Transformação tem que doer?
Confira a coluna desta quinta-feira (30)
Por que, quando falamos de transformação, associamos automaticamente à dor? Dizemos que a borboleta sofre uma metamorfose para se tornar livre e bela. A mudança, ao que parece, sempre carrega um discurso de que “vai doer, mas vai ser bom”. Mas será que precisa doer mesmo?
Se pensarmos bem, estamos nos transformando o tempo todo. Desde o momento em que nascemos, estamos em constante mudança, ainda que nem sempre a percebamos.
O filme “O Curioso Caso de Benjamin Button”, estrelado por Brad Pitt, nos dá um choque ao inverter a ordem natural: ele nasce velho e morre jovem. Nos espantamos porque não é assim que conhecemos a vida.
Na verdade, talvez nem percebamos o quanto estamos mudando no dia a dia. Somos pegos pelo cotidiano e pela rotina que precisamos inventar alguma moda para falar que mudamos.
Cortar ou pintar o cabelo, fazer uma cirurgia ou um procedimento estético e até mesmo mudar de país. Parece que, se não for visível, nada está acontecendo... Mas não é verdade. Pode perguntar para seu filho adolescente e os hormônios dele!
Nossa transformação é inevitável, é parte da existência humana. Nunca somos os mesmos. Aliás, eu nem acredito na palavra ser. Acredito na palavra estar. Eu estou psicóloga, estou colunista, estou no Espírito Santo. Amanhã, posso estar outra coisa, em outro lugar.
O problema é que, quando associamos transformação à dor, passamos a ter medo dela. Só que como todos sabem... Não existe vida sem dor. Ela faz parte do cotidiano. E faz sentido temer algo que nos é essencial?
Na psicologia, aprendemos que estamos o tempo todo recebendo estímulos do mundo – experiências que nos fazem refletir, ressignificar, aprender. A cada instante, absorvemos algo novo e isso nos transforma.
Então, por que enxergamos esse processo como algo doloroso? Se mudarmos essa mentalidade e entendermos que a transformação é simplesmente parte da vida, talvez tenhamos menos medo dela.
A psicóloga e psicanalista Françoise Dolto dizia que “tornar-se sujeito é um processo de transformação constante”.
Para Dolto, crescer e se tornar quem realmente somos exige adaptação e ressignificação. Mas isso não significa sofrimento inevitável – significa movimento, significa vida, significa ação!
No dia 29, celebrou-se o Dia da Visibilidade Trans. Pessoas trans passam por um processo intenso de transformação, mas muitas vezes a dor não vem da mudança em si, e sim da maneira como a sociedade encara essa mudança. A resistência à transformação do outro é que impõe sofrimento.
Mas a verdade é que nada está parado. O mundo gira, as marés sobem e descem, nós mudamos.
E se mudar é o curso natural da existência, então a dor não pode ser o preço inevitável da transformação.
O que dói, na maioria das vezes, é a resistência e o preconceito. A pergunta não é se vai doer. A pergunta é: por que ainda temos tanto medo de simplesmente ser quem desejamos em nosso estar no mundo?