Endividados por contar com o 14º salário do INSS
Congresso discute criar benefício, que pode não sair. Ainda assim, cerca de 230 mil já fizeram dívidas apostando que receberão o valor extra
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A proposta de pagamento do 14º salário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) surgiu da necessidade de compensar milhões de aposentados e pensionistas que já receberam o 13º e não vão ter mais esse benefício no final do ano.
Devido à pandemia, o governo antecipou o 13º. Neste ano, o pagamento foi efetuado em julho.
A questão é que mesmo sendo uma proposta, sem garantia de que vá vingar, muitos começaram a fazer dívidas e empréstimos contando com o 14º. O projeto prevê pagamento limitado ao valor de dois salários mínimos (R$ 2.200).
O Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos do Espírito Santo (Sindnapi-ES) estima que 40% dos 577 mil aposentados e pensionistas do Estado, ou seja, 230 mil, já fizeram dívidas esperando o dinheiro extra.
De acordo com o presidente do Sindnapi-ES, Jânio Araújo, há situações inusitadas que motivaram os gastos. “O pessoal está usando o dinheiro para comprar material de construção. Tem gente que adquiriu pacotes de viagem. Há quem tenha feito dívidas no cartão de crédito e até assumindo as despesas de filhos e netos”.
Além disso, há financeiras oferecendo “antecipação” do benefício.
“Aliado a essa ilusão de que o 14º vai sair, tem o assédio de financeiras que propõem empréstimos o tempo todo. É uma abordagem intensa que as financeiras fazem, mesmo com o bloqueio de números de telefone no site Não me Perturbe. Essas instituições são parceiras, mas, nesta situação, agir desta forma não é bom”, disse Jânio.
Tramitação
O 14º salário é previsto pelo Projeto de Lei 4367/20, de autoria do deputado Pompeo de Mattos, que já foi aprovado pelas comissão de Seguridade Social e Família e de Finanças e Tributação da Câmara.
A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Se aprovada, seguirá para o Senado. Para ser aprovado, precisa do voto favorável da maioria simples dos senadores, para então seguir para a sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro.
“Com a pandemia, o Brasil entrou em estado de emergência, e teve a aprovação do auxílio emergencial. Mas o que o aposentado recebeu? Nada. E, em função da pandemia, quem segurou as pontas em muitas casas foram os aposentados”, afirmou o deputado.
Tentação de antecipar o dinheiro

O aposentado João Carlos Barata, de 60 anos, está entre as pessoas que caíram na tentação, antecipando créditos do 14º. Ele contou que ficou sabendo que até o dia 31 deste mês o dinheiro seria pago.
“Recebi muitas mensagens no WhatsApp e vi vários anúncios na internet falando que iríamos receber o benefício. Acabei pegando R$ 400 emprestado com um amigo. Mas quando conversei com o pessoal do Sindnapi-ES, descobri que o projeto ainda está tramitando”, lamentou.
Ele explicou que, se o trabalhador mostra interesse, as financeiras pedem dados para simular o valor que pode ser adiantado. “Muita gente caiu nessa. Eles usam de má-fé com os idosos que estão precisando do benefício”.
Benefício tem tudo para não ser aprovado, alerta jurista
O panorama político e econômico do País não é dos melhores. Com isso, especialistas veem dificuldade na aprovação do 14º salário, já que isso traria custos ao governo federal, que já tem dificuldades fiscais e se empenha em um novo programa social, o Auxílio Brasil.
O advogado especialista em Direito Previdenciário João Eugênio Modenese afirmou que é remota a possibilidade de aprovação do benefício.
Advogada previdenciarista Renata Prado Almeida também não acredita que o 14º salário seja aprovado.
“Com a adoção do Auxílio Brasil, dificilmente isso aconteça. O governo federal precisou aprovar a PEC dos Precatórios para viabilizar recursos. Além disso, não tem sentido fazer uma reforma para reduzir valor de benefício e incluir um 14º. Qual o sentido de uma redução e uma inclusão de mais um benefício? É contra tudo o que o governo federal tem feito”, avaliou a advogada.
Oferecer antecipação do valor é crime
Projeto
O que é o 14º salário?
É o pagamento em dobro do 13º salário devido aos segurados e dependentes do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O projeto prevê o pagamento do 14º limitado ao valor de dois salários mínimos (R$ 2.200).
O 14º salário a ser pago dependerá do valor recebido pelo aposentado ou pensionista. Aposentado ou pensionista que recebe um salário mínimo de benefício terá direito a um 14º salário de igual valor.
Aposentado e pensionista cujo benefício seja superior a um salário mínimo receberá 14º salário equivalente a um salário mínimo acrescido de uma parcela proporcional à diferença entre o salário mínimo e o teto do INSS (hoje em R$ 6.433,57). O valor total não pode passar de dois salários mínimos (R$ 2.200).
Quando o valor seria pago?
Se aprovados, os pagamentos de 2020 e 2021 devem ser efetuados em março de 2022 e de 2023, respectivamente. O benefício não será permanente, se aprovado.
O que falta para o projeto do 14º ser aprovado?
O benefício já foi aprovado pelas comissões de Seguridade Social e Família e de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. A proposta ainda será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Se aprovada, seguirá para o Senado. Para ser aprovado, o projeto necessita do voto favorável da maioria simples dos senadores, para então seguir para a sanção ou veto presidencial.
Direitos
Oferecer antecipação de algo que não existe, como o 14º, é crime?
Sim. Caso seja solicitada alguma vantagem indevida antes da oferta da antecipação dos recebíveis, poderá caracterizar o crime de estelionato contra o idoso.
Em caso de configuração do crime de estelionato contra o idoso, a pena é de 1 a 5 anos de reclusão, além de multa.
O que os aposentados e pensionistas podem fazer se tiverem caído?
O idoso, nesta situação, deverá procurar delegacia de polícia responsável para investigar o caso e identificar os criminosos.
Quais seus direitos? Podem receber indenização?
poderá ser indenizado no valor em que desembolsou ao criminoso, além de possível dano moral.
É preciso acionar a Justiça?
Não há necessidade de contratação de advogado para a demanda, uma vez que neste caso quem promove a ação penal é o próprio Ministério Público, podendo o idoso procurar a delegacia de polícia responsável ou diretamente o MP.
Ação do consumidor
Em ações que têm como base os direitos do consumidor, é possível alegar, em casos de “antecipação” do 14º, “indução de erro substancial”, que resulta na anulação dos contratos de empréstimos firmados.
O consumidor deve documentar todo o procedimento (mensagens e ligações, por exemplo), que comprovam a abordagem da instituição que ofereceu empréstimo. Depois, deve buscar o Juizado Especial. Se o valor for de até 20 salários mínimos (R$ 22 mil), a ação é movida no Juizado Especial, sem a necessidade de advogado. Entre 20 e 40 salários mínimos, também é no Juizado Especial, mas com presença de um advogado. A partir de 41 salários mínimos (R$ 45.100), o processo deve ser na Justiça Comum, com auxílio de advogado.
O Procon Estadual foi procurado, mas não respondeu até o fechamento desta edição.
Fonte: Luís Costa, advogado especialista em Direito do Consumidor, e André Rocha, advogado criminalista.
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