Comida não é medicamento
Coluna foi publicada nesta terça-feira (03)
“Que seu alimento seja seu remédio e o remédio seja seu alimento”. Apesar de intuitiva, essa frase de Hipócrates não deve ser interpretada ao “pé da letra”, pois o tempo ensina que a medicina é a arte das verdades temporárias.
Assim como uma droga não corrige deficiências nutricionais, o alimento não substitui uma estabelecida ação farmacológica ou intervenção cirúrgica.
Não se deve combater, por exemplo, depressões endógenas com o consumo de açafrão, planta com nutrientes que relaxam o organismo. Da mesma maneira, não convém utilizar medicamentos para tratar deficiências alimentares.
Quando a patologia vem acompanhada de desordens nutricionais, cabe ao profissional dessa área restabelecer a homeostase, lançando mão de proteínas, lipídios, glicídios, minerais, vitaminas, entre outros nutrientes.
Por outro lado, não é prudente querer utilizar alimentos para recuperar pacientes debilitados por enfermidades responsivas aos fármacos.
Semana passada, eu atendi um senhor com quadro de anemia severa, descoberta por meio de hemograma. Após ter constatado a baixa de ferro no sangue, o nutricionista que o acompanhava prescreveu alimentos ricos desse mineral, visando recuperar o quadro anêmico. Por meio de avaliação clínica e endoscópica, detectei uma úlcera péptica sangrante. O suporte terapêutico medicamentoso estancou a hemorragia, lembrando sempre que não se deve tratar o efeito, mas a causa de uma determinada doença.
À primeira vista, a alegação do “Pai da Medicina” pode parecer algo inofensivo, que dá esperança a doentes, mas encarar comida como remédio costuma, na realidade, ser perigoso.
Acreditar que o paciente possa resolver todos seus problemas de saúde com uma simples modificação dos hábitos alimentares denota imprudência.
A comida exerce, é claro, um papel central no tratamento de determinadas doenças. Pessoas com diabetes mellitus, por exemplo, precisam prestar atenção em como os alimentos afetam o nível de glicose no sangue.
Pessoas com alergias alimentares devem evitar determinados nutrientes. De modo semelhante, algumas condições autoimunes estão diretamente ligadas a certos alimentos. A doença celíaca, por exemplo, é uma enfermidade imunomediada, em que o consumo de glúten pode desencadear danos ao intestino delgado, produzindo má absorção alimentar.
Alimentos saudáveis podem prevenir e corrigir certos problemas de saúde, mas não devem substituir medicamentos, quando se trata de doenças.
A ideia de que a comida pode ser remédio é atraente, mas saúde envolve muito mais do que apenas nutrição.
O fisiológico ato de comer é apenas um entre muitos fatores que colaboram com a preservação da saúde. Uma dieta saudável pode realmente ajudar a prevenir certas patologias, mas não constitui defesa contra tudo. Quando o tratamento farmacológico repousa em evidências terapêuticas, nenhum alimento deve substitui-lo.
Desde tempos imemoriais, panaceias vêm curando mentiras e adoecendo verdades.