Trump e os imigrantes
Confira a coluna de domingo (02)
Circulam na internet vários vídeos de imigrantes sendo maltratados nos EUA pela polícia americana. Mulheres puxadas pelo cabelo, crianças empurradas com violência, tudo isso é a consequência natural do discurso de ódio, repetido durante a campanha eleitoral.
Trump e seus sequazes, que martelaram a tecla de que a expulsão dos imigrantes seria o passo inicial obrigatório para tornar a América grande de novo, são os grandes responsáveis pela onda de intransigência que grassa nos EUA e que precisa ser revertida, sob risco de consequências negativas para todo o mundo.
Mas como lidar com Trump? Ninguém sabe, ainda. Internamente, ele vem aplastando os opositores com uma avalanche de decretos, emanados das 900 páginas do Projeto 2025. No lado externo, ele é criterioso na escolha de adversários. Foi vigoroso contra o colombiano Gustavo Petro, pianinho com Xi Jinping e Putin.
Até agora, a reação interna e internacional aos desmandos contra os imigrantes tem sido tímida. Afinal, os policiais cumprem ordens, que emanam, em última análise, da vontade das urnas. Mas a credulidade tem limite e a história moderna é plena de exemplos do cipó de aroeira voltando no lombo de quem mandou dar.
No final da II Grande Guerra, foram muitas as discussões e pesquisas sobre as razões pelas quais pessoas bem ajustadas, religiosas e cumpridoras de suas obrigações sociais foram capazes de compactuar com os assassinatos, torturas e outros abusos contra a humanidade cometidos durante o holocausto. Por que alemães respeitáveis se voltaram contra os judeus, os ciganos e os homossexuais, negando os princípios e valores com que haviam sido educados e aderindo cegamente ao discurso incendiário de um fuhrer audacioso? Porque, em suma, aconteceu o holocausto?
Muitos estudiosos debruçaram-se sobre o assunto. Dependendo do ponto de vista de cada um, foram enfatizados os aspectos econômicos, históricos ou diplomáticos. Há, porém, um fator subjacente a praticamente todas as análises, a constatação de que a sociedade alemã estava endoutrinada para aceitar o ódio. Quando um líder carismático transforma a autoridade num exercício de força, a violência encontra solo fértil para se expandir e se torna a cultura da maioria. O medo de insurgir-se contra a maioria reforça, por sua vez, a cultura da violência.
O julgamento de Adolf Eichman teve lugar, em Jerusalém, de abril a agosto de 1961. Três meses depois, o psicólogo americano Stanley Milgram iniciou um experimento na Universidade de Yale, para saber como pessoas comuns reagem a comandos de autoridades, mesmo se as ordens contrariarem o bom senso e resultarem em sofrimento a um semelhante. A pesquisa queria, mais especificamente, esclarecer se os advogados tinham razão ao basear a defesa na tese de que Eichman e seus milhares de cúmplices tinham a consciência tranquila, pois teriam, apenas, cumprido ordens.
O experimento consistia em testar quanta dor um cidadão comum estaria disposto a infligir a outra pessoa, somente para obedecer um comando. Milgram concluiu que havia extrema disposição dos pesquisados para seguir cegamente as ordens dos pesquisadores. Centenas de cobaias dispuseram-se a executar as ordens, sem contestar sequer as que implicariam o uso de força contra outros voluntários.
Na obra “Eichman em Jerusalém”, Hannah Arendt avalia que a multidão é incapaz de fazer julgamentos morais no bojo de uma sociedade massificada. A multidão aceita e cumpre as ordens , sem questioná-las. Em meio a ela, a violência e a tirania são normalizadas, o mal se torna banal. Trump aproveita-se disso, e com um sorriso irônico distribui suas ordens a um público interno anestesiado pelo seu malabarismo performático, e a um público externo que dá tempo ao tempo, para ver até aonde ele chega.
Eichman foi condenado à morte. Seus argumentos não convenceram a justiça. O nazismo foi condenado e a democracia prevaleceu, com a vigência do pluralismo político, da aceitação da igualdade entre as pessoas, da liberdade de opinião, da tolerância e do respeito às diferenças. O período Trump vai ser complicado, com previsíveis turbulências. Mas vai passar, esta é a lição da história, que não devemos esquecer.