Histórias da “capital secreta” ainda pouco conhecidas
Historiador revela que, no Estado, Cachoeiro foi a primeira cidade a ter ferrovia, cobrança de pedágio, além de ter mais escravos
Cachoeiro de Itapemirim, também conhecida com a “capital secreta” do mundo, guarda histórias pouco conhecidas por muitos capixabas.
O historiador e tesoureiro da organização não governamental (ONG) “Amigos do trem”, Gilson Eleutério, de 51 anos, revelou que foi o município do Sul do Estado que teve a primeira ferrovia, o primeiro pedágio criado e o que mais teve escravos no Espírito Santo.
O historiador, que se diz “um estudioso dos temas que envolvem a vida sobre trilhos”, revelou que a primeira ferrovia capixaba foi inaugurada em 16 de setembro de 1887.
Isso só foi possível após pressão de grandes produtores de café da época, que sabiam que esse tipo de transporte já havia sido implantado no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
Os produtores estavam insatisfeitos com as estradas da época que, muitas vezes, em períodos de chuvas, ficavam intransitáveis e impediam o escoamento da produção, causando prejuízos.
“Eles, então, se mobilizaram para conquistar o meio de transporte que se anunciava como a melhor e mais eficiente opção”, afirmou Gilson.
O primeiro pedágio do Estado, de acordo com o historiador, ocorreu com cobranças para quem fosse atravessar a Ponte Municipal, inaugurada em 1887, que ligava uma margem à outra do Rio Itapemirim. A obra foi particular, mas foi a Câmara Municipal, presidida por Carlos Bernardino Maciel, quem decidiu os valores a serem cobrados.
No dia da inauguração, o presidente da Câmara deu alforria a seu escravo André e pagou 600 mil réis pela liberdade da escrava Beatriz, que pertencia ao doutor Salvador Rizzo, italiano que morava na região.
Sobre o período escravista, Gilson afirmou que Cachoeiro de Itapemirim foi a cidade que teve o maior número de escravos, exatamente 7.375 dos 22.552 existentes no Estado. Gilson contou que há relatos que provam que esse grande volume de mão de obra escrava se deve à implantação de cultivo de café.
“Em 1872, o Estado tinha 82.370 habitantes, sendo 22.552 escravos. Em 1876, os escravos estavam diminuindo, porém em Cachoeiro aumentou mais ainda”.
O historiador contou que os escravos eram trazidos para o município, em sua maioria, por fazendeiros fluminenses e mineiros.
Estação no prédio da prefeitura
O historiador Gilson Eleutério disse que a empresa responsável pela ferrovia de Cachoeiro de Itapemirim foi a “Companhia de Navegação e Estrada de Ferro Espírito Santo e Caravellas”. E a estação era onde hoje funciona a prefeitura da cidade.
O girador das locomotivas funcionava onde atualmente está o chafariz da Praça Jerônimo Monteiro, no centro da cidade, e o trem saía do município e passava por Matosinhos (hoje bairro Coutinho), Valla de Souza (hoje Jerônimo Monteiro) e chegava até Pombal (hoje Rive, distrito de Alegre).
Nessa época, foi construído também um ramal de Matosinho até Castelo, com 21 km de extensão. De Cachoeiro a Rive eram percorridos cerca de 50 km.
Outro fato histórico que Gilson faz questão de destacar é a presença do presidente do Brasil Nilo Peçanha e do governador do Estado, Jerônimo de Souza Monteiro, para a inauguração da ligação férrea Vitória-Cachoeiro, em 1910.
Gilson destacou que, com obra, Vitória começou a se desenvolver mais rapidamente, pois o transporte de cargas foi proibido de seguir para Itapemirim.
“Também em 1910, foi inaugurada a usina hidrelétrica de Fruteiras. Com mais energia, começaram a surgir indústrias em Cachoeiro”, complementou Gilson.
Entre 1915 e 1920, segundo o historiador, Cachoeiro de Itapemirim teve ligação férrea com Marataízes, passando por Itapemirim. No verão saíam quatro carros de passageiros por dia para o litoral Sul do Estado.
Até pessoa descalça pagava pedágio
No primeiro pedágio do Estado, quem atravessasse de uma margem a outra do Rio Itapemirim, em Cachoeiro de Itapemirim, tinha que pagar a tarifa e não havia diferença no valor se a pessoa estivesse calçada ou descalça.
O historiador Gilson Eleutério disse que “há documentos históricos que mostram que os administradores da ponte municipal estabeleceram uma tabela detalhando muito bem os valores”.
De acordo com ele, pessoas calçadas pagavam 60 réis apenas para uma travessia. Para ir e voltar, o valor era de 100 réis. Por cabeça de gado, a cobrança era de 120 réis.
Se o dono fosse passar com mais de um animal, pagava 100 réis por cada. As aves não ficaram de fora da cobrança. Se fossem conduzidas ou tocadas, o proprietário teria que pagar 20 réis por cada uma.
Já os carros de boi com eixo fixo carregados pagavam 1 mil réis. Com eixo móvel, a cobrança era de 1.500 réis para os carregados e 600 réis para os vazios.
Carroças com duas rodas carregadas pagavam 500 réis. Vazias, 200 réis. Os carrinhos liteira, aquelas cadeiras portáteis sustentadas por duas varas e levadas por homens ou animais de carga, de duas rodas, pagavam 500 réis.
Carrocinhas não tinham isenção do pedágio. Elas pagavam 500 réis para cruzar a via. E qualquer pessoa que atravessasse a ponte carregando mais de 10 kg de café ou outro produto teria que pagar 10 réis.
VOCÊ SABIA
Tráfico de escravos no Porto de Itapemirim
Com a Lei Eusébio de Queiróz, de 1850, ficou proibido o transporte internacional de escravos. Foi nesse momento que começou o tráfico de negros, segundo o historiador e tesoureiro da organização não governamental (ONG) “Amigos do trem”, Gilson Eleutério.
“Os traficantes usaram portos menos fiscalizados para desembarcar os escravos e o Porto de Itapemirim recebeu navios negreiros da África até 1856”, afirmou.
Vítimas de maus-tratos, muitos negros eram torturados e enforcados. “O relato aos delegados era de que tinham se acidentado ou morrido afogados”, conta Gilson.
O historiador acrescentou que a fuga de escravos era comum e sempre era noticiada em jornais com oferta de recompensa pela captura.
“Um escravo, nos dias de hoje, atualizando a moeda, seria o equivalente a R$ 21 mil e a recompensa seria de R$ 5 mil”.
Gilson Eleutério disse também que suas pesquisas indicam que as fugas geralmente eram individuais, mas há registros de escape de cinco e até 20 escravizados de uma única vez.
“Começaram a surgir os quilombos no meio das matas. E alguns quilombos prosperavam e chegaram a vender produtos na cidade, pois já tinham muitos comerciantes a favor da causa abolicionista”, explicou o historiador.
LEI
Segundo ele, quando a Lei Áurea foi promulgada em 1888, a câmara do município se posicionou a favor dos fazendeiros.
Mas, houve pontos a serem comemorados, já que após três meses da Lei do Sexagenário, a que em 1885 garantiu liberdade aos escravos com 60 anos de idade ou mais, Cachoeiro libertou 139 escravos.
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