Avião da Embraer foi atingido ao pousar na Rússia, diz relatório
Texto, publicado pelo governo do Azerbaijão, descreve em detalhes as áreas atingidas
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O primeiro relatório oficial sobre a queda de um avião Embraer E-190 da Azerbaijan Airlines no Cazaquistão, no Natal passado, confirma as evidências de que a aeronave foi atingida por um míssil antiaéreo quando se aproximava para pouso na Rússia.
O texto, publicado pelo governo do Azerbaijão, descreve em detalhes as áreas atingidas por destroços compatíveis com os da explosão de uma ogiva de uma arma antiaérea —que não impacta no alvo, mas sim explode antes e o cobre com uma chuva de detritos para maior efeito.
Um investigador afirmou de forma anônima à agência Reuters que um dos pedaços exógenos que foram recuperados é de um míssil do sistema antiaéreo russo Pantsir S-1, exatamente o modelo que defendia a região do aeroporto de Grozni naquela manhã de 25 de dezembro.
Isso não está no relato oficial, que cita apenas "pedaços de metal estrangeiros" retirados do estabilizador esquerdo e de partes do sistema hidráulico do avião, sem o funcionamento dos quais é impossível controlar a aeronave.
Havia um ataque de drones ucranianos em toda a região do sul do Cáucaso russo naquele momento. Como a Folha mostrou na ocasião, isso e imagem da fuselagem do avião cravejada por destroços indicava que o E-190 foi vítima de um abate acidental, que matou 38 pessoas.
O relato dos azeris é sucinto, mas mostra outros pontos importantes. Primeiro, a partir da análise das falas extraídas do gravador de voz por peritos da Força Aérea Brasileira com auxílio da Embraer, fica claro que os pilotos não sabiam bem o que estava acontecendo.
Na aproximação à capital da Tchetchênia, eles relataram terem sido atingidos duas vezes num espaço de 25 segundos. Dois minutos depois, o comandante disse aos controladores de tráfego aéreo em Grozni que ele achava ter sido atingido por pássaros, uma ocorrência relativamente comum em pousos e decolagens.
Isso explica a versão inicial divulgada pela Rússia de que tinham sido pássaros os culpados. Mas os bichos, ainda que perigosos quando atingem motores e para-brisas, não abrem rombos na fuselagem de aviões.
Cinco minutos depois, o piloto informou à torre que estava perdendo controle. Aí entra outra discussão que ganhou as redes sociais, que acusaram os russos de não deixar o avião pousar. Na verdade, foi discutido entre os controladores e os pilotos o que fazer, inclusive com opções de outros aeroportos da Rússia.
Seja como for, foi só no oitavo minuto da emergência que a torre em Grozni passou a alertar outros aviões a não se aproximar e a desviar para outros aeródromos, numa sugestão clara de que sabia do risco de novos acidentes já que havia um ataque ucraniano em curso.
Ao fim, eles acharam melhor ir a leste, cruzando o mar Cáspio, para pousar no Cazaquistão. Não fica claro o que motivou a decisão, mas eles rumaram a Aktau, na costa cazaque. Entre o incidente e tentativa frustrada de pouso lá, passaram-se 1h12min.
Como vídeos de alguns dos 29 sobreviventes mostraram, havia danos visíveis para os passageiros. O comandante relatou aos controladores que eles começavam a perder consciência, o que sugere perda de pressão.
"Então, temos uma situação, o oxigênio está acabando na cabine dos passageiros, o que significa que um tanque de oxigênio explodiu ali, eu acho. Então há cheiro de combustível, alguns passageiros estão perdendo a consciência, nos dê permissão para ir a uma altitude menor", disse ele, fazendo então manobra para ficar em uma zona com maior pressão atmosférica e mais oxigênio.
Os danos ao avião foram vistos em sua chegada a Aktau: ele estava descontrolado, com um dos profundores, a superfície de controle que o faz subir e descer que fica no estabilizador (a "asinha" traseira), travado.
Ao fim, o avião caiu num campo, antes de chegar ao aeroporto. O presidente azeri, Ilham Aliyev, já havia dito em dezembro que o E-190 havia sido atingido pela defesa aérea russa, recebendo um raro pedido de desculpa de seu colega Vladimir Putin.
Mas o líder russo não admitiu a ação, apenas se desculpou "pelo trágico incidente". O Kremlin diz ter colocado especialistas russos à disposição de Baku, com quem mantém relações energéticas importantes e não quer ver cair totalmente na órbita da Turquia.
Aliyev, contudo, preferiu mandar os gravadores de voo para análise no Brasil, onde o avião foi fabricado. O Cenipa, o órgão de apuração de desastres aéreos da FAB, enviou o material de volta no começo do ano.
O relatório azeri é preliminar e não culpa ninguém, servindo de base para eventuais recomendações de órgãos reguladores internacionais.
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