Influencer cristã Thais Nunes fala sobre o vício em pornografia entre mulheres
Na tradição cristã, o consumo de pornografia é amplamente reconhecido como pecado
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"Eu vou me abrir aqui porque sei que isso ajuda muitas pessoas que me acompanham e tudo mais. Eu já fui viciada em pornografia, você acredita?". Foi assim que a influenciadora cristã Thais Nunes revelou, em uma live com o youtuber Felca, sua experiência com o consumo compulsivo de pornografia desde os 12 anos. A declaração, feita em tom de confissão, viralizou entre evangélicos nas redes sociais e levantou uma discussão pouco explorada: o vício em pornografia entre mulheres cristãs.
No relato, Thais reconhece que o tema é amplamente associado aos homens, mas afirmou ser também um problema recorrente entre mulheres. "No meio das mulheres isso é pouco comentado e é [algo] que acontece muito", disse. Para ela, a superação do vício foi possível não por força própria, mas pela fé.
"A gente tenta vencer o vício da pornografia pelas nossas próprias forças, pelo nosso próprio braço e sozinha a gente não consegue. É pura graça do senhor mesmo, e não é o maior pecado como eu comentei, todos são pecados, mas é algo que a gente consegue vencer em Cristo Jesus", disse Thais Nunes.
A VISÃO TEOLÓGICA: PECADO, IDOLATRIA E REDENÇÃO POSSÍVEL
Na tradição cristã, o consumo de pornografia é amplamente reconhecido como pecado. Mas, para Sinvaldo Queiroz, pastor da Igreja Batista da Cidade, em Vitória da Conquista (BA), é preciso avançar no entendimento sobre o que isso significa e como as igrejas lidam com o assunto.
"Geralmente, a teologia tradicional tende a olhar para o consumo da pornografia e tão somente pontuar que é pecado, que não agrada a Deus. No entanto, a gente acaba não percebendo quais são os caminhos de redenção e as possibilidades de acolhimento", disse Sinvaldo Queiroz.
Para ele, é fundamental que a fé cristã faça parte da resposta, não a partir do moralismo, mas da graça e do cuidado. "Precisamos de comunidades cristãs que abordem esses temas para além do viés do julgamento, promovendo o acolhimento do ser humano que necessita de espaços de vida, de redenção e de elaboração da própria história."
Combinando suas formações como mestre em Teologia e psicólogo, ele afirma que a pornografia pode ser vista como uma forma de idolatria e alerta para os riscos desse consumo desde a adolescência: "A prática pornográfica gera impactos neuroquímicos no organismo semelhantes aos causados por vícios em substâncias psicoativas."
Embora o consumo entre mulheres seja estatisticamente menor, o pastor aponta barreiras culturais e religiosas que inibem o debate. "Num país marcado pelo machismo, pelo patriarcalismo e por um equívoco teológico que inferioriza a mulher, ela acaba não encontrando espaços de autoconhecimento, de vivência do prazer, de desfrute dessa dimensão da vida que é a sexualidade, tão sagrada, tão bela, tão especial."
Sinvaldo defende que o discurso sobre o pecado seja sempre acompanhado de esperança. "Que ele não gere culpa, sofrimento psíquico ou autoisolamento, mas seja seguido de uma mensagem redentora do evangelho, da graça de Deus e do acolhimento."
Para ele, o papel da igreja é claro: "A igreja deve ser a comunidade da fala, da escuta, do acolhimento e da indicação de caminhos de vida, de humanização, do que poderíamos chamar de santificação."
Ele ainda alerta para a dimensão social e estrutural do problema: "A pornografia, em muitos casos, não é apenas pecado. Ela também é crime. A cada oito minutos, uma criança ou adolescente é vítima de abuso, ou exploração sexual. E a pornografia, de algum modo, é essa porta de entrada."
O QUE A PSIQUIATRIA DIZ SOBRE PORNOGRAFIA E DEPENDÊNCIA
O psiquiatra e professor da UFPR, Thiago Henrique Roza, explica que o termo "vício" é evitado por carregar uma conotação moral e estigmatizante. "O termo vício é bastante problemático, porque remete à ideia de que as dependências seriam falhas ou fracassos morais, o que a gente sabe que não é o caso. Existe um mecanismo de dificuldade de autocontrole e de interrupção do comportamento."
Ele explica que o uso problemático de pornografia é uma síndrome reconhecida e que, em alguns casos, se enquadra no transtorno do comportamento sexual compulsivo, já classificado na CID-11 — a nova edição da Classificação Internacional de Doenças. Segundo Roza, "muitos indivíduos que fazem uso crônico e recorrente de pornografia apresentam prejuízos e sintomas clinicamente significativos: sofrimento, disfunções e uma série de impactos associados."
O médico relata que, entre os efeitos mais comuns, estão disfunções sexuais como disfunção erétil, ejaculação precoce e baixa libido com parceiros reais. E, embora nem todos os usuários de pornografia apresentem sintomas, há um percentual significativo que sofre impactos importantes, especialmente quando o comportamento se torna crônico.
Roza também chama a atenção para o início precoce do contato com esse tipo de conteúdo, que, segundo ele, começa ainda na infância e no início da adolescência. "O uso problemático se desenvolve com a cronicidade e a repetição do comportamento", afirma.
A questão moral e religiosa pode acentuar o sofrimento.
"A incongruência moral gera muito sofrimento, por exemplo, entre os valores morais e religiosos do indivíduo e o consumo, em si, de material sexualmente explícito. Isso pode causar ansiedade, sintomas depressivos, entre outras repercussões na saúde mental", disse Thiago Henrique Roza, psiquiatra e professor da UFPR.
Segundo o especialista, há formas eficazes de tratamento. "Existem abordagens psicológicas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a Terapia de Aceitação e Compromisso, além de tratamento farmacológico com o uso da naltrexona. Também há estratégias psicossociais, como o uso de bloqueadores de conteúdo sexualmente explícito, prática de atividade física e planejamento de rotina." Roza destaca que a combinação dessas abordagens tende a ser a mais eficaz.
As redes sociais, por sua vez, exercem um duplo papel. "Elas podem ajudar muito na conscientização do problema, mas também são parte dele, porque o 'soft porn' é extremamente presente em plataformas como o Instagram", conclui.
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