História perversa da malária
Devido a sua grande importância como fator de sofrimento para o ser humano, a malária sempre interessou a médicos, religiosos e governantes.
Em virtude desse elenco de participantes, opiniões antagônicas e até fanatizadas fizeram da malária um palco histórico para confrontos diversos, sublinhados em alguns casos por conflitos de interesses, em outros por ignorância ou puro preconceito.
A malária acompanha a humanidade desde seu nascedouro na África, há dezenas de milhares de anos. Ela apresenta características clínicas inconfundíveis que permitem distingui-la de outras doenças febris.
Intensos calafrios precedem a febre alta, que ocorre em episódios de três a quatro horas de duração, podendo se repetir todos os dias ou a intervalos de um ou dois dias, por tempo variável, até que o paciente se recupere ou morra.
Esse caráter exclusivo da malária permitiu reconhecer sua presença em escritos chineses de 3000 a.C. No mundo ocidental, referências à malária vêm desde Hipócrates, que a descreveu em detalhes.
A malária foi, em todos os tempos, um grande algoz da humanidade. Ela não poupou qualquer segmento da terra, com exceção das regiões polares e subpolares.
Até a Segunda Guerra Mundial, mesmo a Europa e a América do Norte pagavam elevado tributo à malária, também chamada de paludismo, impaludismo, maleita ou febres terçã e quartã.
Grandes figuras da história, como Alexandre o Grande, Petrarca e Dante Alighieri, morreram de malária.
Apesar da proteção divina, nem papas foram poupados. A malária é ainda hoje a mais importante endemia mundial. O Brasil registra de 600 a 800 mil casos anuais, a maioria na região amazônica.
A malária foi tratada com quinino a partir do século XVII, mas até fins do século passado acreditava-se que era contraída pela aspiração de miasmas dos pântanos e alagadiços.
Em 1880, Laveran, na Argélia, descobriu seu agente causador, um parasita dos glóbulos vermelhos do sangue.
Em 1900, Ross, na Índia, constatou que o parasita era transmitido ao homem pela picada de mosquitos hematófagos, pernilongos, que Grassi reconheceu como sendo do gênero Anopheles.
A malária, ao contrário de muitas outras moléstias infecciosas, não confere imunidade permanente a suas vítimas. Isto é, um mesmo indivíduo pode ter dezenas de casos sem que esteja protegido contra um novo.
Embora o ser humano reconheça como estranhos a seu organismo os antígenos do parasita, não consegue montar contra eles um sistema de defesa eficaz que confira proteção duradoura.
Por isto, durante anos, a possibilidade de produção de uma vacina contra a malária foi vista com reservas e mesmo ceticismo.
Entretanto, avanços da imunologia e biologia molecular fazem antever a possibilidade de produção de antígenos artificiais que obriguem as defesas humanas a responderem de maneira eficaz e neutralizar o parasita da malária a cada nova infecção.
A medicina conta muitas histórias, a natureza cria seus personagens.