A revitalização
Leia a coluna do último domingo (08)
Imagine-se morando em bairro residencial decadente. As ruas cheias de buracos – assim como as calçadas – tornam perigoso o simples ato de caminhar. Os bens públicos, invariavelmente depredados, atraem o crime, assim como a paisagem tomada por pichações. As praças praticamente inutilizáveis viram dormitório público. E a criminalidade à solta, desafiando as leis.
Esse último aspecto é especialmente sério: os comerciantes até que tentam revitalizar o lugar, tornando-o mais atraente. Porém, esbarram nos rotineiros assaltos e violências de que são vítimas. Começam a proliferar as lojas fechadas e as placas de “aluga-se” ou “vende-se”.
Os moradores, seja por desânimo ou medo, estão a cada dia mais encarcerados, digo, recolhidos em suas casas – que não raramente são alvo de vandalismo ou roubos. Por conta da insegurança, as crianças dificilmente vão às pracinhas brincar e tomar sol – ora, que arrumem diversão outra!
Eis que noticia-se a revitalização daquela comunidade. Anuncia-se que o Estado por lá se fará presente. Poucos dias depois, divulga-se a primeira ação concreta: uma festa! Não se sabe bem o que há a se comemorar, mas… e daí? Pão já não se pode distribuir, mas reste pelo menos o circo!
Começa o evento. Ao longo de um final de semana, as ruas permanecem intransitáveis por conta das comemorações, seja lá do que for. Os moradores que cuidem de naqueles dias não sofrerem nenhum derrame ou infarto, sob pena de não chegarem a tempo ao hospital por conta dos bloqueios e desvios impostos para a realização da festa. Já soube de gente que morreu por causa disso.
Em função da baixa disponibilidade de banheiros públicos quem mora por lá tem que conviver com a cena deplorável de muros, portas e árvores serem utilizadas em substituição – assim como as praças são convocadas a fazerem as vezes de motel. No dia seguinte, as ruas e calçadas amanhecem em estado deplorável, repletas de cacos de vidro e dejetos. Todos testemunham os inevitáveis acidentes que ferem, aleijam e até matam.
Porém, mais há: não poucos comerciantes e moradores deparam-se com fachadas e portas vandalizadas, quando não arrombadas. A quem reclamar? À própria administração que promoveu o evento? Ao Bispo? Não, não há a quem reclamar. A saída, afinal, talvez seja amargar um processo!
Enquanto isso mais recursos públicos vão sendo empregados na restauração do cenário depredado durante o evento – gramados, luminárias, monumentos, placas de sinalização, pavimentação etc.
Eventos públicos são importantes, desde que realizados nos locais corretos. Não sejam, porém, impostos em bairros residenciais densamente povoados e tratados como parte de processos de revitalização – eis aí um grave ato de improbidade que já não engana a patuleia.
O fato é que nosso País ocupa 8.516.000 km – muito grande, pois. Assim, é difícil de entender o motivo de tantos eventos acontecerem em apertadas ruas residenciais, para desespero dos pais, doentes, idosos etc. que ali habitam. Sim, mas… e a revitalização, afinal? Ora…