Justiça vai decidir se planos podem negar tratamentos
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Um julgamento na Justiça, marcado para a próxima semana, pode dar novos rumos a um impasse que se arrasta por anos entre consumidores e planos de saúde.
Afinal, as operadoras devem cobrir somente o que está na lista de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)? E se o médico entender que o paciente precisa de um tratamento ou exame que não está na lista, o plano pode negar?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai julgar na próxima quinta-feira se é abusiva ou não a cláusula que restringe a cobertura de plano de saúde a aquelas do rol de procedimentos da ANS.
Na ação, uma seguradora de saúde recorre de uma decisão que a obrigou a custear tratamento fora do rol. A operadora pede que o entendimento seja o de uma outra decisão, de 2019, que criou uma divergência, entendendo que rol garante o direito à saúde, com preços acessíveis.
A advogada e coordenadora do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete, explicou que por mais de 10 anos o entendimento do Judiciário foi que o rol de procedimento é uma referência mínima de cobertura.
“A jurisprudência entende que a lista é importante, mas, se o médico prescreve um tratamento que ali não está, com justificativa clínica, ele precisa ser coberto”.
Advogado especialista em Direito do Consumidor, Luís Costa frisou que os planos têm tentado tornar o rol taxativo, ou seja, o que não estaria nele poderia ser negado.
“Planos tentam reduzir ao máximo a área de alcance da cobertura, para reduzir custos. Muitas vezes, o consumidor tem negativa de internações, de cirurgias ou procedimento, fazendo com que precisem recorrer à Justiça”.

Ele acredita, contudo, que o Judiciário deve manter a interpretação atual. “Entendemos que a vida é maior que a questão da economia do plano de saúde”.
A advogada Flávia Grecco Milanezi também afirmou que a maior procura pela Justiça são de segurados que tiveram negativas de cirurgias ou de materiais para procedimentos solicitados, além de medicamentos de alto custo.
“Decisão é perigosa para o consumidor”, diz órgão
O julgamento da ação que poderá definir o entendimento do Poder Judiciário sobre a oferta de procedimentos que podem ou não ser cobertos pelos planos de saúde é visto com preocupação por órgãos de Defesa do Consumidor e advogados que atuam na área.
Para eles, caso o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entenda que os planos só devem cobrir o que está na lista do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os prejuízos para o consumidor devem ser grandes.

A advogada e coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete, afirmou que a decisão é perigosa para o consumidor.
O Idec entende, baseado na Lei de Planos de Saúde e no Código de Defesa do Consumidor, que o rol deve ser interpretado como um parâmetro mínimo ou exemplificativo.
“O médico é a autoridade sanitária responsável por determinar os tratamentos e procedimentos recomendados aos seus pacientes de acordo com a avaliação clínica, e é dever das operadoras cobrir todas as doenças previstas na Classificação Internacional de Doenças”.
Para ela, um eventual julgamento do tema sem maior debate na Corte pode ter o desastroso efeito de aprofundar a assimetria de poder entre operadoras e consumidores, deixando-os ainda mais desprotegidos e vulneráveis nos momentos de maior necessidade.
A advogada Flávia Grecco Milanezi também acredita que uma decisão nesse sentido seria de grande prejuízo para os consumidores.
“Primeiro porque os contratos são de adesão e não há possibilidade de negociação. Segundo porque mesmo que tivéssemos opção de negociação dificilmente saberíamos, como leigos em medicina, ponderar e solicitar acréscimos de material X ou Y”.
E completou: “Na grande maioria das vezes, consumidores procuram e pagam por planos de saúde particulares na certeza de que estarão protegidos de qualquer intercorrência relacionada à saúde”.
Saiba mais
Rol de procedimentos
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É uma lista definida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com as consultas, exames, medicamentos, cirurgias e tratamentos que as operadoras de saúde são obrigados a oferecer, conforme cada tipo de plano de saúde.
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Essa lista é válida para os planos contratados a partir de 2 de janeiro de 1999, os chamados planos novos.
Judicialização
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Ao longo dos anos, a negativa de cobertura por parte de planos de saúde de alguns procedimentos, materiais para cirurgias ou exames tem chegado à Justiça.
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De um lado, o consumidor busca o direito de ter acesso ao procedimento, medicamento ou exame solicitado pelo médico, mesmo que às vezes não esteja na lista de procedimentos obrigatórios.
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Do outro lado, as operadoras que se baseiam na listagem obrigatória. Eles afirmam que o alto custo de alguns procedimentos, que não estão na lista, pode prejudicar a todos os usuários, já que têm que pagar mais caro pelos planos.
Divergências no entendimento
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Nos últimos 10 anos, a Justiça vinha entendendo que o rol de procedimentos seria uma cobertura mínima, com caráter meramente exemplificativo.
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Hoje, a posição uniforme da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera abusiva a negativa da cobertura pelo plano de saúde do tratamento considerado apropriado para resguardar a saúde e a vida do paciente.
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No entanto, em 2019, a Quarta Turma mudou seu entendimento e passou a entender de modo que o rol é “taxativo”, ou seja, que deve ser seguido à risca.
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Nesse caso, afirmam que o rol constitui garantia para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população.
Julgamento
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Está marcado para quinta-feira, o julgamento no STJ de uma ação que deve unificar o entendimento.
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A ação é de uma seguradora de saúde que recorreu da decisão da Terceira Turma, que a obrigou a custear tratamento fora do rol da ANS. Nesse caso, a seguradora invoca precedente da Quarta Turma para não precisar arcar com o custo.
Impactos possíveis
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Entidades como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e advogados temem que a mudança no entendimento hoje adotado possa trazer prejuízos aos consumidores.
Fonte: STJ, Idec, ANS e pesquisa A Tribuna.
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