Segurança perde ação e vai pagar dívida com trabalho
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Um segurança, morador do Estado, vai ter que prestar serviços comunitários para pagar as custas de advogados dos ex-patrões após perder uma ação trabalhista contra uma casa noturna de Vitória.
A determinação foi resultado de um acordo firmado entre as partes que, segundo especialistas e advogados, pode ser inédito no País. O trabalhador entrou na Justiça solicitando o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa para a qual prestou serviços como segurança por quase quatro anos.
Entretanto, o juiz da 11ª Vara Trabalhista de Vitória decidiu que, pelas provas apresentadas, não foi constatado vínculo de emprego, mas somente prestação de serviço como autônomo.
Além de rejeitar o pedido do trabalhador, o juiz condenou-o a pagar ao escritório de advocacia da empresa 10% do valor solicitado, o equivalente a R$ 9.738.
A sentença baseou-se nas normas da reforma trabalhista promovida pelo governo de Michel Temer, que prevê que o trabalhador pode ter de arcar com os custos dos advogados da empresa, caso perca uma ação na Justiça do Trabalho.
Entretanto, o juiz suspendeu por dois anos a exigência de pagamento dos honorários por parte do trabalhador, após ele alegar que não teria condições de arcar com os valores. Segundo a reforma trabalhista, o credor somente pode exigir o pagamento se, após dois anos, deixar de existir a situação de insuficiência de recursos.
Após audiência na 11ª Vara do Trabalho, os credores e o trabalhador chegaram a um acordo para que a dívida fosse quitada por meio de serviço voluntário em uma instituição com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, na capital. A decisão do juiz data de 1º de julho.
Para o advogado especialista em Direito do Trabalho Guilherme Machado, o acordo acatado pela Justiça capixaba é incomum.
“É muito incomum. É a primeira vez que vejo um acordo do tipo que não é pecuniário (pago em dinheiro). Este tipo de acordo, com trabalho comunitário, está mais ligado à esfera criminal, onde são mais comuns. O que a legislação trabalhista define é somente o pagamento de 10 a 15% do valor da causa”, disse o advogado.
Ministério Público do Trabalho reagiu à decisão
O acordo para que um trabalhador pague o valor de honorários de advogados por meio de trabalho comunitário criou reações de instituições como o Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo (MPT-ES), que afirmou que a legislação trabalhista não traz nenhuma previsão deste tipo de entendimento.
A procuradora do MPT-ES e vice-titular regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete), Janine Milbratz Fiorot, afirmou que o órgão está estudando as medidas a serem tomadas em relação ao acordo incomum.
“O órgão ministerial já demonstrou sua irresignação no que tange ao acordo, considerando que o ordenamento jurídico trabalhista não prevê prestação de serviços comunitários como forma de quitação de pagamento de honorários advocatícios, sendo que a medida mais se assemelha a uma pena alternativa prevista no processo penal, o que, por certo, não tem aplicação analógica ao processo do trabalho”, afirmou a procuradora do MPT.
A Lei número 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, incluiu o artigo 791-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), estabelecendo a cobrança de honorários advocatícios sucumbenciais (honorários advocatícios) em todos os processos trabalhistas, atingindo empregados e empregadores.
O artigo determina que os honorários sejam fixados entre 5% e 15% do valor da causa, mas o trabalhador pode alegar insuficiência de recursos e a sentença somente pode ser executada se for comprovada a capacidade de pagamento.
Segundo o advogado Guilherme Machado, na prática, o dispositivo que prevê o pagamento dos honorários por conta do trabalhador não tem sido aplicado inteiramente, já que o juiz pode determinar o enquadramento dos casos na Justiça gratuita.
“Esse dispositivo, quando aprovado, havia freado muitas ações trabalhistas, as demandas passaram a ser conscientes. Mas essa parte da lei ficou inócua, pois encontrou essa barreira, então pouco a pouco as ações vão voltando”.
Entenda
O caso
- Um segurança entrou na Justiça do Trabalho solicitando o reconhecimento de vínculo empregatício com uma casa noturna de Vitória, para a qual prestou serviços entre 2014 e 2018.
- O juiz da 11ª Vara Trabalhista de Vitória entendeu que, de acordo com as provas produzidas, não havia habitualidade e subordinação entre o trabalhador e a empresa, inexistindo o vínculo empregatício.
- O juiz decidiu por rejeitar o pleito do reclamante e condená-lo ao pagamento de 10% do valor pedido (R$ 9.738), a título de honorários. O segurança chegou a recorrer ao TRT-17, mas a decisão foi mantida.
- O juiz decidiu suspender a execução até que se completassem dois anos do trânsito em julgado da sentença ou até que o credor pudesse demonstrar que o trabalhador teria condições de pagar a dívida.
Acordo
- O TRT-ES homologou um acordo entre as partes para que o reclamante quitasse o débito por meio da prestação de serviços sociais em uma entidade de assistência social.
- O juiz determinou que o segurança preste o serviço comunitário uma vez na semana, em uma instituição que promove atividades que colaboram com o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
- O acordo determina ainda que em caso de descumprimento, a execução da dívida voltará a correr no valor atualizado.
Reforma
- A possibilidade de que o trabalhador tenha de arcar com os honorários da parte vencedora foi introduzida pela Lei número 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, que incluiu o artigo 791-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
- O valor poderá ser fixado entre 5% e 15% do valor da causa, de acordo com decisão do juiz.
- Entretanto, o trabalhador pode alegar impossibilidade de pagamento, com a cobrança sendo suspensa por dois anos.
Condenação penal
- O Ministério Público do Trabalho afirmou não existir na legislação trabalhista a previsão de que uma dívida por honorários advocatícios seja paga por meio de trabalho voluntário.
- Este tipo de “pena” é comum em condenações da área penal, segundo o órgão.
- O MPT-ES afirmou que vai avaliar as medidas cabíveis frente ao acordo intermediado.
Fonte: TRT-ES e MPT-ES.
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