordar o problema com maior profundidade, incluindo esforços em áreas como saúde, onde muitas vítimas buscam ajuda, mas, depois, não registram denúncias nas delegacias. Este ainda um desafio, porque elas, as vítimas da violência doméstica precisam ir à delegacia.

Apesar de avanços como a ampliação da Patrulha Maria da Penha e o uso de tornozeleiras eletrônicas para agressores, a sensação de insegurança ainda persiste, principalmente nas áreas rurais e nas periferias urbanas.

O tabu da educação dos homens

Uma questão pouco vista é a educação dos meninos e jovens, desde o ensino fundamental e médio, para prevenir a violência de gênero.

A Secretaria da Mulher diz apoiar projetos como os Núcleos de Estudos de Gênero (NEGs) e o programa Papo de Homem, que buscam sensibilizar homens e jovens sobre temas de igualdade de gênero.

Essas iniciativas, no entanto, ainda carecem de maior alcance e impacto por que já são homens com bagangem cultural. É necesssário ter o estado presente para que os violentos e não violentos não sejam jogados num mesmo saco.

Para a secretária, os “homens bem informados e conscientes têm o poder de atuar como agentes de mudança”, mas o debate sobre como transformar comportamentos na base ainda é tímido.

Propagandas como “não é não” e cartilhas educativas, embora importantes, muitas vezes são percebidas como imposições, em vez de ferramentas de convencimento cultural.

Avanços no enfrentamento da violência

Entre os avanços mais celebrados, a secretária destaca a reforma das casas-abrigo e o funcionamento 24 horas de delegacias especializadas em cidades estratégicas. Delegacias, aliás, que foram alvo de denúncias do Sindicato dos Policiais Civis em ulho passadopor falta de infraestrutura.

Essas ações, contudo, mostram como a gestão Raquel Lyra busca traduzir o discurso de mudança em ações concretas, o que não virá em passe de mágica. Dados da Secretaria de Defesa Social indicam que Pernambuco registrou uma queda de 72,7% nos feminicídios em setembro de 2024, em comparação ao mesmo período do ano anterior.

No entanto, a pergunta sobre os órfãos do feminicídio expõe um dilema ainda aberto. Enquanto estados como Sergipe oferecem um benefício financeiro mensal, Pernambuco faz o atendimento prioritário em creches, escolas e apoio psicológico, o que não é pouco, mas ainda não é suficiente.

“Essa discussão não contempla apenas o pagamento de um benefício, mas o atendimento prioritário nas demandas dessas crianças”, justifica a secretária.

A rede que ainda precisa se fortalecer

A ampliação do orçamento da Secretaria da Mulher, que saltará de R$ 21 milhões para R$ 81 milhões em 2025, promete impulsionar mudanças. Para se ter uma ideia, o orçamento de pasta semalhante no Ceará para 2025 é de quase R$ 30 milhões, muito pequeno.

Segundo a secretária Juliana Gojuveia, cerca de 30% do orçamento pernambucano será destinado ao enfrentamento da violência de gênero, mas a eficácia dependerá de como os recursos serão aplicados na prática.

O balanço dos dois primeiros anos de Raquel Lyra revela uma gestão que mexeu em estruturas profundas, mas que ainda enfrenta dificuldades para alcançar a base da pirâmide social.

Juliana Gouveia reconhece o papel da cultura machista e patriarcal como barreiras para o avanço dos direitos das mulheres, mas reafirma que o trabalho está apenas começando.

“Vivemos numa sociedade onde as mulheres, em sua grande maioria, não têm seus direitos respeitados”, admite a secretária. A redução dos feminicídios em Pernambuco é um marco importante, mas não será suficiente enquanto os órfãos e os sobreviventes não forem plenamente assistidos e as mulheres continuarem a sentir medo, mesmo em um estado liderado, pela primeira vez, por uma mulher.

Raquel Lyra se comprometeu em mover as as placas tectônicas, mas há abismos a serem preenchidos. O futuro da política para mulheres em Pernambuco dependerá da capacidade do governo de traduzir as promessas de transformação em ações concretas, capazes de proteger vidas e devolver a esperança àqueles que mais precisam. Isso será cobrado na eleição de 2026, especialmente por ela ser a primeira mulher a governar Pernambuco.

Veja entrevista completa do Tribuna Online com a Secretária Juliana Gouveia

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Segundo Juliana, Raquel ampliou do orçamento da Secretaria da Mulher, que passa de R$ 21 milhões para R$ 81 milhões, quase quatro vezes mais. |  Foto: Divulgação

Tribuna Online - Secretária, fala-se muito no empoderamento das mulheres, mas, pelo que percebi ao longo das duas semanas, em entrevistas, é justamente "a mudança delas de lugar”, do papel delas, da perda do controle do homem, que mais têm levado aos feminicídios.

O Governo tem algum projeto que trabalhe também esses homens que não aceitam perder o controle? Para mudar isso logo desde cedo? Eu sempre vejo propagandas do tipo “não é não”, cartilha contra assédio e etc. Mas o conteúdo das mensagens também chega feito uma bomba neles, Não me parece um convencimento, mas uma colonização. Gostaria que a senhora ficasse à vontade para retrucar.

Juliana Gouveia- Levantamento realizado pelo Juntos pela Segurança mostrou que nos últimos dez anos, das mulheres vítimas de feminicídio em Pernambuco, em média, apenas 6% delas tinham procurado a rede de proteção do estado. Geralmente, a mulher que morre é a que não pede ajuda, que não tem força para romper com o ciclo de violência doméstica e familiar. O fortalecimento da mulher não leva a morte, pelo contrário, faz com que ela rompa com esse ciclo.

Uma das principais diferenças do Juntos pela Segurança é ter a Violência contra a Mulher (VCM) como indicador de resultado, ao lado de Morte Violenta Intencional (MVI) e Crime Violento contra o Patrimônio (CVP).

Assim, as secretarias que compõem o Juntos pela Segurança e as forças policiais passam a investir mais esforços no enfrentamento a esse tipo de violência que prejudica não apenas as mulheres, mas a sociedade como um todo.

Para compreender o fenômeno da Violência contra a Mulher, estamos também nos debruçando nos dados de registros no campo da saúde, compreendo as situações em que a mulher procura os serviços de hospitais e postos, mas não faz registros policiais, dificultando seu ingresso na rede de proteção de mulheres vítimas de violência Juliana Gouveia, Secretaria da Mulher em Pernambuco

Outro aspecto que merece destaque é o Monitor de Justiça do Feminicídio. Desde 2021, o Poder Executivo Estadual em parceria com TJPE, MPPE e DPPE fazem reuniões quinzenais para destravar os processos relativos a homicídios.

Desde o começo de 2024, criamos um espaço específico para acompanhar os processos de feminicídio, dando mais celeridade no julgamento dos réus, reforçando a tolerância zero contra a violência de gênero.

Em Pernambuco mais de 95% dos casos de feminicídio são elucidados, um índice que reflete o compromisso do Estado com a proteção das mulheres e a defesa dos seus direitos.

Ainda assim, é essencial a parceria com a mídia para que destaque não apenas os crimes, mas também as respostas efetivas do sistema de justiça e da rede de proteção. Segundo dados da SDS, em Pernambuco no ano de 2023, foram 100% dos casos de feminicídio foram elucidados. Já em 2024, até o mês de novembro, em 96% dos casos os assassinos tiveram o inquérito concluído.

Vale destacar também a interiorização e capilaridade que a Patrulha Maria da Penha adquiriu recentemente.

Hoje, os Organizações Militares Estaduais (Batalhões e Companhias Independentes) contam com equipe especializada e viatura para acompanhar as mulheres cadastradas na Patrulha Maria da Penha, aumento ainda mais a sua segurança

A secretaria da Mulher é uma pasta exclusivamente de acolhimento às mulheres. Não trabalhamos com homens dentro da pasta. Todo o nosso serviço é monitorado para acolher e incentivar as mulheres a ocuparem seus espaços sociais.

Nada impede que façamos formações, como fazemos com motoristas, por exemplo, e para pessoas que atuam ou possam atuar na garantia dos direitos das mulheres.

Com relação a sensibilização dos homens, do ponto de vista da Secretaria da Mulher, isso pode acontecer através da ampliação dos Núcleos de Estudos de Gêneros (NEGs) Juliana Gouveia, Secretária da Mulher de Pernambuco

Os NEGs são espaços que promovem ações de formação, pesquisa e extensão, objetivando o desenvolvimento de práticas comprometidas com a transformação social, a partir da promoção dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero. Eles já são 324 em todo o Estado e funcionam, em sua grande maioria, nas escolas estaduais.

Mas também em privadas e instituições de ensino superior. Esses núcleos estimulam os jovens a debaterem sobre temas como racismo, equidade de gênero, LBGTfobia, entre outros.

Outra iniciativa é o prémio Naíde Teodósio. Uma seleção pública destinada a premiar estudos de gênero, observando as dimensões de classe social, raça, etnia, geração, orientação sexual e diversidade de gênero das mulheres em Pernambuco.

O prêmio visa estimular e fortalecer a produção crítica de conhecimentos sobre as relações de gênero, por meio da produção de textos, pesquisas, estudos e projetos, contribuindo para a promoção dos direitos das mulheres em sua diversidade. Ele está na sua 14ª edição e premia trabalhos de redação, artigo científico, relato de experiência, roteiro de vídeos, projetos pedagógicos.

Além disso, o Governo do Estado tem o programa Papo de Homem, uma ação inovadora, cujo principal objetivo é promover uma mudança de mentalidade e comportamento entre os homens, incentivando-os a adotar atitudes e ações que contribuam para a prevenção da violência doméstica.

O projeto se baseia na ideia de que homens bem informados e conscientes têm o poder de atuar como agentes de mudança, não apenas evitando comportamentos agressivos, mas também apoiando ativamente a construção de um ambiente mais justo e seguro para todos.

E ainda o Missão Acolhimento, que oferece uma formação continuada para os policiais civis e militares, sobre como oferecer um atendimento humanizado para todas as mulheres que procurem pela ajuda das forças de segurança do Estado.

Tribuna Online - Na sua avaliação, nestes dois anos de Governo Raquel Lyra, qual a iniciativa mais impactante no combate ao feminicídio?

Juliana Gouveia - A governadora Raquel Lyra tem enfatizado que a prioridade do Juntos pela Segurança é devolver a paz social. E a redução do número de feminicídios já é uma realidade. O trabalho está apenas começando e sabemos que é longo e delicado, pois vivemos numa sociedade machista e patriarcal, onde as mulheres, em sua grande maioria, não têm seus direitos respeitados.

O Estado de Pernambuco encerrou o último mês de setembro com uma queda significativa nos casos de feminicídio. Na comparação com o mesmo período do ano passado, foram contabilizados menos 72,7% de casos deste tipo de crime. Os dados são Secretaria de Defesa Social (SDS).

Também temos o monitoramento eletrônico para mulheres. Onde a vítima que tem decisão judicial de medida protetiva com monitoramento eletrônico, recebe um aparelho chamado de Unidade Portátil de Rastreamento (UPR) e o agressor recebe a tornozeleira eletrônica. Com isso, ela é avisada quando o agressor se aproxima, e a polícia é acionada. Nenhuma mulher com esse monitoramento foi vítima de feminicídio.

Também foi na gestão da governadora Raquel Lyra (Março de 2023) que as Delegacias Especializadas da Mulher de Jaboatão, Caruaru, Petrolina e Paulista passaram a funcionar em regime de 24 horas por dia, sete dias da semana. E a do Cabo, passou a ter esse mesmo esquema de funcionamento, em novembro de 2023.

Tribuna Online - E existe algum projeto em andamento que possa dar apoio aos órfãos e órfãs do feminicídio feito pelo estado?

Juliana Gouveia - A política para mulher vem passando por uma reestruturação tanto no Governo Federal como no Governo Estadual. Quando o presidente Lula recria o Ministério das Mulheres e a governadora Raquel Lyra fortalece o trabalho da Secretaria da Mulher com a ampliação do seu orçamento.

É um processo de fortalecimento entre os diversos atores que compõem essa rede de proteção, incluindo os municípios. Essa discussão não contempla apenas o pagamento de um benefício aos órfãos, mas o atendimento prioritário em creches, nas escolas e no acompanhamento psicológico que essas vítimas precisam.

Lembrando que os municípios possuem realidades diferentes. Mas existe sim um diálogo com o Governo Federal sobre a Lei nº 14.717, de 2023, que criou uma política nacional de proteção aos órfãos de feminicídio e que prevê o pagamento de uma pensão especial.

O benefício é concedido aos órfãos cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a um quarto do salário mínimo. O auxílio é concedido mesmo que o feminicídio tenha ocorrido anteriormente à publicação da lei. É um trabalho também de estruturação dos organismos de base para acolher essas demandas.

Tribuna Online -  Na sua gestão, o que mais lhe emocionou como secretária, estando à frente de um cargo e de uma secretaria que ainda recebe poucos recursos, uma coisa que é histórica? A gestão de Raquel mexeu algumas placas tectónicas no tocante à violência contra a mulher?

Juliana Galvão - Este ano obtivemos uma ampliação bastante expressiva do nosso orçamento. Para o exercício de 2025 passaremos de R$ 21 milhões para quase R$ 81 milhões. E cerca de 30% desse orçamento é destinado ao enfrentamento da violência de gênero. O que mostra a prioridades dessa pauta.

Outra conquista importante foi a reforma e requalificação das casas abrigo do Estado. As casas abrigo são espaços que oferecem um local seguro e protegido para as mulheres e seus filhos, menores de 18 anos.

Esse abrigamento é temporário, a depender da necessidade da vítima. A localização das casas é mantida em sigilo para garantir a segurança das residentes e evitar qualquer tipo de ameaça por parte dos agressores.

Tribuna Online - Bem, a gente escuta de entidades sérias dizendo que que Pernambuco é o estado mais violento do Nordeste para as mulheres. Na ponta do lápis, de forma proporcional, percebi que não é, pelo menos em termos proporcionais, em termos de população.  Estou errada? Como mudar essa imagem?

Juliana Gouveia - É fundamental contar com o engajamento de toda a sociedade, incluindo a mídia, para sensibilizar a população e estimular denúncias. A redução do feminicídio e de outras formas de violência é uma construção coletiva que demanda esforços conjuntos entre governo, sociedade civil e veículos de comunicação. Nesse sentido foram entregues para os municípios e a população como um todo mais de três milhões de material de campanha de prevenção à violência.

A pauta da mulher é uma das prioridades desta gestão, e os resultados na redução dos feminicídios demonstram avanços nesse sentido. No entanto, a violência doméstica e familiar está profundamente enraizada em aspectos culturais, e o grande desafio é reforçar para todas as mulheres que o Estado está presente, com uma rede de proteção atuante e acessível.

Veja também: Por que os homens matam as mulheres que dizem amar?

Veja também: A face oculta: veja os municípios da RMR que mais se omitem diante do feminicídio

Veja também: Feminicídio em Pernambuco: a luta entre leis avançadas e órfãos desprotegidos

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