Indisciplina e bullying virtuais viraram desafio para professores, avalia especialista
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Aprender a ler, escrever, somar, multiplicar. Essas são algumas das atividades que se aprendem na escola. Porém o papel dessa instituição vai além da educação formal.
Em meio à pandemia e implantação do ensino remoto, adaptar essa atuação é uma necessidade tanto para as escolas quanto para os professores. Os desafios, que antes eram vistos nas salas de aulas, passaram a ser virtuais, como a indisciplina e o bullying (humilhações).
Linchamentos virtuais fazem parte de uma triste realidade que pode afetar os estudantes. Para a pós-doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Cleonara Maria Schwartz, a indisciplina e o bullying virtuais têm sido um desafio para professores, especialmente neste momento de pandemia e de aulas online. Confira a entrevista:

A TRIBUNA – A indisciplina e o bullying têm sido um desafio para professores?
Cleonara Schwartz – Esse é um problema da nossa sociedade, onde as mídias digitais estão a todo momento presente – agora, no contexto da pandemia, ainda mais. Nossa vida tem ficado cada mais dependente do que fazemos no celular e por meio das mídias.
Isso traz um desafio, porque o bullying e as questões que causam constrangimento na sala de aula acabam adentrando nesse contexto, e o profissional que está atuando na sala de aula virtual tendo de parar e redefinir com a turma algumas formas de agir nesses novos ambientes virtuais de aprendizagem.
Como escolas e professores devem agir nessas situações?
As escolas e os professores precisam ampliar o diálogo com os alunos para definir estratégias de lidar com a indisciplina virtual.
A mediação qualificada do professor requer criação de estratégias para lidar com a indisciplina. Não há um modelo pronto, principalmente no contexto da pandemia.
A sala de aula, seja virtual ou não, demanda diálogo constante. As escolas e os professores precisam refletir a respeito da participação e disciplina dos alunos e buscar um consenso por meio do diálogo, principalmente, neste momento. A rigidez não é uma boa estratégia se não responde aos anseios dos alunos.
O uso frequente das redes sociais pode contribuir para esse bullying virtual?
Aquele bullying que acontecia nos espaços de relacionamento presenciais, no contexto escolar, agora ocupa esse ambiente virtual.
Não que nas redes sociais já não existissem essas possibilidades. Só que agora é nela que ocorre o processo educacional, carregando, com isso, todas as outras possibilidades de praticar alguma “brincadeira”, mesmo sendo de mau gosto, com os colegas.
De que forma esses assuntos podem ser tratados em sala?
É fundamental não apenas discutir a relação conceitual do que é bullying, porque isso os estudantes sabem. Mas, por exemplo, deve-se discutir os impactos do bullying em quem é alvo.
Possibilitar que os alunos se envolvam em levantamento, utilizando as mídias sociais, nos diferentes tipos de bullying que ocorrem e são praticados, sobre os impactos e as intencionalidades por trás. Há estudantes que acham que estão fazendo apenas uma brincadeira...
É importante que o estudante compreenda que o comentário que se faz pode ser tido por ele como brincadeira, mas, para o outro colega, é algo que fere, que trava a pessoa e traz trauma. Os alunos precisam compreender que a prática do bullying, principalmente neste contexto altamente tecnológico, pode fazer um estrago enorme na vida de quem sofre.
Precisamos discutir a nossa responsabilidade com o outro, com a aceitação e o cuidar do outro. A própria pandemia mostrou que a gente tem de cuidar da gente, porque, assim, respeitamos e cuidamos do outro. Essa dinâmica é importante na sala de aula.
Quando esses casos devem ser levados à família?
É importante que a escola comunique aos pais, converse com eles e apresente a proposta pedagógica. É importante esse diálogo e aproximação, criando laços e envolvimento da família no acompanhamento do processo educacional. No contexto da pandemia, isso ficou cada vez mais necessário.
É preciso que os pais auxiliem naquilo que a escola agora não dá conta de ver. Enquanto estava no presencial, a escola via. Como o processo educacional teve de ser remodelado para atividades não presenciais, isso ficou menos visível para as escolas. É importante que as escolas entrem em contato com as famílias para que elas possam dar um retorno.
De que maneira a não intervenção nessas humilhações pode prejudicar esses alunos?
Aquele que pratica o bullying vai continuar achando que pode fazer tudo. Que é dono do mundo e da verdade, e o que ele faz não tem impacto na vida do outro.
Por outro lado, aquele que sofre o bullying e não tem o apoio, vai ficar com o sentimento de fracasso, autoestima baixa. Ele terá desenvolvido a sensação de que cada um faz o que quer, e que uns podem mais que os outros. Por isso o diálogo é fundamental para que haja cada vez mais tolerância, respeito à dignidade do outro e colaboração. Justiça social não se faz sem respeito às diferenças e ao outro.
QUEM É CLEONARA SCHWARTZ
- Possui graduação em Letras - Português pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). É mestra em Educação pela Ufes.
- Tem doutorado e pós-doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). É conselheira no Conselho Estadual de Educação do Espírito Santo.
- É professora associada da Ufes e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo.
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