Adultos convivem com transtornos sem saber
Um dos fatores que dificultam identificação dos transtornos nessa faixa etária é que sinais são confundidos com traço de personalidade
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O Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) não são limitados à infância, eles persistem ao longo da vida. Só que uma realidade, às vezes negligenciada, chama atenção dos profissionais de saúde: vários adultos convivem com essas condições, mas não sabem.
A psicóloga e consultora técnica em Educação da Federação das Apaes do Estado do Espírito Santo, Claudia Moura de Sant’Anna, explica que um dos fatores que dificultam a identificação dos transtornos nessa faixa etária é que, com frequência, a pessoa afetada e os que estão ao seu redor enxergam os sinais como um traço de personalidade.
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“Não raras as vezes, isso compromete a qualidade de vida das pessoas”, observa.
Segundo o psiquiatra geral da infância e adolescência Rodrigo Eustáquio, muitas vezes o adulto, quando diagnosticado tardiamente com TEA, acaba refletindo algumas dificuldades apresentadas na infância, mas que passaram despercebidas.
“Se ele era uma criança retraída, ele passa para fase adulta com essa retração social, tendo muita dificuldade de trabalhar em equipe. Além disso, a pessoa pode preferir atividades on-line, como jogos no computador. Pode ainda ter dificuldades de se relacionar afetivamente, como em um namoro”.
A psicóloga e mestre em Análise do Comportamento Paula Barcellos Bullerjhann explica que, de acordo com que a pessoa vai ficando adulta e envelhecendo, pode acontecer de os sintomas do transtorno se agravarem.
“A ausência de tratamento e de modificações do comportamento podem fazer com que os sintomas comprometam a funcionalidade da pessoa. Contudo, não existe desenvolver TDAH e autismo na fase adulta. Estamos falando de transtorno do neurodesenvolvimento que está presente desde o início”.
Tratamento
O neuropediatra Raphael Rangel destaca que o pilar principal no tratamento do TEA são as terapias com equipe transdisciplinar.
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“O uso de medicamentos deve ser avaliado de forma individualizada, tendo ênfase principalmente em comorbidades que costumam estar associadas aos pacientes com TEA, como problemas no sono, TDAH e ansiedade”.
Médico descobre autismo aos 37 anos
Durante 37 anos, o médico clínico geral Leonardo Franklin, hoje com 38 anos, conviveu com o autismo sem saber que tinha o transtorno. Há um ano ele descobriu que tem TEA, nível de suporte um, mas até chegar ao diagnóstico enfrentou algumas dificuldades.

Ambientes com muito barulho sempre incomodaram o médico, como quando trabalhou em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Eu falo que sempre escutei o barulho do silêncio, como se tivesse um apito na minha cabeça, e isso está associado à sobrecarga sensorial”.
O incômodo com o trânsito, resultante do TEA, já fez com que Franklin comprasse uma ambulância para trabalhar, na época em que morou no Rio de Janeiro.
O médico relata que na infância teve algumas dificuldades motoras que foram mascaradas. “Na escola, mesmo criança, sempre gostei mais de falar com adultos”.
“O diagnóstico veio até a mim por meio de uma amiga pediatra. Estava fazendo um evento na minha casa, quando morava no Pará, e quando deu 23 horas desliguei o som e mandei todos irem embora. Ela então perguntou se eu era autista. Eu sempre fui conhecido como uma pessoa esquisita, já que tenho TOC”.
O médico então passou por alguns especialistas até receber o diagnóstico. “Tive de criar algumas adaptações na minha vida porque estava tendo muito sofrimento. Saí do Pará e voltei para Vitória para ficar mais perto da minha família e me tratar, e agora atendo meus pacientes da minha clínica do Pará por telemedicina”.
“Existe estigma em cima da condição, mas o único remédio para isso é a informação”.
Preconceito com pessoas que têm transtorno
Apesar dos avanços na compreensão e na conscientização sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA), pessoas diagnosticadas com esses transtornos ainda enfrentam barreiras na sociedade, sendo muitas vezes mal compreendidas, marginalizadas e excluídas, de acordo com especialistas.
“Estes transtornos ainda são cercados de muito preconceito e estigma”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Geraldo Antônio.
“Para combater preconceitos e ajudar os indivíduos acometidos por estes transtornos, é importante buscar informações sobre o tema e conscientizar a sociedade”.
A psicóloga e consultora técnica em Educação da Federação das Apaes do Estado do Espírito Santo, Claudia Moura de Sant’Anna, ressalta que é preciso chamar a atenção da sociedade, no sentido de buscar mais informações a respeito, com evidências científicas robustas e que possam esclarecer o que cada um desses transtornos representa.
“Também é preciso apoiar a diversidade, implementar políticas públicas que possam garantir e melhorar a qualidade de vida e contribuir para diminuir a desigualdade e as injustiças sociais”.
O psiquiatra geral da infância e adolescência Rodrigo Eustáquio frisa que os estigmas têm de ser combatidos por meio da educação em saúde.
Comportamento
O neurologista infantil e especialista em autismo Thiago Gusmão pontua que, mesmo com toda classificação de mais fácil acesso, a maioria da população pensa no Transtorno de Espectro Autista de forma limitada, pensando naquelas crianças com ausência total da fala, dificuldades intelectuais severas, com distúrbios dos movimentos e comportamentos repetitivos.
“Mas existe o nível um de suporte, com altas habilidades cognitivas. Por isso, atualmente, vemos engenheiros, médicos, farmacêuticos, administradores, empresários e pais de família totalmente funcionais porque tiveram uma intervenção precoce de modo mais adequado”, completa o médico.
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