Duelo na Casa Branca
Ruptura entre Trump e Musk vira confronto público nas redes, abala mercados e levanta dúvidas sobre o futuro político e econômico dos EUA
Acabariam brigando, era previsível; a dúvida era quando e como. Há uma semana, os sinais eram de que a separação seria civilizada. Quarta-feira, a TV transmitia a singela cerimônia em que Musk deixava suas funções oficiais para se concentrar em suas empresas, e ganhava de Trump uma chave dourada, símbolo de que a porta da Casa Branca continuaria aberta para ele.
Quinta-feira de manhã, Trump parecia ainda leve e descontraído. Sempre diante das câmeras de TV, recebia o novo chefe de estado alemão Friedrich Merz, depois de fazer avaliações otimistas sobre a conversa telefônica que antes mantivera com Xi Jinping. De repente, tudo mudou e o rompimento virou barraco.
Musk publicou no “X” um ataque violento ao projeto de lei orçamentária encaminhado pelo presidente ao Congresso, cuja característica mais visível é, de um lado, eliminar dispositivos da chamada Obamacare que aumentavam o acesso dos mais pobres a planos de saúde e, do outro, cortar impostos de assalariados e de empresas. Esta lei, qualificada por Trump de “big and beautiful bill”, foi exprobada por Musk como “abominação clientelista”, uma vez que acrescenta mais de 2 trilhões de dólares à dívida pública americana.
Pela “Truth Social”, Trump atribuiu o mau humor do dono da Tesla à retirada das subvenções, garantidas no governo Biden, aos carros elétricos, e a partir daí armou-se um duelo de desaforos nas mídias sociais de um e de outro. Musk queixou-se de ingratidão, pois “sem mim, Trump teria perdido as eleições, os Democratas controlariam a Câmara e os Republicanos teriam apenas dois votos a mais no Senado”.
Em seguida, publicou dezenas de antigos tuítes em que Trump censurava políticas democratas que aumentavam o endividamento do Estado; previu uma recessão iminente em decorrência da guerra comercial em decorrência do aumento das tarifas comerciais, propôs a criação de um novo partido político, diante da incompetência de Republicanos e Democratas e arrematou com uma denúncia bombástica: Trump estaria entre os clientes de Jeffrey Epstein, o empresário preso por abuso sexual e tráfico internacional de menores.
Trump foi cirúrgico em seu contra-ataque: ameaçou acabar com as subvenções e contratos do governo com as empresas de Musk. Em meia hora, a bolsa de Nova York registrou uma queda de 14 por cento nas ações da Tesla, o que implica a evaporação de cerca de 150 milhões de dólares no valor da empresa.
A briga está longe de acabar. Trump conta com o poder da Casa Branca e os recursos do “establishment” Republicano, além de seu próprio talento de comunicador para neutralizar o ex-amigo. Já começou a espalhar insinuações sobre o que seria a dependência química de Musk, cujo comportamento esquisito em alguns atos públicos está sendo atribuído ao uso de quetamina, ecstasy e champignons alucinógenos. Líderes Republicanos, como Scott Bessent e Marco Rubio, estão conversando com Steve Bannon, que sempre aparece nessas horas, e considerando uma investigação cuidadosa no estatuto migratório de Musk, que estaria em situação irregular e deveria ser expulso dos EUA.
O super empresário que investiu cerca de 300 milhões de dólares na candidatura de Trump e já perdeu dez vezes mais do que isso, em decorrência da política comercial e das tarifas impostas pelo governo, parece, no momento, encalacrado numa cilada política. Ele, que em fevereiro dizia “amar Trump tanto quanto um homem hétero pode”, agora se penitencia por “ter passado um pouco de tempo a mais do que devia longe de seus negócios”.
No entanto, outros personagens notórios, também escorraçados por Trump, começam a procurar Musk. Um destes é Michael Cohen, que foi advogado pessoal de Trump de 2008 a 2016. É dado como certo que outros apareçam para conversar. O homem mais rico do mundo, tendo a seu dispor da plataforma X e de um todo-poderoso algoritmo, modulável a seu bel-prazer, tem decerto credibilidade, quando ameaça novembro de 2026 todos os políticos que traíram o povo”, e manda aos que duvidam um recado certeiro: “restam a Trump três anos e meio como presidente, enquanto eu estarei aqui por mais quatro décadas ainda”.
Tudo indica que ele de fato estará. A dúvida é se a democracia americana permanecerá a mesma até lá.
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