As muralhas
Coluna foi publicada no domingo (29)
No ano 122 o Império Romano decidiu isolar do mundo civilizado os pictos, que viviam ao norte da Inglaterra. Assim, por ordem do Imperador Adriano, foi construída uma muralha de uns 117 quilômetros de extensão, 4,5 metros de altura e 2,4 metros de largura.
Na Índia, nos idos de 1443, Rana Kumbha determinou a construção da muralha de Kumbhalgarh. Com 36 quilômetros de extensão, esta obra serviria como proteção frente aos povos incultos que então percorriam aquela região.
Não podemos nos esquecer, evidentemente, da Grande Muralha da China. Segundo consta, sua construção foi iniciada no ano 7 antes de Cristo. O incrível foi a extensão que alcançou: mais de 20 mil quilômetros, através de montanhas, desertos e rios.
Tempos bárbaros, aqueles! Do lado de cá a civilização e a riqueza, em contraste com a ignorância e a ganância dos que viviam do lado de lá – o resto do mundo. Mas dizem que, de lá para cá, a humanidade evoluiu.
Sou forçado a concordar: realmente a humanidade encontra-se, hoje, em um estágio mais avançado - na construção de muralhas, claro! Começo pela que construíram na fronteira entre os Estados Unidos da América e o México: são três barreiras de contenção equipadas com sensores eletrônicos e sistemas de visão noturna. Em Tijuana, México, três mil cruzes simbolizam os imigrantes que faleceram tentando cruzar a fronteira.
Há ainda a grande muralha que separa Israel dos palestinos - são cerca de 700 quilômetros de extensão, com uma zona de exclusão de 60 metros ao redor. Em alguns trechos ela alcança oito metros de altura. Enquanto isso, na Grécia projeta-se a construção de um muro de 12,5 quilômetros para frear o fluxo contínuo de imigrantes asiáticos e africanos.
Não nos esqueçamos de Melilla, cidade espanhola encravada na África, cercada por uma muralha de 12 quilômetros, um fosso de três metros de profundidade e reforçada por sistemas eletrônicos de última geração.
Por falta de espaço encerro aqui – afinal, a verdade é que nunca a humanidade teve diante de si tantas muralhas e barreiras! Ora isolando povos, ora países e até mesmo ricos de pobres dentro de uma mesma cidade, lá estão elas simbolizando o fracasso desta globalização tão cantada em prosa e verso!
O pecado maior desses muros, porém, tem sido separar os problemas de suas soluções. Varrê-los para debaixo de algum tapete. Tornar desagradável qualquer debate sobre “o lado de lá”.
Há mendigos pela rua? Ao invés de terem sua miséria tratada, que sejam escondidos atrás de alguma parede, digo, muralha. Menores infratores? Ao invés de receberem, desde o nascimento, saúde, educação e segurança condignas, que sejam ocultados do lado de lá de algum muro. Favelados miseráveis? Ao invés de receberem condições humanas de vida, que fiquem por lá, isolados atrás das tantas barreiras invisíveis – e até mesmo visíveis – que temos construído. Enquanto isso, olhe para sua casa: protegida por muros, grades, alarmes etc., ela não se parece a cada dia mais com uma fortificação medieval?
