Tributo apropriado para o livro
O Dia Mundial do Livro é comemorado anualmente em 23 de abril com a finalidade de estimular a leitura, despertar o seu prazer e destacar a sua importância. Mas, neste ano de 2021, a data vem acompanhada de uma polêmica em torno da tributação dos livros.
A reforma tributária proposta pelo governo federal prevê a criação da Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços (CBS) com uma alíquota de 12%, em substituição à COFINS e ao PIS/PASEP, que atualmente têm alíquota zerada.
A Constituição de 1988 estabelece que é vedado instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. Com o passar dos anos e as transformações tecnológicas, o Supremo Tribunal Federal decidiu que essa imunidade tributária também se aplica aos livros eletrônicos (e-books), bem como aos aparelhos leitores (e-readers) destinados exclusivamente para este fim.
Os livros já possuem imunidade tributária desde a Constituição de 1946, o que é atribuído a Jorge Amado, escritor e deputado constituinte à época. A lógica envolvida é que, quanto menos tributos, mais barato o livro.
Embora a CBS seja uma contribuição social, e não um imposto, vale dizer que as imunidades tributárias refletem a proteção da liberdade de acesso a fontes de informação, à educação e à cultura, que integram a formação integral do ser humano. Quando se onera em demasia o acesso ao livro, atenta-se contra essas liberdades, porque não se restringe apenas a circulação do livro, mas também seu conteúdo, ideias, expressões do pensamento, manifestações culturais, etc.
Desde 2004, a Lei nº 10.865 reduziu a zero as alíquotas da COFINS e da contribuição para o PIS/PASEP incidentes sobre a receita da venda de livros, assim como sua importação. A elevação da alíquota correspondente, agora sob o nome de CBS, representa um grande retrocesso à afirmação de direitos fundamentais já concretizados pela legislação.
Um dos argumentos utilizados pelos apoiadores da proposta é que a última pesquisa de orçamentos familiares do IBGE apontou que as famílias com renda de até dois salários-mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte destes livros é consumida pelas famílias com renda superior a dez salários.
Levando em conta que o salário-mínimo deve atender a gastos com educação, além das outras necessidades básicas do trabalhador, há algo errado em um país quando apenas poucas pessoas podem comprar livros.
Os livros já são muito caros no Brasil, mesmo sem esse aumento na tributação. As políticas públicas precisam tornar os livros mais acessíveis, seja com compras, seja com compartilhamentos, tanto em suas versões físicas quanto em suas versões digitais, e assegurar o pluralismo.
Uma consequência nefasta de uma tributação injusta é a extinção de pequenas e médias editoras e livrarias. O livro está na base da formação da cidadania e o seu acesso deve ser pensado como um direito fundamental.
Por isso, o tributo mais apropriado para o livro é a nossa homenagem pelo seu papel transformador, tão bem expressado nas palavras de Mário Quintana: “Os livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”.
Adriano Sant’Ana Pedra é pós-doutor em Direito pela Universidade de Coimbra e professor da Faculdade de Direito de Vitória.