“Crianças têm de aprender a cumprir acordos desde cedo”, diz educadora
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Firmar acordos soa como “coisa de adulto”. Porém, é eficaz também na construção de uma relação parental clara e respeitosa. Os “combinados” permitem aos pais delimitarem limites aos filhos, inibem birras, fazem com que as crianças se sintam consideradas, e fortalecem o diálogo e a confiança mútua.
Ainda que os pequenos não saibam falar completamente, é possível educá-los a cumprir acordos desde cedo. É o que orienta a educadora parental Aline De Rosa.
O empenho para garantir o sucesso dos acordos deve ser maior por parte dos pais, que não podem ceder a birras e manhas. Além disso, eles ainda têm de estar preparados para acolher e lidar com as frustrações dos pequenos.

“Se não tem certeza de que é uma situação na qual vai conseguir cumprir o acordo, pode acabar cedendo. Não combine nada”, enfatiza a educadora.
Os acordos são uma ferramenta utilizada na disciplina positiva, que busca entender as motivações dos “maus comportamentos” das crianças e acolher seus sentimentos ao mesmo tempo que impõe limites. Crê que o comportamento dos pequenos tende a melhorar quando eles sentem emoções positivas.
ENTREVISTA | Aline de Rosa, educadora
A Tribuna – Quais são as vantagens de fazer acordos com os filhos?
Aline De Rosa – Normalmente, na educação convencional, os pais têm o impulso de ordenar. É uma relação unilateral em que o pai dá a ordem e espera obediência.
De acordo com o princípio do desenvolvimento humano, todos precisam se sentir úteis, aceitos e importantes. Quando se espera obediência, a ordem não faz com que a criança se sinta dessa forma.
O acordo envolve a criança quando os pais olham nos olhos, perguntam como os filhos estão se sentindo e fazem o “combinado”, considerando-os.
A consequência é que a relação se torna mais leve, acolhedora e amorosa. Bem mais do que quando pais e filhos vivem em embate e conflito, em que o adulto espera obediência cega. A disputa de poder é desgastante e dolorosa para pais e filhos, e nenhum pai quer fazer mal ao filho.
A partir de que idade a criança já tem compreensão suficiente sobre acordos?
A partir de um ano ou um ano e meio. Ela não tem compreensão de detalhes tão complexos, mas entendem alguns comandos. Dentro da capacidade de resposta delas, ainda poderia ter birra e descumprimento. Cada criança vai responder aos acordos dentro das limitações de sua faixa etária.
Seja o filho mais novo (com 1 ou 2 anos) ou mais velho (com 6 ou 7 anos), o cumprimento dos acordos melhora com o tempo, na medida em que os pais são consistentes em fazer o que combinam. Filhos aprendem pelo exemplo dos pais.
Em quais situações aplicar acordos?
Um exemplo prático: Se vamos ao shopping e já sei que lá meu filho vai querer comprar mil coisas e ainda lanchar. Se eu acredito que dá para fazer lanche durante a ida ao shopping, ouso propor: “Vamos fazer um acordo. Se você ficar tranquilo, vamos fazer um lanche lá. O que acha? O que gostaria de comer?”.
No acordo existe uma troca, em que se combina algo previamente. Os pais têm como prever certos comportamentos, então já envolve a criança no que está por vir e a prepara para os limites.
O acordo traz um olhar sobre a educação firme e gentil, em que observo limites, envolvo meu filho e permito que ele tenha voz ativa.
Quando o pai pergunta o que a criança quer, ela entende que o adulto está preocupado com o que ela pensa e se sente valorizada.
As vontades da criança então são consideradas?
Sim. Mas não há permissividade. Não é a criança quem decide o que ela quer. Eu, como mãe, digo qual é o limite. No exemplo do shopping, digo que não vai ter compra; no máximo um lanche. No lanche, deixo que ela escolha o que quer comer. A vontade dela é dentro do que eu permito.
Como agir quando a criança não cumpre com o combinado?
Já é esperado que a criança não cumpra o acordo de início. A tendência é que quanto há mais consistência no comportamento do pai, mais a criança irá cumpri. Se o pai combina e cumpre, depois de alguns meses a criança vai entender que o que o pai fala e ele faz, então ela vai começar a cumprir.
Se ainda está em um momento de transformação do comportamento e a criança ainda não tem certeza de que o pai vai cumprir o acordo, é natural que ela queira descumprir. E faz isso até de forma de desafio, que não é malicioso e nem por mal. É da criança buscar testar o limite da vida. “Quando choro e faço birra, o limite permanece?”. A criança precisa dessa segurança.
O que é importante para que o acordo seja bem-sucedido?
O ponto principal para que o acordo seja cumprido é o acompanhamento. Fazer o acordo é o mais fácil. O difícil é quando a criança pede, fazendo aquela carinha manhosa, chora ou grita... Aí cabe acolher a frustração e se manter firme no que você combinou.
No exemplo do shopping, se quando chega lá a criança pede algo diferente, como um sorvete, há três situações: A primeira é agir como se não tivesse o combinado e ceder. A segunda é a reação de raiva. A terceira, a que propomos, é o caminho do meio, de agir de modo firme e gentil.
Nesse terceiro caso, eu digo: “Entendo que chegou aqui e ficou com vontade, mas o que tínhamos combinado mais cedo?”. Então, eu acolho o sentimento ao mesmo tempo em que faço com que reflita sobre o acordo.
Se continuar teimando que quer sorvete, agora eu repito qual era o combinado com clareza. Se a criança se mantiver nervosa, eu a acalmo. Não vou dar o sorvete e tampouco gritar e humilhar.
Imagina a criança passar por uma situação como essa em um local com outras pessoas? Então devo acolher e retirá-la. Eu a pego no colo e saio dali. Digo que está tudo bem e que ela pode chorar. Com o tempo, ela vai respirando com mais calma. Então converso com ela e relembro o acordo.
Então não cabe punição?
No final, acolhendo as frustrações da criança e se mantendo firma na decisão, o combinado será cumprido.
Há alguma situação em que os pais podem ceder?
Dentro da educação firme e gentil, não. Se o pai combina algo, deve cumprir. Quando cede, está sendo permissivo. Se não tem certeza de que é uma situação que vai conseguir cumprir o acordo e pode acabar cedendo, não combine nada! Simplesmente siga em silêncio e avalie na hora.
Os pais podem conversar com o filho e eventualmente mudar de ideia quando o filho propõe algo. Mas quando estamos falando de acordo, tem que ser cumprido!
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