Saneamento também é uma questão de gênero
É necessário observar que uma em cada quatro mulheres no Brasil não possuem acesso a água tratada
O Brasil comemora dois anos do Novo Marco Legal do Saneamento (Lei n°14.026/20), que contribui como base legal para incentivar investimentos do setor e aumentar a oferta de serviços à população, busca alcançar os índices satisfatórios de desenvolvimento que o País tanto almeja e que passa pela universalização do acesso ao saneamento básico.
Embora um recente estudo publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pela revista The Economist indique o Brasil como o melhor ambiente para as parcerias público-privadas na América Latina, os avanços nas metas propostas têm se mostrado aquém das expectativas, considerando que atualmente quase 35 milhões de pessoas não tem acesso à água tratada e 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto, segundo o Instituto Trata Brasil.
Os impactos negativos pela ausência do saneamento acentuam a desigualdade de gênero, que está presente em todas as fases da vida da mulher. É necessário observar que uma em cada quatro mulheres no Brasil não possuem acesso a água tratada ou não é abastecida com regularidade. Um estudo, também realizado pelo Instituto Trata Brasil, demonstrou que 38,2% de brasileiras residem em casa sem coleta de esgoto e 2,5 milhões não possuem banheiro em suas residências. Nas regiões Norte e Nordeste uma em cada duas mulheres não recebe água tratada.
Embora o acesso à água e esgoto tratado seja considerado um direito humano reconhecido há várias décadas, apenas em 2016 iniciou-se um debate global da relação direta da ausência desses serviços com a igualdade de gênero. Segundo a ONU, as mulheres desempenham três vezes mais trabalhos não remunerados (domésticos e de cuidados) do que os homens e quando os membros da família adoecem, estão mais propensas a deixar de desempenhar suas atividades laborais. Como resultado do precário do saneamento e do papel que desempenham por questões associadas a costumes e estereótipos, as mulheres possuem um maior contato físico com água contaminada e dejetos humanos, o que eleva as ocorrências de doenças por veiculação hídrica.
Assim, o saneamento básico inadequado afeta de forma mais intensa a vida das mulheres, além de questões práticas com o cuidado pessoal, que também tem como base o conceito de pobreza menstrual, definida como a falta de condições materiais e sanitárias para a realização da higiene pessoal durante o período menstrual, o que também acentua as doenças ginecológicas. Além da saúde, os fatores citados afetam a produtividade das mulheres em suas atividades econômicas e educacionais, proporcionando atrasos escolares, diminuição na renda e ausência nas atividades laborais.
Dessa forma, a universalização do saneamento no Brasil tiraria 18,4 milhões de brasileiras da pobreza e injetaria R$13,5 bilhões na economia. O acesso ao saneamento básico, além de uma questão latente para o desenvolvimento humano e econômico, é um item relevante para a diminuição da desigualdade de gênero.
Luana Romero é administradora e diretora-executiva no IDEIAS.