Locação de imóvel via plataforma digital condiz com sua função social
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Viver em condomínio não é algo tão simples. Duas máximas se aplicam ao contexto: a primeira é voltada à aplicação das regras, isto é, aquilo que é "combinado não sairá caro" para nenhum condômino; a segunda se dirige ao modo de uso da propriedade, que deverá ser lícita e em observância aos direitos dos demais moradores do condomínio. Dito isso, agora, sim, podemos contextualizar a vida em condomínio, diante do recente entendimento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O caso em análise pelo STJ envolvia a análise do recurso de mãe e filho que buscavam reformar o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) no qual entendeu-se pelo dever de abstenção dos recorrentes na prática da locação, por meio do uso de plataforma digital, dos dois imóveis de propriedade dos recorrentes, atendendo ao pedido feito pelo condomínio.
O STJ decidiu que, caso a "convenção do condomínio preveja a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais".
A questão reacendeu o debate se a locação via plataforma digital deve ser enquadrada como hospedagem ou locação por temporada, bem como se pode o condomínio restringir a forma de fruição da propriedade pelos donos dos imóveis.
A identificação da natureza da locação foi apurada na apreciação do caso, uma vez que os julgadores precisavam saber se o uso do imóvel era residencial ou não residencial. O entendimento da corte foi de que o uso era não residencial.
Diante disso, a opção do Superior Tribunal de Justiça foi pela restrição da propriedade, pois, segundo a convenção condominial apreciada no processo, a destinação dos imóveis deveria ser exclusivamente residencial.
Parece que o caminho percorrido na construção das ideias, que resultou na restrição da propriedade dos recorrentes, desconsiderou aquela primeira máxima, a importância de se perquirir as regras previamente estabelecidas entre condôminos nas normas que regem a relação condominial. A objeção que precisa ser colocada é que a convenção não impedia a locação por meio da plataforma digital e, ao nosso ver, apenas quando a norma condominial for expressa nesse sentido é que poderá ocorrer delimitação da propriedade dos locadores.
Não parece razoável utilizar a destinação dos imóveis prevista na convenção como um critério para frear o uso da propriedade e a exploração econômica do bem pelos proprietários. Vamos imaginar o seguinte desdobramento da situação: se um proprietário alugar o seu imóvel por 90 dias para determinada pessoa sem utilizar a plataforma digital, e especificar que o uso do imóvel é residencial para obter seus rendimentos esperados, pela manifestação do entendimento do STJ ele estaria agindo corretamente. Mas, em outra ótica, se outro proprietário fizer o uso do aplicativo, alugando o imóvel nas mesmas condições, estaria ele proibido de praticar a locação?
Muito bem ponderou o ministro Luis Felipe Salomão, voto vencido no julgamento, que considerou: "É ilícita a prática de privar o condômino do regular exercício de direito de propriedade em sua vertente de exploração econômica". Concordamos com o ministro nesse ponto. O uso da propriedade, de forma lícita e sem prejudicar terceiros, está condizente com a sua função social e, assim sendo, pode-se concluir pela possibilidade de uso econômico do imóvel.
Autora: Bruna Lyra Duque é doutora em Direito, professora de Direito Civil da graduação e da pós-graduação lato sensu da FDV e advogada.
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