O pernambucano que andou sob cristais e acima das nuvens
Djair Pedro da Silva visitou o mundo perdido do monte que une três países
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O pernambucano Djair Pedro da Silva, 48 anos, sempre gostou de trilhas, onde a imersão com a natureza mostra o milagre da vida bem de perto. Mas chegar ao topo do Monte Roraima, onde as fronteiras do Brasil, da Venezuela e da Guiana se cruzam, ultrapassou suas expectativas. As terras são habitadas e protegidas por povos indígenas.
O lugar também é conhecido como “Paraíso das Cachoeiras” e "Serra Verde", a depender de cada olhar.
A Tribuna Online compartilha com os leitores mais do que uma experiência turística. A viagem nasce de um sonho e se desenvolve como a própria existência humana: precisa de sensibilidade e respeito, adaptação e resiliência. A produção da reportagem durou mais de 10 horas, entre entrevistas e pesquisa.
A subida ao monte tem um caminho irregular para se trilhar sem pressa, sabendo que os pés pisam um dos lugares mais antigos do planeta, com cerca de 2 bilhões de anos. Para os indígenas, considerado sagrado.
Djair Pedro, funcionário público e com experiência em treckking, andou sob o Vale de Cristais e esteve acima das nuvens. Literalmente. Percorreu 110 quilômetros a pé.
Passou por lugares que remetem a filmes de ficção e à fantasia e que inspiraram o escritor inglês Arthur Conan Doyle (o mesmo autor famoso pelas histórias de Sherlock Homes) a escrever, ainda em 1912, “O mundo perdido” no qual o professor Professor Challenger tenta provar a existência dos dinossauros. Vem conhecer essa história.
O mundo perdido
Às vezes, Djair Pedro imaginava estar em outro planeta, quando se sentia pequeno diante da imensidão do vale. Para sua alegria, no entanto, o Paraíso das Cachoeiras era bem aqui, no planeta terra. E cada pedaço de chão que ele percorreu, num lugar formado por placas tectónicas, lhe remeteu à origem do universo e a novas emoções. Algumas formações rochosas lembram animais.
De forma lenta e prá lá de poética, ao longo do caminho, a água moldava dutos, cavernas, piscinas naturais, poças, túneis e cachoeiras no monte mágico cercado de falésias.
Esse é um detalhe para se frisar: ao longo de infindáveis ciclos geológicos, o Monte Roraima emergiu como testemunho de uma coreografia cósmica. Nas entranhas da região, palco da dança das placas tectônicas, o Paraíso das Cachoeiras surge como uma criação singular. Ele é um tepui - montanha com um topo em formato de mesa.
De longe, é plano. Mas, ao subir, no platô, é possível descer em fendas e cavernas. O pico tem 2.810 de altura, fica no estado Bolívar, na parte da Venezuela, quase três mil metros acima do mar.
Microclima
Na montanha, um espetáculo visual se desdobrou aos olhos de Djair: uma tapeçaria de formações rochosas exóticas e uma única de flora e fauna, pintando a natureza como uma obra de arte viva. Havia brumas e pequenas plantas carnívoras espalhadas, além de animais nunca vistos.
O tempo virava de uma hora para outra, mesclando calor e frio, sol e chuva, com destaque predominante para chuvas e neblina que surgiam sem avisar.
A água da chuva criava novas formas a cada momento. E quando o céu se abria, dava para vislumbrar as pedras escuras e areia rosada, além de vales e piscinas naturais. Tudo era uma novidade para o mochileiro, que estava seco ou molhado nesta trilha, que também inspirou o filme UP, Altas Aventuras.
O longa-metragem de animação é produzido pela Pixar Animation Studios e distribuído pela Walt Disney Pictures. A película ganhou o Oscar de Melhor Animação em 2010. Trata-se de uma obra emocionante, cujo protagonista é Carl Fredricksen - um idoso que amarra milhares de balões à sua casa para viajar para a América do Sul, realizando assim o sonho de sua falecida esposa.
O início
Na viagem de ida e volta, Djair levou nove dias. Povos originários locais foram seus guias e o respeito à natureza era uma cobrança diária. Para se ter uma ideia, os indígenas fizeram uma restrição explícita de que não se poderia gritar nas caminhadas para não assustar a montanha.
Os guias que auxiliaram o grupo de Djair eram da Comunidade Indígena Paraitepuy. Na parte venezuelana, a predominância é dos povos indígenas Pemon. Para eles, o local era a antiga morada de Makunaíma, o deus da tempestade. Pelas histórias orais transmitidas de geração em geração, ele castigava as aldeias e lavouras se ficasse bravo. Antigamente, inclusive, os indígenas tinham até receio de olhar para o monte.
Proteção à montanha
“Para você entrar lá, tem que ter permissão dos deuses. O guia pediu que a gente tomasse cuidado, não fizesse barulho, pediu oração, pediu proteção à montanha. Nós respeitamo as orientações. Eu toquei a montanha e pedi proteção" Djair Pedro, Servidor público
Ele lembrou também ter se hospedado com os povos originários, com direito a refeições no café da manhã e à noite, após as caminhadas. Além dele, o grupo que subiu ao monte era formado por João Fernandes, Wilson Albuquerque, Josely Azevedo, Nalen Avelino, Wagner Morais. Os indígenas ajudaram o grupo no transporte das mochilas e em todas as atividades. Quando todos chegavam cansados, as barracas, chamadas de "hotéis", estavam prontas.
Para chegar ao monte, Djair voou do Recife para Boa Vista, capital de Roraima, e seguiu mais 200 quilômetros para Pacaraima, última cidade no Norte do Brasil. Posteriormente, ele viajou para Santa Helena, já na Venezuela, onde a aventura realmente começou.
Djair passou dois dias andando em uma vegetação rasteira, como se fosse uma savana, até chegar ao Gigante Azul. No primeiro dia, caminham-se 13,5 quilômetros; no segundo, cerca de 11 quilômetros de caminhada. A viagem toda é orçada em aproximadamente R$ 8 mil por pessoa.
A incerteza e os limites
A cada passo, era uma incerteza, porque o clima poderia mudar a qualquer momento e as águas ao longo do caminho eram frias. “O tempo virava o tempo todo. De repente, paramos de enxergar quem estava à nossa frente”, contou.
A viagem testa todos os limites do ser humano. É preciso de um certo preparo físico antes de embarcar na aventura, porque, se alguém sofrer um acidente, torcer o pé, por exemplo, precisa ser levado em rede de volta. O resgate é lento, como exige a natureza local. Para chegar e sair do monte, é necessário atravessar o Rio Tek a pé. Ele pode estar raso ou enchendo.
O terceiro dia
São dois dias se aproximando do monte numa paisagem que lembra uma savana. “No terceiro dia, a gente vai de fato subir a montanha, é uma ascensão de mais de mil metros (até a pausa). Temos que superar a altitude. A vegetação fica encostada na grande rocha, numa parede e a gente se sente numa terra de gnomo. Só existe um caminho para subir, uma única trilha. A sorte é que, nessa subida, o lugar é bastante úmido e verde, com vegetações que só encontra-se lá”.
Os primeiros a subir ao monte foram os indígenas, mas a escalada foi registrada pela primeira vez pelo povo branco, numa expedição chefiada pelo inglês Everard Ferdinand em 1884, há 139 anos.
O Passo das Lágrimas
Durante a subida ao monte e descida, segundo Djair, os caminhantes transpiram bastante. Um dos lugares que, ao mesmo tempo, causa medo e impacta pela beleza, é o “Passo de Las Lágrimas”, à beira de um abismo.
Também conhecido como Vale das Lágrimas, é famoso por suas formações de arenito e suas características geológicas únicas. O nome "Vale das Lágrimas", um trecho inclinado e escorregadio que tem cerca de 11 quilômetros e uma cachoeira que goteja em cima dos caminhantes.
No inverno, a cachoeira dificulta a subida íngreme. É a trilha mais desafiadora, não sendo recomendada nesta época do ano por causa do risco.
“Este é um dos trechos mais emblemáticos da subida porque tem uma cascata que se forma e aquele respingo de chuva cai sobre os aventureiros. Então, chama-se Passo de Las Lágrimas, né? Você sempre tem que passar por esse caminho úmido e molhado. É um desafio”, disse Djair, que se deixou molhar pelas lágrimas do monte. Para ele, de emoção.
Abrigo contra raios
O topo é um universo à parte, segundo Djair. Cada canto do Tepui tem sua própria beleza única, e os visitantes podem desfrutar de vistas panorâmicas deslumbrantes de todas as direções, bem como pôr do sol. Lá em cima, as barracas são montadas em cavidades nas rochas para proteção e tempestades.
“Nossas barracas são montadas em lugares protegidos contra raios na encosta da parede, a gente dorme numa cavidade na rocha. Há muita água, muita poça de água, as cores das rochas são diferentes, elas têm cavidades, fendas profundas”, declarou.
As nuvens sob os pés
No alto do monte, durante a jornada, ao ver a formação de nuvens aos seus pés e o nascer do sol, foi a vez de Djair chorar. Indagado por que chorou, ele respondeu que o grupo tinha enfrentado uma tempestade e passado um dia na barraca:
“A gente tinha enfrentando uma tempestade. Depois, o dia amanheceu absurdamente bonito, foi um dia lindo. O tempo muda muito lá em cima. A formação de nuvens acontece nos nossos pés, a gente acaba vivenciando essa coisa da natureza, um instante está sol e depois vem uma nuvem. Eu chorei copiosamente. Tudo parecia muito lento”, descreveu.
“A beleza também estava colocada nas cores que se formavam pelas nuvens”, arrematou.
O Vale dos Cristais
Djair também caminhou no Vale dos Cristais, conhecido por suas formações de cristais de quartzo branco que pontilham a paisagem, criando um cenário deslumbrante. As pedras são usadas para cura e equilíbrio energético, embora a ciência não confirme. Segundo Djair, os cristais brilham quando atingidos pela luz do sol. As pedras dão ao local uma aparência mágica e surreal. No cinema, há pelo menos sete contos de fadas que mencionam cristais.
“Foi um dos momentos mais emotivos, quando eu passei pelo Vale dos Cristais, ele tinha uma beleza estética particular”, declarou.
A descida
A descida do monte envolve algumas vistas da subida, com destaque para maiores riscos na passagem do Vale das Lágrimas. Uma oração também é feita para proteger os viajantes dos perigos durante o retorno.
Longe do ritmo frenético e dos 3 segundos nas redes sociais que captam o telespectador, a lentidão, apesar da adrenalina, permite uma apreciação mais profunda, com reflexão e contemplação, conexões mais significativas - um revigoramento da saúde mental.
Para os indígenas, o ideal é voltar sem pressa e ter um dia a mais na agenda, em caso de mudança de climática.
Além de funcionário público, Djair também é guia de trilhas, em Pernambuco, mas ele foi como espectador nesta viagem. “Essa fração da terra mais antiga fica dentro de uma reserva indígena e me marcou para sempre”, contou.
“A natureza é essencialmente Deus Djair Pedro, Servidor Público
Veja outros pontos que ele conheceu
El Foso: Um grande buraco formado no topo do Tepui, El Foso é uma característica geológica marcante e com águas geladas e apropriadas para o banho.
Jacuzzi: a "jacuzzi" no Monte Roraima é uma característica peculiar que se refere a uma piscina natural de água que é encontrada em uma das formações rochosas na parte superior da montanha.
Essa formação rochosa possui uma depressão que retém a água da chuva, criando uma piscina temporária. A "jacuzzi" é assim chamada devido à sua semelhança com uma banheira de hidromassagem natural. O diferencial dela? A água é gelada.
Cachoeira Kukenan: Diretamente do Monte Kukenan, a Cachoeira Kukenan cria um cenário espetacular no topo do Monte Roraima. Sua queda deslumbrante adiciona beleza extraordinária à paisagem circundante. Também chamada de Catedral.
Lago Gladys: Rodeado por formações rochosas e vegetação exuberante, o Lago Gladys é um oásis tranquilo no topo do Tepui. Este pequeno lago oferece um cenário cênico e sereno.
La Ventana: Significando "A Janela" em espanhol, La Ventana é uma abertura natural no Monte Roraima. Essa característica geológica única, que se assemelha a uma janela, proporciona uma experiência emocionante para os exploradores que atravessam essa passagem impressionante.
Tríplice Fronteira: O marco tríplice no Monte Roraima é conhecido como "Tríplice Fronteira" ou "Tríplice Divisa". Este ponto representa o ponto de encontro das fronteiras de três países: Brasil, Venezuela e Guiana.
Veja mais trechos dessa experiência no instagram @dji_pedro
"O monte? É simplesmente divino", arremata Djair.
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