Mamelodi Sundowns, o time vestido de Brasil por magnata excêntrico que roubou banco
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Os jogadores do sul-africano Mamelodi Sundowns entram em campo no Hard Rock Stadium, em Miami, nesta quarta-feira, vestidos com camisa amarela e calções azuis, para enfrentar o Fluminense pela terceira rodada do Mundial de Clubes. Não há como olhar para tal uniforme e não lembrar da seleção brasileira, até porque a intenção é justamente essa.
As referências ao Brasil foram ideia de Zola Mahobe, empresário excêntrico que introduziu ao time o apelido de “Brazilians” e acabou preso após três anos de gestão por financiar seu estilo de vida luxuoso - e o próprio Mamelodi - com dinheiro desviado por sua namorada dos cofres do Standard Bank, o maior banco do continente africano.
Fundado em 1970, o clube da cidade de Pretória foi comprado por Mahobe em 1985. Conhecido também pelo apelido Mr. Cool - Senhor Maneiro, em tradução livre -, era visto como um bon vivant e a origem de seu dinheiro nunca foi muito clara. O que se sabia é que ele colocou muito dinheiro no clube e contratou jogadores que eram estrelas na África do Sul.
O dono do Mamelodi virou uma espécie de figura folclórica do futebol sul-africano. De acordo com reportagem publicada em 2014 pela revista independente Roads & Kingdoms, ele ostentava uma frota de carros e casas, além de ter sido o primeiro negro a se tornar membro do clube de corridas de cavalo Newmarket, em Johanesburgo. Os elementos que compõem sua história o fazem ser visto com um misto de admiração e repulsa.
Quando Mr.Cool tentou comprar uma Mercedes-Benz, em 1987, durante uma viagem à Alemanha, foi informado que sairia mais barato se comprasse na África do Sul, por causa de questões cambiais. A concessionária, então, contatou uma filial sul-africana para dar sequência ao negócio, que seria sacramentado por meio de uma transferência no Standard Bank.
A instituição bancária, contudo, empreendeu uma investigação em que descobriu que estava sendo roubada por Mahobe. Namorada do empresário, Snowy Moshoeshoe era caixa do banco e atendia solicitações de transferências bancárias do companheiro, desviando dinheiro da conta de outros clientes. No dia da investigação, Moshoeshoe estava de folga, o que facilitou a descoberta do esquema.
Foram US$ 3 milhões desviados, valor bastante alto para a época, em 93 transações fraudulentas. Mahobe fugiu para Botsuana, e as autoridades chegaram a oferecer recompensa em dinheiro por sua captura. Depois de nove meses, ele foi encontrado e extraditado para a África do Sul.
Julgado em julho de 1988, argumentou que pensava que o dinheiro era oriundo de vendas de terras no Lesoto, realizadas pela família de Moshoeshoe, já que a namorada era descendente do Rei Moshoeshoe. Acabou condenado a 29 anos de prisão, em 12 de janeiro de 1989 e cumpriu 16 anos prisão de Barberton, em Mpumalanga.
Durante o período encarcerado, converteu-se ao islamismo. A propriedade do Mamelodi Sundowns foi repassada ao Standard Bank, que vendeu o clube para Angelo e Natasha Tischlas, hoje vice-presidente da Associação Sul-Africana de Futebol. Angelo morreu nesta terça-feira, 24, em um acidente de carro.
A administração do casal foi combinada, posteriormente em uma parceria com os irmãos Krok, famosos empresários e filantropos que tinha entre seus negócios a venda de cremes clareadores de pele na época do apartheid. Hoje, o clube pertence a Patrice Motsepe, bilionário do ramo da mineração.
O estilo de jogo ‘engraxate e piano’
Depois de experiências frustradas com alguns treinadores, inclusive Walter da Silva, brasileiro que fez carreira na África do Sul, Zola Mahobe contratou Stanley “Screamer” Tshabalala, cuja filosofia de jogo moldou o estilo de futebol praticado pelo Mamelodi Sundowns. Há até um nome para ele: shoeshine and piano (engraxar e piano).
O conceito foi introduzido por Screamer depois que ele retornou de uma turnê na Itália em meados dos anos 1980, quando visitou as estruturas de Milan, Inter de Milão e Juventus. Em uma das visitas, ouviu a palavra “piano” em uma das instruções de um treinador aos jogadores. Também disse ter ouvido uma palavra que soava como “engraxar”
Conforme explicado no site oficial do Mamelodi Sundowns, a palavra piano - que em italiano pode significar “desacelerar” - deve ser entendida no contexto do clube sul-africano como a expressão “piano piano”, cujo significado é “pouco a pouco” ou “passo a passo”.
“Quando Screamer chegou, ele queria que jogássemos futebol de ‘toque’. Engraxar e piano se encaixam perfeitamente com essa abordagem. O sistema envolve construir a partir da defesa, passar a bola ao redor do campo e manter as coisas simples, mantendo o controle do jogo”, explica Trott Moloto, auxiliar de Screamer, morto em julho de 2024.
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