Assinatura falsa e assédio a idosos pelo telefone na “farra do desconto”
Aposentados relatam falsificações e coerção ao telefone por um “sim” para a adesão a ter valores debitados da folha do INSS
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A ex-assessora parlamentar Patrícia Coimbra, 60 anos, identificou um desconto mensal indevido de R$ 76,86 em sua aposentadoria. O valor, disse ela, foi sem autorização para a Associação Beneficente Backmann Nacional (ABCB), uma das investigadas pela Polícia Federal (PF) por suposta fraude nos descontos de benefícios do INSS.
Ao recorrer à Justiça para reaver a quantia, Patrícia foi surpreendida com a apresentação, pela entidade, de um documento com assinatura digital atribuída a ela.
A rubrica — cursiva e digital —, no entanto, difere visivelmente da utilizada por ela em documentos oficiais. Mesmo com a divergência, o INSS validou o documento, permitindo o débito:
“A assinatura que apresentaram nada tem a ver com a minha. Não uso letra cursiva desde a adolescência e nem escrevo meu nome completo. Minha rubrica é composta pelas minhas iniciais”.
Para comprovar a suposta falsificação, Patrícia anexou à ação imagens de suas assinaturas reais, que contrastam com a do contrato apresentado pela ABCB. Agora, aguarda a decisão do juiz.
Outro caso envolve a psicóloga Líria Santos, 31 anos, que, ao consultar o extrato da aposentadoria da mãe, Almerinda dos Santos, 68, identificou um desconto mensal de R$ 60 destinado à Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) — também mencionada nas investigações da PF.
“Nunca autorizamos débito. Minha mãe não se lembra de ter contratado serviço ou associação. Não sabíamos nem como entrar em contato com essa entidade”.
A cobrança começou em junho de 2023 e foi encerrada em agosto de 2024, após o cancelamento via aplicativo Meu INSS. A família recorreu à Justiça e obteve decisão favorável. Mas, no processo, foi apresentada pela Ambec uma gravação telefônica em que Almerinda concordava supostamente com a adesão.
“A mulher do telefone já tinha todos os dados da minha mãe: CPF, número do benefício, endereço. Só pedia confirmação. Quando minha mãe hesitava, eles a pressionavam e confundiam até que ela dissesse “sim”.
Segundo a psicóloga, a conversa foi conduzida em ritmo acelerado e com linguagem técnica, dificultando a compreensão.
“Foi uma coerção. Ela nem sabia do que se tratava”, afirma.
Mesmo diante da gravação, o juiz considerou inválida a suposta adesão e determinou o ressarcimento do valor descontado.
Irregularidade ajudou fila do INSS a disparar
Os descontos feitos de forma irregular em aposentadorias e pensões pagas pelo INSS, alvos de investigações da Polícia Federal (PF), prejudicaram não só idosos afetados diretamente em seus contracheques.
Relatório de auditoria interna do INSS diz que o trabalho para excluir essas deduções impactou a fila de requerimento da Previdência. As demandas relacionadas a esses casos representaram cerca de 16% do total de requerimentos tratados em uma central do órgão.
A apuração do INSS foi anexada à investigação da PF. Os relatórios da polícia apontam que o órgão ignorou alertas de autoridades e detalhes sobre o suposto esquema. O documento do INSS, produzido em 2024, diz que os descontos levaram a um aumento considerável no número de pedidos de bloqueio ou exclusão da cobrança de parcela do benefício.
Isso gerou mais trabalho aos servidores do INSS. Assim, é como se a exclusão dos descontos estivesse competindo com outras atividades do instituto. No período de janeiro a maio de 2024, o INSS recebeu 1.907.184 requerimentos relativos aos serviços “Excluir Mensalidade de Associação ou Sindicato no Benefício” e “Bloqueio e Desbloqueio de Mensalidade Associativa ou Sindicato”.
O relatório aponta que 1,1 milhão de requerimentos para exclusão representam 392,3 mil horas de trabalho de um servidor.
Outro dado revelado é que em 90,78% dos requerimentos de exclusão consta manifestação do beneficiário informando que não consentiu com o desconto. Portanto, 1 milhão dos pedidos de retirada das mensalidades “poderiam ter sido evitados se seu consentimento com o desconto associativo tivesse sido adequadamente colhido”, diz o instituto.
A auditoria do INSS assinala que, “em decorrência da fragilidade do processo e das consequentes irregularidades nos descontos”, a execução das atividades ligadas às deduções representou um aumento significativo na demanda atendida pelos servidores.
“Além disso, esse aumento de demanda impacta negativamente em todos os esforços que o INSS vem adotando para dar vazão à fila de requerimentos”, afirma o texto. A fila de espera do INSS fechou o ano de 2024 com 2,042 milhões de pedidos. Zerar a fila do órgão foi promessa de campanha do presidente Lula.
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