Uma guerra que será longa
Ataque de Israel ao Irã reacende tensão global e pode afetar economia mundial; conflito será tema-chave na cúpula do BRICS no Brasil em julho
Há anos Netanyahu planejava um ataque ao Irã. Não deixava de ter bons motivos para tanto. A constituição iraniana de 1979 não reconhece o Estado de Israel; o governo iraniano refere-se a Israel como “entidade sionista” e ao governo israelense como “regime ocupante de Jerusalém”. Além disso, o Irã financiava o Hamas, o Hezbollah e os houthis.
O ataque não era desferido, porém, por motivos igualmente ponderáveis. O Irã não é qualquer país. Embora não disponha dos recursos militares de Israel, mas tem uma tradição militar respeitável e forças armadas bem treinadas, haja vista a competência demonstrada no conflito com o Iraque. Sendo assim, uma guerra contra o Irã será presumivelmente longa, e Israel não poderia se arriscar em tal empreitada sem apoio dos EUA. Este apoio sempre foi garantido, mas sucessivos governos americanos punham um cabresto nos movimentos da linha dura de Israel, até porque precisavam manter, como guardiões da ordem internacional, um perfil de “honest broker” em negociações entre israelenses e árabes.
O que mudou e incentivou a audácia de Netanyahu? A primeira mudança derivou, decerto, da atitude de Donald Trump, muito mais leniente para com a belicosidade de Netanyahu. Outro estímulo seria a retomada do programa nuclear iraniano, que pode estar produzindo bombas atômicas. Os próprios iranianos comunicaram à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que estão enriquecendo urânio a 60%, nível muito próximo dos 90% exigidos para produzir armas nucleares.
A preocupação da comunidade internacional com o programa nuclear iraniano motivou o acordo atingido em 2015, em Viena, sede da AIEA. O Irã reduziria suas reservas e limitaria, por 15 anos, sua capacidade técnica de enriquecer urânio, e permitiria que inspetores da AIEA monitorassem suas instalações nucleares para garantir o cumprimento do acordo. Em troca, seriam suspensas as sanções econômicas importas por EUA e UE.
Em 2015, o presidente dos EUA era Barack Obama. Em 2018, Trump, em primeiro mandato, denunciou o acordo, em meio às costumeiras declarações de que Obama era incompetente etc. Reeleito, retomou negociações com Teerã e se aproximava de um acordo em termos muito semelhantes, o que pode ter sido considerado ameaçador pela extrema direita israelense.
O principal objetivo político de Netanyahu é manter-se no poder, e isso não é uma tarefa trivial. No dia 12 de junho, ele sobreviveu a uma tentativa da oposição de dissolver o governo e convocar novas eleições. A moção foi derrotada por 61 votos a 53. Sem o apoio da ultradireita, a oposição triunfaria.
Trump não pode admitir que foi surpreendido pelo aliado, mas são muitos os indícios de que foi. Agora, não tem opção senão dar apoio a Israel, pois a opinião pública e o lobby judeu não admitiriam outra hipótese. Mas, aquele que foi eleito para “acabar com todas as guerras” há de gostar de ser empurrado para uma que estava publicamente empenhado em evitar. É de imaginar que, adiante, a sua relação com Netanyahu vai azedar. Por sua vez, o Irã e os países árabes decerto ficarão com dúvidas sobre a efetividade da liderança americana.
Netanyahu, por ora, ganhou sobrevida. As imagens da destruição em Gaza e as súplicas das famílias dos reféns israelenses presos estão dando lugar aos destroços de prédios atingidos pelos projéteis inimigos. Nessa hora, o medo e o ódio unem toda a nação ao seu redor.
Mas, essa questão tem potencial para repercutir negativamente na economia global. Pelo estreito de Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico, passam 30% do petróleo consumido no mundo. Um conflito prolongado pode causar estragos que prejudicarão o fluxo comercial, aumentarão os preços, causarão inflação, reduzirão o ritmo de crescimento da economia mundial, e aumentarão as críticas ao ataque israelense.
O assunto é de interesse prioritário no âmbito das relações internacionais. Por conseguinte, os grandes atores terão de assumir posições e propor medidas que minimizem os efeitos nefastos do conflito. É interessante notar que pelo menos três desses atores – China, Rússia e o próprio Irã – estarão reunidos, nos dias 6 e 7 de julho, no Rio, na reunião de cúpula do BRICS, sob a presidência do Brasil.
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