Nova lei vai limitar dívida e reduzir juros do cartão
Deputados aprovaram regra que proíbe banco de cobrar valor acima do dobro do débito original, além de impor redução no rotativo
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Foi aprovado ontem na Câmara dos Deputados o texto-base de uma nova lei que define que o limite para os juros do rotativo do cartão de crédito deve ser de até o dobro do débito original.
A proposta usa o mesmo parâmetro do modelo inglês, no qual a cobrança de juros não pode exceder o equivalente a 100% do montante original da dívida do cliente. Na prática, o valor a ser quitado pode ser no máximo duplicado.
A taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito subiu em julho para 445,7% ao ano, segundo dados do Banco Central divulgados na última segunda-feira.
O texto dá prazo de 90 dias para que as próprias instituições do sistema financeiro definam um patamar de juros para o rotativo e para o crédito parcelado.
A proposta, que foi aprovada pela Câmara e segue agora para ser votada no Senado, terá de ser homologada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Se o processo por autorregulação não funcionar, será aplicável um teto que limita a dívida ao dobro do montante original.
A proposta também deixa explícito que o crédito parcelado é a modalidade que se aplica sobre o financiamento da dívida do rotativo, no qual o saldo em atraso é dividido ao longo das próximas faturas do cartão.
A ideia é dissociar essa linha de crédito do parcelamento de compras sem juros, ponto central do conflito entre bancos e credenciadoras.
O texto ainda disciplina a portabilidade de crédito, que permite a transferência de uma dívida de uma instituição financeira para outra que ofereça melhores condições de pagamento.
A proposta não deixa claro se a medida terá efeito retroativo para quem já está com dívidas no rotativo, o que gerou divergências entre economistas procurados pela reportagem.
“É algo que ainda não foi divulgado, se valerá para dívidas já existentes, ou apenas para as que ocorrerem após a promulgação da lei”, diz o economista Jorge D'Ambrósio.
O texto do projeto inclui também as novas regras do programa de renegociação de dívidas do governo federal Desenrola Brasil.
Uso sem comprometer a renda
Com cinco cartões de crédito, o gerente comercial Edilson Intra Junior, 57 anos, garante que consegue controlar os gastos sem comprometer a renda ao final do mês.
Ele destaca que os cartões de crédito são necessários para complementar a renda diante de eventuais gastos. Um dos segredos, segundo ele, é parcelar as compras de duas a quatro vezes, no máximo.
Falando pelo lado do comércio, ele acha importante a renegociação de dívidas. No entanto, Edilson Junior é contrário à cobrança de juros para usar o rotativo.
“O cartão de crédito deve ser usado em casos de emergência, como para gastos com a saúde, alimentação, falta de dinheiro em determinado casos e não despesas supérfluas”.
Febraban reforça crítica a "limites artificiais"
Poucos minutos após a Câmara aprovar o projeto do Desenrola, que conta com uma cláusula estabelecendo um teto de 100% de juros no rotativo do cartão de crédito, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) reforçou seu posicionamento contra “limites artificiais”.
O relator do Desenrola, deputado Alencar Braga (PT-SP), incluiu no seu parecer sobre o programa uma emenda dando aos bancos 90 dias para apresentar uma proposta para redução dos juros do rotativo e a aprovar no Conselho Monetário Nacional (CMN).
Se isso não acontecer, as taxas serão estabelecidas em no máximo 100% do valor da dívida (ou seja, o cliente poderá pagar no máximo o dobro do débito original), ideia que agrada o governo. Não está claro, no entanto, sobre qual prazo os bancos poderão aplicar esses juros.
Logo depois da primeira manifestação, a Febraban reforçou posicionamento que já tinha publicado antes, afirmando que continuará envolvida nos debates com o governo e o Congresso para enfrentar o alto custo de crédito no País.
“Preocupa, entretanto, a adoção de limites oficiais de preços de qualquer espécie. Limites artificiais de juros impactam na oferta de crédito, pois carregam o risco de torná-lo não sustentável”.
Segundo a federação, tetos para os juros no rotativo podem tornar uma parcela relevante dos cartões de crédito inviáveis economicamente, afetando a disponibilidade de crédito na economia.
“Apesar de o tema ser muito complexo, estamos confiantes de que, nesse prazo de 90 dias, a indústria de cartões, juntamente ao governo e o regulador, terá sucesso em promover evoluções materiais no cartão de crédito”.
Procurada, a Federação do Comércio do Estado (Fecomércio-ES) informou, em nota, que “juntamente com a CNC, acompanha as discussões sobre o projeto. Mudanças precisam sempre ser avaliadas de forma criteriosa e dialogadas com toda a sociedade.”
Entenda
Taxa reduzida
O texto prevê uma taxa de juros máxima de 100% do valor original da dívida para o crédito rotativo e para o parcelamento de faturas de cartões de crédito e de outros instrumentos de pagamento pós-pago.
Hoje, a taxa cobrada no rotativo supera 445% ao ano. A medida será válida caso não seja apresentada uma autorregulação pelo setor financeiro em 90 dias, contados a partir da publicação da lei.
A batalha principal do setor bancário era justamente reduzir o parcelado sem juros, sob alegação de que assumem todo o risco da operação sem serem remunerados, enquanto outros agentes da cadeia, como as maquininhas, conseguem lucrar com a antecipação de recebíveis, por exemplo, sem nenhum risco.
Autorregulação
No âmbito da autorregulação, o novo parecer também incluiu um trecho que determina que os bancos têm de submeter ao Conselho Monetário Nacional (CMN) anualmente uma proposta para o teto de juros nas modalidades de rotativo e no parcelamento de faturas.
O rotativo do cartão é a modalidade de crédito que os clientes entram automaticamente ao não pagarem a totalidade da fatura do cartão. Hoje, depois de 30 dias no rotativo, os clientes são transferidos para o parcelamento com juros da conta.
Os juros do rotativo são os mais caros do mercado, com média de 446% ao ano, segundo os dados de julho do Banco Central. No parcelado, a média é de 198% ao ano no mesmo período.
Além disso, O texto aprovado estabelece que todos os instrumentos de pagamento pós-pago serão abrangidos pela medida de autorregulação do limite dos juros, a ser submetida à aprovação do conselho.
Portabilidade
O texto também prevê um mecanismo para incentivar a portabilidade do saldo devedor da fatura de cartão de crédito e de demais instrumentos de pagamento pós-pagos e de outras dívidas relacionadas, até mesmo aquelas já parceladas.
A portabilidade de dívidas do cartão de crédito já é possível, mas há entraves que a tornam pouco usada na prática pela população.
O Banco Central já está estudando maneiras de aprimorar o processo via Open Finance como parte das medidas que poderiam reduzir o custo do rotativo. O dispositivo aprovado no projeto de lei pode, porém, acelerar essa agenda.
Fonte: G1 e Folha de São Paulo.
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