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Alerta sobre os Yanomamis é o samba do ano

Acadêmicos do Salgueiro tem a obra-prima do Carnaval do Rio em 2024


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“Este é o maior espetáculo audiovisual do planeta”, vocifera o lendário cantor Neguinho da Beija-Flor na canção de sua escola para 2024. Não é só ele quem diz: mundo afora, o show da Sapucaí é conhecido como o maior da Terra e chama a atenção de milhares de estrangeiros que vêm todos os anos ao Brasil conferir de perto.

Na rua, admitamos, a alegria se dá mais pela farra, diferentemente do que é apresentado nas avenidas do samba. E, neste ano no Rio, a canção que mais chama a atenção vai no sentido oposto ao da alegria. Ela é um alerta para a realidade vivida pelo povo Yanomami, sob o nariz dos governantes que há décadas são negligentes com o problema.

O Carnaval não é só bagunça. As escolas de samba provam isto este ano, com seu lado político e cultural. Não é preciso pular e nem entrar em bebedeira para apreciar a grande festa das comunidades, seja no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, em São Paulo, ou nas milhares de cidades mundo afora aonde o samba deixa sua marca.

A literatura é outro ponto de destaque, presente naquele que musicalmente soa como o hino mais belo deste ano, tratando do livro “Um Defeito de Cor”.

Mas a festa também está presente, há temas mais amenos. No pódio dos melhores de 2024, figura em terceiro lugar uma homenagem àquela fruta brasileira da qual se aprecia até a castanha. A canção joga o astral lá para cima e só dá vontade mesmo é de pular de alegria. E aí até provar um pouco “da batida mais quente”, como cita a letra.

Bem, deixo claro que os comentários aqui são de um ouvinte que não espera antecipar notas de jurados. Dentro do que chamam de “bolha do carnaval”, não faltam “especialistas” em fóruns e grupos de WhatsApp para fazer isso. Aqui, a impressão é como as canções se caracterizam musicalmente. E é apenas uma opinião.

Mas, como ninguém é de ferro, também há uns pitacos sobre possíveis impressões na hora H na avenida. E a divisão das obras ficou assim:

Acadêmicos do Salgueiro, Portela e Mocidade Independente têm os melhores sambas do ano

Unidos do Viradouro e Unidos de Vila Isabel estão ali no mesmo patamar

Porto da Pedra, Estação Primeira de Mangueira e Beija-Flor de Nilópolis têm músicas, digamos, um pouco acima da média

Acadêmicos do Grande Rio, Paraíso do Tuiuti e Unidos da Tijuca batem na trave, mas estão aprovadas

E o mistério é a atual campeã do Carnaval. Só saberá o que penso quem chegar ao fim do texto. Boa sorte!

Acadêmicos do Salgueiro

Imagem ilustrativa da imagem Alerta sobre os 
Yanomamis é 
o samba do ano
Escultura revelada para o desfile do Salgueiro: homenagem e alerta para o risco da ação contra o povo indígena |  Foto: Instagram Salgueiro

Uma pancada na cabeça. Um tapa na cara. Um banho de água gelada às 4h30 da manhã. É mais ou menos por aí o sentimento ao ouvir o samba salgueirense deste ano.

Cheia de referências ao idioma do povo Yanomami muito bem colocadas em meio à Língua Portuguesa, com um tom ácido e crítico, mas com rimas sonoras, ricas e bem encaixadas, a letra impressiona e acerta uma verdadeira cacetada em todos os lados do espectro político.

Por um lado, chama aqueles que se entendem como “famílias de bem” de “Yoasi”, ou, na lenda yanomami, “os responsáveis pela morte do mundo”. Do outro, clama contra a hipocrisia dos que dizem se importar com o sofrimento do povo indígena, mas que, na verdade, fazem uso dele para mera promoção pessoal.

Ainda bate no patriotismo daqueles que ignoram o passado desta terra, avisando, em primeira pessoa, que “não queremos sua ordem, nem o seu progresso”. E previamente faz constatar: “Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom”. A turma de verde-amarelo vai chiar? Provavelmente. Mas a arte, às vezes, serve mesmo é para incomodar.

E a letra vai além, aproveitando a rima: “Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom.” A citação é à dupla formada pelo indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, mortos em 2022, durante seus trabalhos junto às populações originárias do País, e mostra um Salgueiro antenado com a realidade.

Nada de bebedeira, nada de bagunça. Carnaval é coisa séria. “E a chance que nos resta é um Brasil Cocar”.

A turma antifolia ou os neófitos do Carnaval podem se perguntar como fazer a festa com uma retórica assim. É óbvio mencionar, mas necessário: a Beija-Flor, fez um dos maiores desfiles da história desse jeito, em 1989, e num passado mais recente, a Mangueira de 2019 foi campeã assim.

A melodia do Salgueiro acompanha o tom de urgência e destoa das canções do Carnaval do Rio de Janeiro de modo geral. Tem características claras de samba-enredo, mas com uma pegada fora dos clichês do gênero. Uma obra-prima. Tomo a liberdade de deixar meu palpite: para descontar ponto do samba, o jurado vai ter de ser muito criativo ao justificar.

Portela

Enredo da centenária escola tem como base o livro “Um Defeito de Cor”. Não tive o prazer de degustar as quase mil páginas escritas pela autora brasileira Ana Maria Gonçalves. Passei a conhecer a história graças ao samba — fica aqui um exemplo real do Carnaval ensinando e educando.

A narrativa é marcada pelo reencontro, décadas depois, de uma mãe sequestrada na África e escravizada no Brasil com o filho, vendido como escravo pelo próprio pai.

A personagem é a fictícia Kehinde, mas está ligada a uma personalidade histórica: Luiza Mahin, heroína no Levante dos Malês ocorrido em Salvador em 1835, mãe do poeta e advogado Luís Gama.

O livro, pelo que pesquisei, relata também as atrocidades da escravatura no Brasil. Já o samba foca mais na esperança e na superação: “Teu povo é livre! Teu filho venceu, mulher!”, conclui a letra, que faz ainda menção à realidade contemporânea, fruto da escravidão e sua desastrada política pós-abolição: “Nasci quilombo e cresci favela.”

A melodia é de intensa emoção, a mais bonita de 2024. O cantor Gilsinho incorpora esse espírito e explicita tal ternura em uma interpretação fantástica. Só não considero a obra a melhor do ano porque, diferentemente da do Salgueiro, ela traz naturais clichês de outros carnavais contemporâneos. Fora isso, é impossível criticá-la negativamente.

Mocidade Independente

A história do caju ganhou ar de festa em um sambão com jeitão de marchinha e repleta de frases com duplo sentido. Em “um delírio febril”, a Mocidade se diz “a cara do Brasil” no hit do Carnaval de 2024, que conseguiu a proeza de entrar para a lista das músicas mais ouvidas do País.

Difícil encontrar algo literal e sem margem para segundas interpretações nos versos de “Pede caju que dou, pé de caju que dá”, como se define o enredo da escola. A “delícia nativa onde eu possa pôr os dentes” e que traz “o puro suco do fruto do meu amor” soa sexy e divertido sem descambar para a vulgaridade.

Os fanáticos pelo Fla-Flu da política já até criaram um misto de paixão e ojeriza pelo “monumento para seu Luiz Inácio”, citado na canção. Na verdade, a passagem se refere ao responsável por plantar, em 1888, o maior cajueiro do planeta. O superpé de caju entrou até para o Guiness Book, com seus 9 mil metros quadrados. Fica em Parnamirim, no Rio Grande do Norte.

Com tom jocoso, a letra relata a exploração da riqueza brasileira pelos europeus, sem cair na crítica. E fala da influência da fruta na arte, citando a pintora Tarsila do Amaral e o francês Jean-Baptiste Debret, autor de uma obra com cajus. A homenagem ao europeu é tão cômica que fica até difícil de cantar sem soltar uma gargalhada: “Vai, Debret, chupa essa manga!”

Arriscaria que a canção, que tem entre os autores pelo menos um famoso — no caso, o global Marcelo Adnet —, vai cair no gosto popular mesmo depois da folia, por conseguir ir além do enredo, graças às bem sacadas “segundas intenções” da letra e à melodia bem bolada e alto astral.

Unidos do Viradouro

A serpente em forma de divindade é o tema central do samba da Viradouro para este ano. A cobra, animal tão essencial ao equilíbrio do ecossistema e incompreendido por parte da população, é adorada desde o Antigo Egito, o que se perpetua no Brasil, dentro do Candomblé.

Os autores conseguiram fazer de um tema sério uma canção para pular Carnaval. Com um astral contagiante, o refrão diz “Arroboboi, meu pai”, em saudação ao orixá Oxumarê, para pedir a proteção para “a vitória da Viradouro”.

Mesmo com linguagem afro, fica difícil não cantar junto os versos “Ê Alafiou, ê Alafiá / É o ninho da serpente, jamais tente afrontar”. Apesar do idioma diferente, o samba pega facilmente e gruda na cabeça feito um chiclete.

Digna de menção é a interpretação irretocável de Wander Pires, uma das mais belas vozes da história do Carnaval do Rio de Janeiro.

Unidos de Vila Isabel

Apelação! Em vez de abrir disputa de samba e selecionar um novo enredo, a Vila aproveitou um clássico de Martinho da Vila, vencedor do prêmio Estandarte de Ouro de 1993, como canção para este ano. A escola reedita “Gbalá, viagem ao templo da criação”, depois de bater na trave por vários anos consecutivos na busca pelo título com iniciativas inéditas.

O icônico autor introduz a nova gravação, feita na voz do cantor Tinga, e explica ao fim que “Gbalá é uma palavra africana, do idioma Iorubá, que significa salvar quem está em perigo”.

A letra soa como uma fábula de caráter religioso que narra uma humanidade perdendo seu propósito, mas abordando a esperança de um renascer com a força das crianças. A criatividade de Martinho nos premia com uma canção de tom lúdico e encantador, que deságua em um refrão cativante, cuja melodia cresce e emociona em sua repetição.

Não há o que criticar em Gbalá. Mas os temas contemporâneos abordados por outras escolas soam mais urgentes e reais em meio à inocência do enredo de 1993. Mas é uma delícia ouvir que “sete águas revelaram em sete cores que a beleza é a missão de todo artista”. Nota 10.

Unidos do Porto da Pedra

De volta ao Grupo Especial, a escola da cidade de São Gonçalo (na região metropolitana, mas fora da capital carioca) fala do Lunário Pérpetuo, um almanaque do século 16 que foi o livro mais lido na Região Nordeste do Brasil por dois séculos.

De melodia fácil, letra simples e com um refrão poderoso, o samba é a surpresa positiva do fim do álbum no formato streaming — como escola recém-alçada à elite do Carnaval, a Porto da Pedra aparece como última canção.

Para o ouvinte em geral, a música parece simples de cantar junto e, arrisco eu, pode dar certo na Sapucaí em meio aos componentes da escola e a parte do público, mesmo sendo a primeira apresentação de 2024.

Estação Primeira de Mangueira

Um dirigente da Portela disse, anos atrás, que “um samba-enredo é como um vinho”. Ou seja, pode maturar e envelhecer bem ou não. E a degustação vem mesmo é na avenida.

Eu preciso confessar que, na primeira vez em que ouvi o samba da Verde e Rosa para este ano, ainda nas seletivas, achei-o muito ruim. Na época, considerei-o sem graça, difícil e com pelo menos uma rima paupérrima.

Mas, após seu lançamento, algumas audições mudaram essa percepção: a canção passou a soar leve e saborosa. A letra se fixa na mente. “Levo a arte como dom, o Brasil em tom marrom que herdei de Alcione”, diz um dos melhores versos.

A Marrom, porém, merecia uma elaboração melhor na canção em sua homenagem, que tenta rimar “jazz” com “faz”, no que a escola acabou insistindo na gravação oficial. Prevejo penalidade na pontuação.

Beija-Flor de Nilópolis

“A Passarinha se dá bem com enredo CEP.” Esta foi uma das máximas mais lidas em meio aos comentários da “bolha do Carnaval” nos últimos meses. O termo se refere a homenagens a locais.

E a escola conseguiu um recorte interessante para fugir do lugar-comum em sua abordagem sobre Maceió: Rás Gonguila, ex-engraxate que se tornou o “rei do carnaval” na capital alagoana. Tratado como “um gênio sonhador” na canção, ele é descrito como um dos pioneiros na folia da cidade.

O refrão desafiador clama que “aqui é Beija-Flor, doa a quem doer”, fórmula já meio batida de fazer samba, mas funcional. Bom de ouvir, apesar de pouco original. Animadíssimo e bem sacado.

Deve pegar na Sapucaí, mas não está entre meus favoritos. Desta vez, Neguinho toca só a interpretação, sem Ludmilla se arriscando ao microfone.

Acadêmicos do Grande Rio

O hino sobre o livro “Meu Destino é ser Onça” começa bem e tem bons momentos, mas descamba em um refrão irritante em que se repete “Werá, werá auê, naurú werá, auê”. Honestamente, não dá vontade de ouvir.

Paraíso do Tuiuti

A história do militar João Cândido, o heroico Almirante Negro que comandou a Revolta da Chibata e pôs fim ao castigo físico impostos aos marinheiros negros, é o tema.

Cita a brilhante canção “Mestre-Sala dos Mares”, obra-prima de João Bosco e Aldir Blanc, mas sem se aproximar do mesmo brilho. Fica até a pergunta: não seria melhor regravar a versão original? Talvez não, já que há precedentes de clássicos da MPB que não funcionaram na avenida.

O samba da Tuiuti é agradável até a explosão do pré-refrão, que declama: “Salve o Almirante Negro / Que faz de um samba-enredo imortal.”

O problema é que, em seguida, o refrão parece enterrar a explosão, justamente no momento em que se espera uma catarse. Nem a impressionante voz do cantor Pixulé resolve o abacaxi. Honestamente, esta dá vontade de passar de faixa nos streamings.

Unidos da Tijuca

A escola faz uma brincadeirinha com o termo “conto de fadas”, que vira “Conto de Fados” no enredo que homenageia Portugal. Não é uma canção ruim, mas parece difícil de cantar e não chega a empolgar.

Imperatriz Leopoldinense

“Vai clarear, amanhecer um novo dia...” Ops! Parem, parem! Este é o samba da capixaba Independentes de São Torquato de 2020. Mas se parece muito com o da atual campeã do Carnaval do Rio de Janeiro. Que coisa!

A canção da Imperatriz traz versos e estilo muito semelhante ao já apresentado pela também capixaba Independentes de Boa Vista. Tendo a cultura cigana como tema, a octacampeã do Carnaval carioca apresenta um samba funcional e agradável, mas nada original. Vai pegar? Provavelmente. Pode tirar 10? Sim. Mas eu não sou obrigado a passar pano!

Para quem conhece a folia capixaba, soa estranho ouvir uma introdução idêntica à da clássica agremiação de Vila Velha. Ainda mais vindo da campeã do Carnaval. 

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Rafael Guzzo é editor Multimídia de Economia e Política da Rede Tribuna e folião apaixonado pela Mocidade Independente de Padre Miguel.

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