O que se sabe de projeto de ferrovia que 'rasga' o Brasil e liga 2 oceanos
Brasil e China avançaram nas negociações para criar uma rota ferroviária ligando o Atlântico ao Pacífico
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Brasil e China assinaram um acordo para o projeto de uma ferrovia que ligaria Mato Grosso ao porto de Chancay, no Peru. A proposta integra a estratégia chinesa na América Latina e pode redefinir as exportações brasileiras.
Brasil e China avançaram nas negociações para criar uma rota ferroviária ligando o Atlântico ao Pacífico. nesta segunda-feira (7), os países firmaram um memorando de entendimento para estudos sobre a Ferrovia Bioceânica, projeto que conectaria Lucas do Rio Verde (MT) ao Peru, potencialmente ampliando o escoamento da produção brasileira rumo à Ásia. O documento foi assinado durante reunião do subcomitê de infraestrutura da Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), realizada em Pequim.
A assinatura integra um pacote mais amplo de cooperação bilateral. Além da ferrovia, Brasil e China firmaram acordos em áreas como transportes, mineração, telecomunicações e inteligência artificial.
O projeto prevê uma ferrovia que partiria de Lucas do Rio Verde (MT), polo agrícola do país, seguindo pela Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) até Mara Rosa (GO), onde se conectaria à Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste). Essas duas ferrovias formam o eixo logístico que liga o Centro-Oeste ao litoral do Atlântico, por Ilhéus (BA), e serviriam como base para o trecho bioceânico rumo ao Peru.
Da região de Lucas do Rio Verde, o traçado avançaria em direção oeste, cruzando Rondônia e o sul do Acre até alcançar a fronteira peruana. No Peru, a ferrovia transporia a Cordilheira dos Andes, chegando ao porto de Chancay, no Pacífico, a cerca de 70 km de Lima. Os estudos técnicos definirão o traçado exato, incluindo municípios percorridos e pontos de integração logística.
Por ora, o memorando autoriza apenas a realização de estudos técnicos, econômicos e ambientais. Não há definição sobre orçamento ou cronograma de execução. Qualquer decisão dependerá dos resultados desses estudos, segundo nota do governo brasileiro.
Detalhes do projeto
A Ferrovia Bioceânica faz parte de um corredor logístico planejado há mais de uma década para conectar o Brasil ao mercado asiático sem depender de rotas marítimas tradicionais. Seus trechos brasileiros, a Fiol e a Fico, estão em diferentes estágios de implantação e são considerados estratégicos para reduzir custos logísticos do agronegócio e da mineração nacionais. O segmento bioceânico prolongaria essa malha até o Pacífico, criando uma alternativa terrestre que dispensaria a travessia pelo Canal do Panamá ou o contorno pelo Cabo Horn.
O ponto final do projeto é o porto de Chancay, recém-inaugurado e controlado pela estatal chinesa Cosco Shipping Ports. Localizado a cerca de 70 km de Lima, o terminal é considerado hub logístico estratégico para escoamento de commodities sul-americanas e entrada de manufaturados chineses na região. O Ministério do Planejamento destaca que a conexão ao porto amplia as possibilidades comerciais do Brasil e fortalece sua infraestrutura continental.
Especialistas apontam que o projeto integra a BRI (Belt and Road Initiative), conhecida como Nova Rota da Seda. Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2022 aponta que a BRI é uma estratégia geoeconômica chinesa que combina investimentos em infraestrutura com projeção global de poder, garantindo acesso a matérias-primas, expandindo o uso internacional da moeda chinesa e fortalecendo cadeias logísticas sob sua influência.
A iniciativa também responde a desafios internos da China. Segundo o estudo, a Nova Rota da Seda contribui para reduzir excedentes industriais, promover o desenvolvimento de províncias menos ricas no interior do país e ampliar rotas de abastecimento consideradas seguras, em um cenário de crescente rivalidade geopolítica com os Estados Unidos.
Impactos esperados
Estima-se que a ferrovia possa reduzir em até 10 mil km o trajeto marítimo de exportações brasileiras para a Ásia. Dados publicados pela Reuters em maio de 2025 indicam que a conexão ferroviária poderia diminuir o tempo de transporte de grãos, carne e minérios ao mercado asiático em cerca de duas semanas, aumentando a competitividade do agronegócio e da mineração nacionais.
Ambientalistas alertam para riscos socioambientais caso o projeto avance. Embora o memorando não defina o traçado, propostas anteriores incluíam rotas por áreas sensíveis da Amazônia e trechos complexos da Cordilheira dos Andes, com potencial impacto sobre ecossistemas frágeis e territórios indígenas. Organizações ambientais defendem, segundo apuração da Reuters, que os estudos incluam avaliações aprofundadas de impacto e consultas prévias às comunidades locais.
Os estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental definirão os próximos passos. O governo brasileiro afirma que qualquer decisão sobre execução, traçado e financiamento dependerá desses estudos, que ainda não têm prazo para conclusão. O tema continuará sendo debatido no âmbito da Cosban, principal instância bilateral de diálogo Brasil-China.
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