STF vai decidir se idoso pode casar em comunhão de bens
Ministros vão definir se derrubam lei que obriga a separação de bens, criada para evitar que idosos fossem vítimas de “golpe do baú”
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Dividindo opiniões, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se a lei que obriga pessoas de mais de 70 anos a se casarem em regime de separação de bens é constitucional, ou seja, se libera a comunhão de bens universal, parcial ou até mesmo pacto antenupcial.
A regra foi instituída em 2002 para prevenir o chamado “golpe do baú”. A legislação também preserva a herança dos filhos dos idosos. Só que essa norma passou a ser questionada na Justiça e foi parar no Supremo. O ministro Luís Roberto Barroso é o relator do caso.
Vice-presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Vila Velha), Geovanna Lourenzini explica que juridicamente a regra é o regime de separação total de bens.
“A legislação, numa tentativa de resguardar a legítima herança, acaba limitando a vontade dos maiores de 70 anos, mesmo que esses sejam capazes. Eu sou a favor da vontade das partes. Uma limitação como essa, não faz sentido”.
Alexandre Dalla Bernardina, professor de Direito de Família e Sucessões e advogado, diz que a restrição impõe inadmissível presunção de incapacidade com fundamento na faixa etária, rotulando a pessoa com mais de 70 anos como inapta para escolher o regime de bens com o qual pretende se casar.
Já para o advogado Sirval Martins dos Santos Júnior, a imposição do regime da separação obrigatória de bens nesse caso é constitucional, pois foi criada com o intuito de proteger a parte mais vulnerável, assim como ocorre nas relações consumeristas e trabalhistas.
“Não há que se falar em inconstitucionalidade da previsão do Código Civil, uma vez que a imposição do regime da separação obrigatória de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos foi criada com o intuito de proteger a parte mais vulnerável, assim como ocorre nas relações consumeristas e trabalhistas”.
Para ele, ao contrário do que se afirmam, o objetivo da norma não traz um caráter de incapacidade à pessoa idosa, visto que não há proibição de contrair o matrimônio, mas uma limitação do regime a ser adotado, que age com a finalidade de resguardar os direitos patrimoniais que constantemente são violados.
EMPRESÁRIA PERDE R$ 1 MILHÃO
Histórias de “golpe do baú” não faltam. No Estado, uma empresária viúva, de 70 anos, perdeu cerca de R$ 1 milhão depois de se casar.
Quem conta o fato é a advogada Ivone Vilanova, especialista em Direito de Família e da Mulher. “Ela conheceu esse homem, que tinha entre 58 a 60 anos e é carioca, no Uruguai, em um jogo de cartas”.
No início, ele fazia de tudo para parecer uma pessoa perfeita. “Eles se casaram, ela apaixonadíssima. Resultado, o casamento foi um erro e durou cerca de 5 anos”.
O casamento foi em regime parcial de bens. “Só que ele foi habilidoso e como ela tinha muitos bens em nome de terceiros, como sócios, passou para o nome dela depois do casamento”.
Na separação, o ex-marido ficou com parte dos bens. “Foram três apartamentos de três quartos, um sítio, um barco a motor, uma casa na zona rural, e boa quantia em dinheiro para que a demanda litigiosa fosse extinta, depois da ação chegar até o Superior Tribunal de Justiça”.
O presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados Pensionistas e Idosos no Estado, Janio Araújo, fala que é importante criar leis para proteger os idosos do golpe do baú. Só que ele faz uma ressalva de que a idade para casamento pelo regime de comunhão de bens deveria ser de acordo com a expectativa de vida, que é a partir de 76 anos.
Entenda o Caso
Regra foi modificada em 2010
Regime
- O artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, estabelece que a pessoa maior de 70 anos somente pode se casar sob o regime de separação total de bens.
- Esta regra foi modificada pela Lei 12.344, de 9 de dezembro de 2010, pois até então a idade prevista era de 60 anos.
Questionamento
- Um caso, ocorrido em Bauru, São Paulo, foi parar na Justiça. Trata-se de um casal (homem e mulher) que manteve uma união estável de 2002 a 2014, ano em que ele morreu.
- Uma decisão em primeira instância havia reconhecido a mulher como herdeira, mas acabou sendo reformada depois que os filhos de seu marido recorreram.
- Embora tenha confirmado a união estável, o Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou o regime de separação de bens, uma vez que ele já tinha mais de 70 anos quando a relação foi selada.
Decisão
- Os autos foram encaminhados para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, posteriormente, ao STF (Supremo Tribunal Federal).
- O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, reconheceu a repercussão geral de recurso interposto contra Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou válida a separação obrigatória de bens para as pessoas maiores de 70 anos.
- No caso, o juízo de primeiro grau havia declarado a inconstitucionalidade do regime obrigatório de bens para pessoa maior de 70 anos. Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes já acompanharam o voto do ministro Barroso e a questão deverá ser encaminhada para deliberação da Corte.
Fonte: Agência Folha, Supremo Tribunal Federal e juristas entrevistados.
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