Quando o passado pesa, mas o futuro insiste: a reinvenção de Floresta
Cidade começa a escrever uma nova história no Sertão pernambuco com um projeto de referência mundial em piscicultura sustentável
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Dia desses peguei a estrada com minha mãe, faz dias mesmo, bote alguns anos aí. Meu pai, que tem Alzheimer, e meu sobrinho Lucas, na época com apenas 7 anos, foram juntos. Um quarteto fantástico de várias gerações. Cada um falava línguas diferentes, mas cantávamos sem parar as músicas de Luiz Gonzaga para entreter painho e aplacar a distância.
Lucas tinha acabado de aprender as letras de Luiz Gonzaga no colégio e estudar o Sertão. “A vida de viajante”, naquele momento, fazia todo sentido: “minha vida é andar por esse país pra ver se um dia descanso feliz”. Estávamos felizes na estrada.
Petrolândia, Floresta e a estrada em linha reta

Nos dirigimos, na época, a Petrolândia, aquele município mágico da Igreja submersa, no Sertão do São Francisco. As horas no carro pareciam sem fim entre Floresta, Ibimirim e a cidade destino.
Mas eu queria mostrar a beleza daquele município que conhecia para minha família, onde as águas do São Francisco passam ferozes sem derrubar o templo, o que é inacreditável, um milagre para mim. Meu pai já estava com a doença avançada e, a cada momento, reclamava de uma reta enorme na estrada que parecia não acabar.
Passamos pelo município de Floresta, do qual sempre tive uma certa reserva, aquela coisa lá no fundo… será que não é perigoso?
Não lembro qual rodovia foi aquela, mas parecia a maior reta do mundo, batendo todas as linhas retas do Recife. A vegetação cerrada não nos deixava ver a paisagem interior, apenas o céu, e nos fazia sentir como se estivéssemos subindo nas nuvens. Sem volta. Lembrei do padre perdido nas nuvens em balões e sem saber voltar.
A reta sem fim
Não me perguntem qual caminho tomei para passar por Floresta. Mas hoje descobri que o acesso à cidade se dá através da BR 316, PE 360, PE 390, pavimentadas e a PE 423 em terraplanagem. O município possui uma área de 3.644 Km², sendo o segundo maior município do estado. Perde apenas para Petrolina. Já visse?
Histórias densas de um Sertão marcado pelo medo

Deu um frio na barriga. Floresta, elevada à vila em 1846, guarda memórias densas. Histórias de violência entre famílias, lutas sangrentas por poder, revezamentos infindáveis, Escândalo da Mandioca enterrado e esquecido como as próprias raízes. Antes do Pacto pela Vida, inclusive, integrava o polígono da maconha. Passar por suas estradas, então, era uma aventura arriscada; um tanto de medo sempre me acompanhava. Somente este ano, houve duas operações da polícia federal na região, pelo que me lembro.
Contudo, de forma lenta e insistente, Floresta vem recebendo um novo olhar. O olhar curiosamente de um pernambucano e presidente nordestino, aquele que se ama ou odeia, às vezes tudo ao mesmo tempo. Foi um olhar que enxergou além da seca, do solo rachado e das histórias tristes. O nordeste faz parte da solução do país.
O “patinho feio” que descobre suas águas

Floresta, para muitos visitantes, ainda pode ser um “patinho feio” do Sertão pernambucano, distante 433 km do Recife, cidade de horizontes, que quase se confunde com o céu. Mas esse mesmo patinho começa a se tornar cada vez mais belo e com um futuro promissor. E tem a ver com as águas e também com a transposição do São Francisco, cujo eixo leste começa na barragem de Itaparica.
O Ministério da Pesca e Aquicultura, sob a liderança do ministro pernambucano André de Paula, aposta na cidade com um projeto ousado: o “Aproveitamento Integral de Peixes Produzidos em Tanques-Rede”.
Projeto de referência mundial em piscicultura sustentável

"O projeto é uma iniciativa de pesquisa aplicada, que visa desenvolver tecnologias sustentáveis para transformar a piscicultura local em uma cadeia produtiva eficiente, inovadora e de baixo desperdício", explica o ministro.
A proposta tem como foco principal a cidade de Floresta, próxima dos principais polos de tilápia no lago de Itaparica, e ainda em andamento.
Segundo dados do Ministério da Pesca, Floresta contempla a instalação de uma bioindústria capaz de processar 30 toneladas de pescado por mês, produzindo filés, óleo de peixe, colágeno, ração animal — tudo aproveitando integralmente cada peixe, sem nada desperdiçar. Atenção: 30 toneladas equivalem, mais ou menos, a dois ônibus cheios de peixes produzidos no Sertão.
Quando ouvi André de Paula falar sobre o assunto senti, naquele instante, a força do projeto, porque já vi algo semelhante em Jatobá. Floresta, antes marcada pelo medo, agora é atravessada por promessas de futuro.
O projeto vai gerar mais de 300 empregos diretos e indiretos, segundo o MPA, fortalecendo pequenos e médios produtores locais e transformando resíduos em produtos úteis.
Com investimento de R$ 7 milhões e previsão de retorno em até três anos, a iniciativa quer posicionar o semiárido nordestino — e o Brasil — como referência mundial em piscicultura sustentável.
As receitas estimadas são entre R$ 290 mil e R$ 400 mil mensais, uma média de R$ 4 milhões ao ano. Um golpe poético no passado: tirar das amarras antigas um novo caminho.
Entre memórias e esperanças

Enquanto sonho em pegar a estrada novamente para ver Floresta com outros olhos, imagino minha família dentro do carro e penso: o município sempre teve suas histórias, mas também tem suas possibilidades.
A cidade agora respira transformação. É um lugar de paradoxos: raízes no passado, mas olhos no horizonte. Aqui, o que era medo se converte em curiosidade, o que era desconfiança se transforma em esperança.
Olhando para o futuro, imagino jovens retirando tilápias dos tanques, gente do Sertão aprendendo técnicas modernas, crianças assistindo à transformação da cidade. É quase como se cada peixe processado carregasse a história das antigas gerações — e a promessa de um amanhã que se reinventa. Floresta, o patinho feio, começa a abrir suas asas para o mundo.

E assim, vamos seguir, num dia desses novamente, estrada à frente, céu acima, tempo dentro do carro e dentro de nós. O Sertão do antigo polígono que amedrontava meu pai e minha própria memória, agora nos oferece um gesto de futuro. Como se a violência fosse só um capítulo e a vida pulsante nas casas de todos os florestenses passassem a ser vistas com lupa.
A promessa da bioindústria bão é apenas uma obra; é uma história que reescreve a cidade. Floresta começa a se mostrar inteira, sem medo de suas sombras, abraçando o que sempre foi e o que agora se torna: um Sertão que não mais se entrega ao passado, mas cria pontes de esperança para quem ainda vai chegar.
Cidade em reconstrução
O Slogan da Prefeitura de Floresta é: Cidade em Reconstrução. Nada que combine mais com o momento. O município, aos poucos, também vem se tornando um ponto turístico importante. E os visitantes também são pernambucanos, querendo conhecer mais de suas raízes e do Riacho do Navio cantado nos versos de Luiz Gonzaga.
A Revolução Praieira em Floresta

Floresta nasceu no século XVIII, a partir das fazendas Curralinho, Paus Pretos e, sobretudo, da Fazenda Grande, às margens do Rio Pajeú. Foi ali que, em torno de um oratório erguido em 1777, começou o povoado dedicado ao Senhor Bom Jesus dos Aflitos.
Em 1846, o lugar se tornou uma vila. Poucos anos depois, porém, a história pesou: em 1849, Floresta foi punida por participar ativamente da Revolução Praieira — último grande levante liberal do Brasil, que defendia liberdade de imprensa, voto livre e maior autonomia para Pernambuco frente ao Império.
Como castigo, a vila foi incorporada a Tacaratu, outra cidade da região, só recuperando sua autonomia em 1864. Em 1907, finalmente, Floresta ganhou o título de cidade.
"Corre pro Pajeú"

Riacho do Navio é um dos pontos mais lindos de Floresta, com águas cristalinas, na altura da cintura. ou mais rasa. e piabas passando pelos pés. Mas nem sempre tem água. Quando tem, a gente não sabe se aprecia a beleza ou se pesca piaba para comer assadinha, como é costume no interior pernambucano. O Riacho do Navio não é apenas água que corre.
Ele é caminho e memória, uma linha de água riscando a terra vermelha do Sertão. Nasce em Floresta como quem nasce em segredo, brotando entre pedras e caatinga, tímido, mas teimoso, feito sertanejo. Segue a vida em silêncio, até ganhar voz quando se junta ao Pajeú, e mais adiante, abraça o velho Chico — o São Francisco — como quem encontra destino. Ali, onde a seca insiste em ser soberana, o riacho é promessa.

Parque das Caraibeiras

A região de Floresta do Navio é conhecida por sua rica biodiversidade e manifestações culturais. Destaca-se pelo Parque das Caraibeiras, que encanta os visitantes com suas cores vibrantes durante a primavera. Maravilindo! Além disso, a Lagoa de Pedrosa oferece trilhas para quem aprecia aventuras, podendo ser exploradas a pé ou a cavalo
O casario encantado

No centro de Floresta, o tempo repousa nas fachadas antigas. Entre o fim do século XIX e o início do XX, ergueu-se um conjunto arquitetônico que hoje é memória e beleza: casarões e igrejas onde o barroco, o neoclássico e o ecletismo se encontram em harmonia.
A Escola Júlio de Mello, o antigo quartel da Força Pública, o sobrado da Praça Major João Novaes, a residência da Praça Antônio Ferraz e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário são mais que construções — são testemunhas de uma cidade que guarda sua história nas paredes e no silêncio de suas praças.
Correndo contra a desigualdades

Em relação a outros municípios do estado, inclusive no Sertão, a meta de alfabetização de Floresta é modesta. Mas o município está correndo contra desigualdades históricas. A cidade superou a meta de alfabetização estabelecida para 2024.
Segundo dados oficiais do MEC, 51,67% dos alunos da rede municipal foram alfabetizados, enquanto a meta era de 40,31%. Em 2023, o índice havia sido de apenas 33,4%, o que demonstra avanço significativo. A avaliação teve 95% de participação dos estudantes. A gente torce por mais avanços e que essas crianças tenham futuro dentro da sua cidade, convivendo com seu bioma e sua natureza.
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