Nos 40 anos do disco 'Listen Like Thieves', guitarrista do INXS lembra de início da carreira
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O sucesso de uma banda de rock pode ser ensurdecedor, mas a tragédia, quando atinge, ecoa um silêncio que pesa sobre os fãs pela eternidade. Exemplos não faltam: The Doors, Nirvana, INXS, Morphine. No caso da banda australiana, fundada em 1977 pelos três irmãos Farris, Kirk Pengilly, Garry Gary Beers e o vocalista Michael Hutchence, o choque veio em 1997, quando o cantor foi encontrado sem vida em seu apartamento, enforcado com o próprio cinto preso à maçaneta da porta. Ele morreu aos 37 anos e a causa definida pelas autoridades foi suicídio.
Pengilly, hoje com 66 anos, ainda questiona o que pode ter acontecido com o ex-parceiro. "Nunca saberemos o que aconteceu", diz ele, que lança nova edição comemorativa e ampliada de 40 anos do álbum Listen Like Thieves (1985), que inclui gravações inéditas de um show em Londres, além de demos e outtakes.
O disco, que mudou o grupo de patamar na esfera da música pop, agora ganha versão remasterizada em Dolby Atmos por Giles Martin, filho de George Martin, o lendário produtor dos Beatles. Herdeiro dos talentos do pai, Giles tem sido aclamado pelo mesmo tipo de trabalho com o catálogo do quarteto de Liverpool.
Nesta conversa, o guitarrista e saxofonista falou ainda sobre o show memorável no Rock in Rio de 1991 diante de cerca de 150 mil pessoas, e contou sobre como a tragédia de Hutchence o afetou. "Você começa a aprender que não é imortal. E a principal lição disso é apenas aproveitar tudo", afirma ele, que já batalhou contra um glaucoma e um câncer de próstata.
Como você virou músico e se interessou pela guitarra e o saxofone?
Cresci em uma parte remota de Sydney. Nós não tínhamos eletricidade e era uma longa estrada de terra até a cidade mais próxima. Quando eu tinha uns 10 anos, meu irmão mais velho estava saindo de casa e ele me deu um violãozinho velho. E eu realmente me apeguei ao violão e tocava junto com as músicas no rádio de que eu gostava. E então, talvez três ou quatro anos depois, eu conheci Tim Farris, o mais velho dos três irmãos do INXS, no ensino médio e formamos uma banda juntos. Eu era o cantor e o principal compositor. Terminamos o ensino médio, aquela banda meio que se desfez, e o INXS se formou. Depois, comecei a tocar saxofone um pouco antes de começarmos a gravar nosso primeiro disco. Comprei um saxofone porque nós tínhamos três guitarristas na banda, incluindo eu. E era demais às vezes, muitas guitarras.
Como ser uma banda da Austrália ajudou ou prejudicou o início da carreira?
Naquela época, antes da internet e dos celulares, a Austrália era muito isolada do resto do mundo. Você não sabia o que estava acontecendo no resto do mundo a não ser por um jornal, que até eles imprimirem qualquer notícia que fosse de outro lugar do mundo, já era notícia velha. Mas o que era bom para nós é que tínhamos uma cena de pubs florescente. E quase todo bar tinha uma banda tocando praticamente todas as noites da semana. Tivemos sorte de poder juntar nosso som e experimentar e tentar coisas diferentes, mas meio que fora dos olhos do mundo. Então, você podia aprimorar sua arte antes de ir para o grande mundo. Isso foi uma grande vantagem para nós. E também, criativamente, foi muito bom porque não fomos necessariamente influenciados pelo que acontecia no resto do mundo.
O que se lembra da primeira visita ao Brasil para o show no Rock in Rio, em 1991?
Eu me lembro que não nos era permitido sair do hotel porque havia muitos fãs. Mas isso não era só para nós, já que todas as bandas ficavam no mesmo hotel em Ipanema. Ficamos meio que trancados em nossos quartos, o que foi chato porque queríamos sair e ver como era o Rio. Isso foi um pouco difícil. Mas, claro, o show foi fantástico. Tivemos a sorte de ser a principal atração.
Sobre os 40 anos de 'Listen Like Thieves', como esse álbum se destaca na discografia do INXS e como ele ajudou vocês a evoluírem musicalmente?
Ao conseguir um produtor realmente conhecido como Chris Thomas, acreditamos que estávamos fazendo algo bastante especial e que se sustentaria ao redor do mundo. Sentimos que este álbum estava voltando ao som do INXS e esperávamos que fosse nos levar mais adiante em nossa carreira. E, claro, foi o que aconteceu, especialmente com a música What You Need.
Esta nova edição é remasterizada pelo Giles Martin. Ficou impressionado com o que ele fez com o catálogo dos Beatles?
Sim. Há muito tempo, em Las Vegas, fui assistir a Love, do Cirque du Soleil. E Giles tinha feito as mixagens de todas as faixas dos Beatles. Foi incrível ver como as músicas eram cruas sem toda aquela parafernália que eles colocavam por cima. Não sei como ele fez aquilo. Mas nós conhecemos o Giles há bastante tempo, fizemos um show especial no Japão, junto com George Martin. Foi lá que nós nos conhecemos e realmente nos demos bem. Ele é fabuloso.
Há alguma história sobre o Michael que você possa compartilhar que ilustre quem ele era como artista e como pessoa?
Havia tanto nele, realmente. Você não nasce uma estrela do rock, você meio que se desenvolve, cresce nisso. Mas acho que os melhores intérpretes e estrelas do rock têm algo. Algum tipo de carisma ou fator X. Michael definitivamente tinha isso. Muitas pessoas achavam que ele era distante às vezes, mas na verdade ele era bastante tímido.
Você sentiu que ele estava em uma má fase nas suas últimas conversas com ele?
Não, absolutamente o oposto, porque ele estava hospedado em um hotel perto de onde eu morava e, em várias manhãs, eu ia buscá-lo e dirigíamos juntos. Ele estava num estado positivo. Então, quem sabe o que aconteceu naquela noite? Nunca saberemos. Eu só sei que sempre sentiremos falta dele.
E como essa tragédia e todos os obstáculos que você teve na sua vida, seus problemas de saúde, mudaram sua percepção da vida?
Você começa a aprender que não é imortal e vai morrer em algum momento. Acho que a principal lição disso é apenas aproveitar cada momento. E Michael era muito bom nisso. Ele saboreava tudo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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