10 mil idosos podem deixar de receber Bolsa Família no ES com nova lei
Novas regras do BPC alteram cálculo da renda familiar, levando mais de 13 mil pessoas no Estado a terem um dos benefícios suspenso
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As novas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), estabelecidas pelo governo federal por meio de decreto, podem suspender o pagamento do Bolsa Família para cerca de 10 mil idosos no Espírito Santo.
Isso porque a mudança passou a incluir o valor do Bolsa Família no cálculo da renda familiar utilizada para a concessão do BPC, o que, em muitos casos, impede o acúmulo dos dois benefícios.
Com isso, quem opta por manter o BPC — que garante um salário mínimo mensal — poderá perder o direito ao Bolsa Família, como explica a advogada Renata Prado, especialista em Direito Previdenciário.
Atualmente, aproximadamente 110 mil pessoas recebem o BPC no Estado e, segundo estimativas do advogado previdenciarista João Eugênio Modenesi Filho, pelo menos 12% serão impactadas e perderão o Bolsa Família — o que equivale a 13,2 mil pessoas, sendo, desse total, cerca de 10 mil idosos.
Ele destacou que, antes, o Bolsa Família — recebido por cerca de 308 mil famílias no Estado — era excluído desse cálculo. “Agora, famílias que antes se enquadravam no critério de renda (até um quarto do salário mínimo por pessoa) podem ultrapassar esse limite com a inclusão do Bolsa Família, tornando-se inelegíveis ao BPC”.
“Isso pode levar à suspensão ou cancelamento do benefício, mesmo sem mudança na composição familiar ou na renda formal. Se uma família de quatro pessoas recebe R$ 600 de Bolsa Família e tem renda formal de R$ 1.000, a renda per capita agora será calculada como R$ 400 (R$ 1.600 ÷ 4), o que excede o limite de R$ 379,50 — um quarto do salário mínimo de R$ 1.518 em 2025”, exemplificou.
O advogado Thiago Caron, especialista em Direito Previdenciário e Trabalhista, ressaltou que antes o INSS precisava fazer uma revisão do BPC a cada dois anos. Agora, o decreto diz apenas que o benefício será revisado “periodicamente”.
“Isso dá mais liberdade ao INSS para escolher quando revisar, mas também pode deixar o beneficiário sem saber quando será chamado para atualizar informações. A dica é manter tudo sempre atualizado no CadÚnico e guardar documentos que provem a situação de necessidade”.
No seu entendimento, o decreto também melhora um ponto importante: o direito de defesa do beneficiário. “Antes, muita gente tinha o BPC cortado sem aviso prévio. Agora, o INSS precisa notificar o beneficiário antes de suspender ou cancelar o benefício. A pessoa vai ter um prazo para apresentar documentos e se defender”.
O que é BPC?
- O Benefício de Prestação Continuada ( BPC) é previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e é garantido a idosos com 65 anos ou mais e pessoas com deficiência de qualquer idade que comprovem impedimentos de longo prazo, aí considerado o impedimento maior de dois anos.
- Para receber o BPC, a renda familiar per capita (por pessoa da família) deve ser igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo – o que determinados como hipervulnerabilidade social.
Como fica?
- O novo decreto alterou diversas regras que constam no decreto 6.214/2007, que regulamenta o BPC, ou seja, o governo federal publicou o decreto nº 12.534/2025, que inclui o valor do Bolsa Família no cálculo da renda familiar bruta per capita para fins de concessão ou manutenção do BPC.
Algumas mudanças
- Inclusão de programas sociais e auxílios no cálculo da renda familiar;
- Revisão da obrigatoriedade de atualização do CadÚnico e da biometria;
- Fim do prazo fixo de revisão do benefício;
- Mudanças nas regras de notificação e defesa em caso de suspensão do BPC.
A principal mudança

Antes
- A regra dizia que os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e auxílios temporários, como o auxílio gás ou auxílios pagos em situações de emergência (como enchentes), não entravam na conta da renda.
Agora
- Com a nova regra, esses valores passam a ser somados para calcular se a família está ou não dentro do limite de 1/4 do salário mínimo por pessoa.
Exemplo 1
- Imagine uma família com 4 pessoas e uma renda de R$ 1.518,00 (um salário-mínimo). Dividindo por 4, temos R$ 379,50 por pessoa.
- Esse valor é exatamente o valor máximo per capta para recebimento do benefício.
- Antes, se essa família recebesse qualquer valor de Bolsa Família, esse valor não entrava na conta.
- Agora, ele entra, e a renda per capita vai ser superior a 1/4 do salário-mínimo, ultrapassando o limite, o que pode impedir a concessão ou a manutenção do benefício.
Exemplo 2
- Imagine uma família com seis pessoas e uma renda de R$ 1.518. Dividindo por 6, fica R$ 253 por pessoa.
- Esse valor está dentro dos parâmetros para recebimento do benefício.
- Antes, se essa família recebesse qualquer valor de Bolsa Família, esse valor não entrava na conta.
- Agora, o valor do bolsa família entra na conta. O valor médio recebido pelas famílias é de R$ 656. Nesse caso, a renda per capta passaria a ser de R$ 362, o que permite o recebimento do benefício.
O que diz o Ministério do Desenvolvimento Social
Em nota, o Ministério de Desenvolvimento Social explicou que "não haverá alteração nos benefícios recebidos pelos atuais beneficiários do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e do Bolsa Família em razão do Decreto nº 12.534/2025. O recebimento do Bolsa Família por uma família não suspende nem cancela o direito ao BPC, pois a legislação permite o acúmulo dos dois benefícios, desde que a renda familiar per capita não ultrapasse 1/4 do salário mínimo".
Ainda segundo o Ministério, as regras para cálculo da renda familiar, estabelecidas pela Lei nº 15.077/2024 e regulamentadas pelo Decreto nº 12.534/2025, mantêm as seguintes exclusões já previstas em lei: Bolsas de estágio supervisionado; Rendimentos de contrato de aprendizagem; Auxílios temporários ou indenizações por rompimento de barragens; BPC recebido por outro membro da família (idoso ou pessoa com deficiência); Benefício previdenciário de até um salário mínimo para idosos acima de 65 anos ou pessoas com deficiência; Auxílio-inclusão e remuneração vinculada a ele.
"O decreto não autoriza descontos sem base legal, apenas aplica as normas definidas em dezembro de 2024. O Governo Federal reafirma seu compromisso com a proteção social, garantindo que as famílias em vulnerabilidade continuem recebendo seus direitos sem interrupções", completa a nota.
Despesa pode chegar a R$ 1,5 trilhão, prevê o governo federal

O governo estima que as despesas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência, devem chegar a R$ 1,48 trilhão em 2060, considerando os dois grupos. Em 2026, o valor previsto é de R$ 133 bilhões.
Os dados constam da Avaliação da Situação Financeira e Atuarial dos Benefícios Assistenciais da LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), publicada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social como anexo da proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026.
A LDO dá as bases do Orçamento federal do ano que vem e inclui projeções de longo prazo.
Hoje, o BPC é pago a mais de 6,7 milhões de brasileiros, dos quais cerca de 2,7 milhões são idosos e 4 milhões pessoas com deficiência. Cada um recebe um salário mínimo por mês, independentemente de ter contribuído para a Previdência. O benefício é pago a quem comprovar renda familiar por pessoa de até um quarto do salário mínimo.
Em 2026, o gasto com idosos está estimado em R$ 54,7 bilhões, e com pessoas com deficiência, R$ 78,6 bilhões. Já em 2060, essas cifras devem atingir, respectivamente, R$ 830,3 bilhões e R$ 655,7 bilhões (somando R$ 1,48 trilhões).
O número de beneficiários idosos deve quase triplicar, passando de 2,7 milhões para 7,9 milhões, enquanto o de pessoas com deficiência deve subir para 6,2 milhões.
Segundo o ministério, o aumento reflete o envelhecimento da população, o crescimento demográfico e a persistência de fatores estruturais de vulnerabilidade, como informalidade no mercado de trabalho e pobreza extrema.
O economista Ricardo Paixão observa que outros setores que consomem grandes volumes do orçamento permanecem intocados, como incentivos fiscais a empresas, que somam cerca de R$ 800 bilhões, emendas parlamentares (cerca de R$ 70 bilhões) e gastos com as Forças Armadas (quase R$ 100 bilhões), considerados excessivos ao orçamento do País.
“O discurso de equilíbrio fiscal deve ser mais amplo, distribuindo os ajustes em diversas áreas e não penalizando os mais vulneráveis”.
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