“Cidades precisam cumprir regras”
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O Estado passou por fortes chuvas nas últimas semanas. Destruição, mortes e desabamentos foram algumas das cenas que marcaram a vida dos capixabas em janeiro e trouxeram à tona questionamentos de como as construções devem ser feitas.
Para o consultor do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES), José Márcio Martins, que é engenheiro civil e de segurança do trabalho, as cidades precisam cumprir as regras da legislação quanto às construções.
“As cidades têm regras de construções, o que elas precisam são rever essas regras e cumpri-las. Isso porque o próprio Estatuto da Cidade, que é uma legislação federal, determina que o Plano Diretor é um instrumento de política territorial, obrigatória para os municípios com mais de 20 mil habitantes”.
Ele exemplifica, em referência às construções ribeirinhas, que a lei federal determina distância mínima de 15 metros, da vazão máxima do rio, e que legislação ambiental define o mínimo de 30 metros de faixa não edificada.
A Tribuna – Por que nossas cidades não estão preparadas para chuvas mais intensas?
José Márcio Martins – Temos uma deficiência da estrutura urbana, da drenagem. Os rios necessitam ser canalizados nos trechos urbanos ou ser dragados periodicamente, e essa dragagem não é feita. Quando chove, a água transporta o material do solo, como areia e grãos, para o rio. E quanto menos vegetação tem, mais materiais são levados.
Isso faz com que o rio vá assoreando. Vai diminuindo a calha do rio, impedindo que se dê vazão em uma enchente. E se essa calha diminui, ele acaba transbordando.
Em trechos urbanos, como foi o caso de Iconha, ocorreram vários erros, como as construções ficaram praticamente dentro do rio e o rio tem uma calha muito pequena.
Quais ações devem ser feitas para evitar esses desastres?
As cidades devem desocupar as margens dos rios. Fazer a dragagem dos rios ou a canalização deles. A frequência para isso varia. O rio tem de ser monitorado, os técnicos da área ambiental, de hidrologia, hidrogeologia e da engenharia civil vão diagnosticar essa necessidade, que será repassada para a prefeitura. É preciso que os municípios tenham isso como uma rotina de trabalho.
Como medidas de prevenção deve-se reflorestar e ter uma tolerância zero com a ocupação das margens dos rios. Não é tirar as pessoas de forma violenta, mas é preciso, de forma democrática, remover os casos mais críticos. Deixá-los lá é assinar um atestado de óbito para esses moradores.
Planos Diretores Municipais (PDMs) devem ser mudados?
Essa destruição que ocorreu, principalmente no Sul, podemos dizer que foi uma situação ímpar na história do Estado. Chuvas torrenciais e acima da média sempre aconteceram, e isso leva a uma reflexão: precisamos ser mais rigorosos quanto à ocupação do solo urbano.
Essas regras precisam ser revistas. Também é preciso que se tenha estrutura para que essa fiscalização seja feita, que os municípios imponham o poder de polícia para fazer cumprir as leis municipais e ambientais do País. Não posso cumprir apenas a leis de que eu gosto, todas devem ser cumpridas. O Estatuto da Cidade determina a necessidade de revisão dos planos diretores de 10 em 10 anos.
Mas pessoas continuam construindo às margens dos rios, mesmo com as regras...
Tem de fazer cumprir a legislação, isso ocorre devido à omissão dos municípios. Os gestores municipais devem ser obrigados a cumprir a legislação, e isso é um papel do Ministério Público, que precisa verificar os gestores que estão sendo irresponsáveis com o cumprimento da legislação urbanística e ambiental dos municípios.
Se pela lei os moradores em áreas ribeirinhas e de risco devem ser retirados, como evitar que essas construções voltem a ser feitas, principalmente pelos mais necessitados?
É necessário que os municípios tenham uma política de planejamento urbano e inclusiva, que permita que a população de baixa renda tenha acesso a um teto digno. Isso pode ser feito por meio de crédito fácil ou subsidiados; loteamentos de interesse social, definidos em áreas seguras com condições sanitárias corretas. Muitos loteamentos são feitos em áreas de risco.
E por que os municípios permitem esses loteamentos?
Isso é caso de penalizar os gestores que permitiram esses loteamentos. Mas é preciso também levar assistência técnica à população de baixa renda, já que eles não têm como pagar pelos serviços de um engenheiro. Precisamos ter uma política pública que leve assistência técnica à população de baixa renda que queira construir de forma correta e planejada.
Por que as leis de uso e ocupação do solo não estão sendo respeitadas?
As prefeituras não são estruturadas adequadamente para fazer seu poder de polícia ser cumprido. Os gestores devem ser penalizados quando acontece a omissão. E a outra questão é a pouca estrutura técnica que hoje as prefeituras têm.
Um exemplo: para se construir em morros deve-se fazer um estudo geológico, sondagens, verificar a formação geológica do entorno. As duas áreas de maiores riscos no Brasil são as beiras de rios e os morros íngremes.
O município, para fazer cumprir as regras, pode usar o Ministério Público e as polícias. Ele tem o direito de mandar demolir construções irregulares.
O que o Crea pode fazer para ajudar nessas construções?
O Sistema Confra/Crea tem articulado com as instituições de ensino, os municípios e outros parceiros uma maneira de viabilizar essa assistência técnica para a população de baixa renda. Mas, para isso, é importante a participação dos municípios, por meio de um fundo municipal de habitação.
Porque, se não é dada assistência técnica, independente da classe social, a pessoa vai construir de forma errada. E essa cultura de se construir de forma errada torna as nossas cidades, dramaticamente, suscetíveis a acidentes ambientais. O conhecimento técnico deve ser democratizado.
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