Disputas em família: especialistas tiram 30 dúvidas sobre partilha de herança
Uma das mais frequentes refere-se à doação de um imóvel em usufruto. Outro questionamento é se animais de estimação podem ser herdeiros
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É na dor do luto, na saudade, que muitas vezes são travadas disputas e brigas em família por causa de herança.
Diante da complexidade do tema e de inúmeros questionamentos, especialistas, à convite da reportagem de A Tribuna, tiraram 30 dúvidas sobre a partilha.
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família no Estado, a advogada Ana Paula Morbeck contou que as dúvidas são comuns, incluindo até perguntas sobre animais de estimação que, no Brasil, não podem herdar patrimônio. Segundo ela, existem casos que se prolongam na Justiça, citando exemplos de inventários que tramitam há 20 anos.
Carolina Romano, diretora de Tabelionato de Notas do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado (Sinoreg-ES), explicou que o inventariante é o responsável pela administração da herança até a partilha, mas antes do início do inventário, aquele que estiver na posse dos bens deve administrá-los provisoriamente.
“O inventariante pode ser um herdeiro beneficiado no testamento, o testamenteiro ou até um terceiro nomeado pelo juiz, se houver muita animosidade entre os herdeiros”, salientou Carolina.
Ainda segundo ela, uma das dúvidas frequentes refere-se à doação de um imóvel em usufruto. Neste caso, o imóvel pode ser vendido? “ O usufrutuário pode usar e receber frutos do bem, mas não pode vendê-lo”, frisou.
Já Alexandre Dalla Bernardina, advogado especialista em Direito de Família e Sucessões, apontou quando é possível herdar de tio ou tio-avô. “Isso ocorre na falta de descendentes (filhos, netos e bisnetos), ascendentes (pais e avós) e cônjuge do falecido. Nesse caso, os sobrinhos herdam por direito próprio ou por representação”.
E o que acontece com um herdeiro que ficou excluído da herança? Segundo o artigo 205 do Código Civil, ele tem o prazo de 10 anos para entrar na Justiça e reivindicar a sua parte. Esse prazo começa a contar a partir da abertura da sucessão, ou seja, no momento da morte de quem deixou a herança.
Tira-dúvidas
1. Se eu fui deixado de fora da herança, mesmo tendo direito, posso recorrer?
A pessoa que tem direito à herança, mas não foi incluída na partilha, pode ajuizar uma ação reivindicando o seu direito. Mesmo que já tenha ocorrido a partilha de bens, o herdeiro preterido terá o seu direito assegurado, podendo o herdeiro que recebeu os bens ser condenado a devolvê-lo ou condenado a pagar a indenização correspondente.
2. Em que situação os netos podem herdar o patrimônio dos avós?
Os filhos são os herdeiros diretos. Mas se um deles morre antes dos pais, o direito à herança passa para os netos, que assumem o lugar do pai ou mãe já falecidos. Isso é chamado de “direito de representação”. Se a avó ou o avô, mesmo que tenha filhos vivos, quiser deixar parte da herança para os netos, pode realizar um testamento ou antecipar parte da herança.
3. Quanto tempo o filho não reconhecido em vida tem para reivindicar a herança?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que o prazo máximo para entrar com a ação é de 10 anos após a morte do titular da herança.
4. Consigo proteger o patrimônio doado ou herdado aos meus filhos contra eventual divórcio?
Sim. A cláusula de incomunicabilidade é um instrumento jurídico que impede que bens herdados ou doados sejam partilhados em caso de divórcio, independentemente do regime de bens, garantindo que o patrimônio permaneça com o filho do doador. A cláusula garante a proteção do bem, que será mantido como propriedade exclusiva do herdeiro ou donatário, sem se comunicar com o patrimônio do casal.
5. Meu pai morreu há dois meses e a madrasta quer implantar um embrião. Posso impedir? Terei que dividir a herança?
Se o seu pai deixou autorizado que a sua madrasta implantasse esses embriões mesmo após o falecimento dele, ela vai poder implantar, sim, e você terá que dividir a sua herança.
6. Posso doar um bem para um herdeiro, mas continuar utilizando?
Sim. O usufruto resguarda o direito à utilização do bem, inclusive a eventuais rendas dele provenientes, mesmo sem ser o dono. Esse direito pode ser vitalício ou ter prazo definido, mas é preciso manter e conservar os bens.
7. É possível deixar herança para animais de estimação?
No Brasil, não é possível. No entanto, é possível deixar a herança com encargo para determinada pessoa, condicionando que o beneficiário somente receberá os bens ou direitos mediante o cumprimento de determinada obrigação, que pode consistir em cuidar de um animal de estimação.
8. Posso deserdar um filho?
Sim, mas apenas por motivos previstos em lei, como ofensa física, injúria grave ou abandono. A deserdação deve ser formalizada em testamento.
9. O meu marido está em fase terminal e os filhos dele disseram que só eles têm direito à herança porque sou casada em regime total de separação de bens. É verdade?
Mesmo no casamento celebrado sob o regime da separação total, o cônjuge permanece sendo herdeiro.
10. A dívida de quem morreu passa para os herdeiros?
Sim. As dívidas do falecido passam para os herdeiros, mas eles respondem apenas até o limite do valor da herança recebida, sem atingir seu patrimônio pessoal.
11. Divorciados têm direito à herança do antigo companheiro?
O entendimento atual é que, a partir da separação de fato, o ex-cônjuge não tem direito à herança, mesmo que não tenha ocorrido o divórcio.
12. A constituição de holding (espécie de empresa familiar) afasta o direito dos herdeiros?
Não. A constituição de holding não afasta o direito dos herdeiros, que terão direito sobre as cotas sociais de titularidade do falecido. Contratos sociais e acordos de sócios podem disciplinar o ingresso dos herdeiros na holding ou o recebimento do valor financeiro correspondente a tais participações.
13. O filho que tem mais de um pai ou mais de uma mãe terá direito à herança de todos eles?
Sim. A partir do momento em que é reconhecida a relação filial, todos os direitos são também garantidos. Assim, no caso de uma pessoa que tenha um pai biológico e um socioafetivo, receberá a herança de ambos.
14. O pai morreu, era solteiro e sem união estável. O filho, como único herdeiro, mesmo com testamento, está obrigado a fazer inventário?
Sim, mas o procedimento será muito mais simples. A existência de um único herdeiro e de um testamento não afasta a necessidade de inventário, que visa atribuir formalmente a propriedade dos bens do falecido ao herdeiro.
15. Meu marido morreu e o filho dele rasgou o testamento na minha frente. Perdi tudo?
Se o testamento foi feito por escritura pública, não tem problema, pois o documento foi lavrado em cartório e está registrado. Agora, se era um testamento particular que não teve registro em cartório e foi destruído, não tem o que fazer. Por isso, juristas recomendam que o testamento seja feito por meio de escritura pública.
16. Posso excluir meu companheiro do direito de herança?
Não. Atualmente, segundo a regra do Código Civil, o cônjuge e o companheiro se tornam herdeiros dos bens particulares do cônjuge falecido, sendo nulas cláusulas de exclusão.
17. Meu marido está internado em estado grave. Posso transferir dinheiro dele para conta da minha irmã para não dividir com minhas enteadas?
Essa não é uma boa alternativa porque, em caso de falecimento, as enteadas poderão pedir a quebra de sigilo bancário e se tiver transferências muito altas próximo da morte pode ser considerado fraude.
18. O pai só tomou conhecimento de que teve um filho quando este já era maior de idade. O filho reconhecido após os 19 anos tem os mesmos direitos que os outros filhos?
Sim. Todos os filhos terão os mesmos direitos, sejam eles filhos que conviveram desde o nascimento, sejam eles apenas reconhecidos depois de muitos anos.
19. O regime de bens influência na sucessão?
Sim. O regime impacta diretamente na identificação da meação. Há uma regra que se aplica a muitos casos de que “quem meia, não herda”. Então, se não houver meação, a princípio há direito à herança a esse cônjuge. E vice e versa. Por exemplo, no regime da separação de bens, feita por pacto antenupcial, o cônjuge não é meeiro, mas é herdeiro. Igualmente, nos bens particulares, o cônjuge será herdeiro e não meeiro.
20. Bens adquiridos antes do casamento entram na partilha?
Entram na partilha, pois todo o patrimônio do falecido deve ser inventariado. Porém, saber se o cônjuge sobrevivente terá ou não direitos sobre o bem, depende do regime de bens.
No regime da comunhão parcial, por exemplo, bens anteriores ao casamento são considerados particulares e não se comunicam.
Então não haverá meação (metade do patrimônio), mas o cônjuge será herdeiro. Já no regime da comunhão universal de bens, o bem se comunica e haverá meação.
21. O marido e a mulher podem fazer um único testamento?
Não. O testamento é um ato personalíssimo, podendo ser realizado somente pela própria pessoa e de forma individual.
22. Todos os herdeiros devem concordar para vender um imóvel de herança?
O imóvel que compõe a herança pode ser vendido se todos os herdeiros concordarem ou se houver pedido judicial demonstrando a necessidade de alienação do bem para, por exemplo, pagar dívidas do espólio.
23. Sou viúva, meu sogro está vivo e tem grande patrimônio. Também sou herdeira dele?
Não, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro de sogro ou sogra.
24. O enteado tem direito à herança do padrasto?
Não, salvo se houver o reconhecimento de filiação socioafetiva. Atualmente, esse procedimento pode ser feito diretamente no Cartório de Registro Civil, desde que o filho tenha ao menos 12 anos de idade. Aquele que deseja ser reconhecido como pai deve fazer a solicitação e serão apresentadas provas do vínculo. O procedimento é enviado ao Ministério Público e, se comprovada essa vinculação, o pai socioafetivo passa a ser incluído na certidão de nascimento do filho, sem nenhuma menção dessa situação. Assim passa a ser filho e não mais enteado, tendo todos os direitos que os filhos biológicos teriam.
25. Em caso de morte do cônjuge, o imóvel em nome do casal será partilhado?
Sim, mas pode ser preservado o direito real de moradia ao cônjuge sobrevivente. Se forem casados em regime de comunhão de bens, cada um tem metade do bem (meação) e a outra parte será partilhada entre os herdeiros. Caso haja somente um imóvel no inventário, o cônjuge sobrevivente terá o direito real de habitação sobre esse imóvel, garantindo que nele permaneça enquanto for vivo, mesmo que partilhado.
26. Como se dá a partilha em caso de bens adquiridos com esforço comum, mas registrados apenas em nome de um cônjuge?
Muito importante entender que nos regimes de comunhão de bens (parcial ou universal), tudo o que for adquirido na constância do casamento é dos dois. Então, mesmo que na escritura e no registro de imóvel conste apenas o nome de um, se for casado em regime de comunhão parcial ou universal, a metade é do outro cônjuge.
27. O que acontece quando os pais pagam tudo para a filha caçula e não ajudam o filho mais velho? Na partilha será cobrado?
Sim. Isso pode, sim, ser entendido como adiantamento de legítima – uma antecipação da herança. A lei prevê que esses valores sejam trazidos à colação, ou seja, somados ao total do patrimônio para que a divisão entre os filhos seja justa. O irmão mais velho pode, judicialmente, requerer essa compensação, especialmente se os gastos forem expressivos e desproporcionais.
28. Quero deixar um apartamento para minha única filha, mas não quero que o futuro marido dela tenha direito ao bem. Isso é possível?
É possível. A forma mais segura é a doação em vida com cláusulas de incomunicabilidade, que impede a partilha com o futuro cônjuge, e de reversão, que garante o retorno do bem ao doador caso a filha faleça antes. Existe também a opção do testamento, mas nesse caso só é possível aplicar a cláusula de incomunicabilidade e apenas sobre até 50% do patrimônio, correspondente à parte disponível. A cláusula de reversão não se aplica ao testamento.
29. Meu pai tem 70 anos, é viúvo e está gastando tudo com uma namorada. Ele pode fazer isso? A herança dos filhos fica comprometida?
Sim, ele pode. Enquanto estiver vivo e em pleno gozo de suas faculdades mentais, qualquer pessoa tem liberdade para dispor de seus bens como bem entender, inclusive gastando com quem desejar. A herança só se constitui após o falecimento, ou seja, os filhos não têm direito adquirido ao patrimônio enquanto o pai estiver vivo.
30. O testamento pode ser anulado?
A anulação de um testamento não é algo simples, mas é possível. Um testamento pode ser anulado se houver comprovação de que foi feito sob coação ou fraude, se o testador não estava lúcido ou se realizado sem os requisitos legais, como a falta de testemunhas.
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