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Cidades

A face oculta: veja os municípios da RMR que mais se omitem diante do feminicídio

Pesquisa do Tribuna Online revela que apenas quatro cidades da RMR possuem programas específicos para enfrentar esse crime


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Imagem ilustrativa da imagem A face oculta: veja os municípios da RMR que mais se omitem diante do feminicídio

Apesar de o feminicídio ser um crime com raízes culturais, sociais e estruturais, e de a segurança pública ser prioritariamente responsabilidade dos governos estadual e federal, é nos municípios onde os homens continuam matando as mulheres que dizem amar.

Na segunda matéria da série “Que amor é esse?,” o site Tribuna Online, da TV Tribuna/Band, fez uma análise da presença de leis e programas concretos de combate ao feminicídio nas 14 cidades da Região Metropolitana do Recife (RMR).

Durante o levantamento, foi possível observar dificuldade de acesso às informações nas legislações municipais e uma uma realidade preocupante: a inércia de grande parte dos municípios diante de um problema que não apenas destrói vidas, mas também impacta profundamente comunidades inteiras. 

Municípios, aliás, governados majoritariamente por homens e com predominância de representantes do sexo masculino nas Câmaras Municipais. É o pacote dos sonhos para os que ainda se acham donos das mulheres.

Segundo a escritora e ativista Diana Russel, o feminicídio é um tipo de crime definido "como terrorismo sexual, um mecanismo social para manter as mulheres sob controle, em uma manifestação masculina pública de poder".

Apenas quatro cidades da RMR têm ações relevantes contra o feminicídio

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Em 10 municípios da Região Metropolitana do Recife, as ações são, no máximo, pontuais e insuficientes |  Foto: Divulgação

Os dados levantados pela reportagem mostram que apenas quatro, dos 14 municípios da RMR, possuem ações específicas para enfrentar esse tipo de violência.

As cidades que têm programas aprovados em Lei são Recife, Camaragibe, Olinda e Igarassu, algo mais difícil de mudar na troca de comando de prefeitos ou prefeitas. Entre os municípios que possuem iniciativas, Recife, capital de Pernambuco, destaca-se como o mais estruturado, adotando o programa "Viver Sem Violência", que trabalha a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e sexista.

Além disso, o auxílio "Cria Esperança", instituído por lei e regulamentado, prevê suporte financeiro a órfãos do feminicídio, um exemplo de como políticas públicas podem mitigar os impactos diretos desse crime.

A criação de um dia em memória às vítimas de feminicídio também mostra um esforço em construir uma narrativa de conscientização.

Olinda, por sua vez, segue uma abordagem semelhante com o programa "Olinda Acolhe", que provê suporte financeiro a famílias que cuidam de órfãos do feminicídio. Contudo, a iniciativa ainda carece de um escopo mais abrangente para atuar também na prevenção.

A proibição de nomear condenados por violência contra a mulher é mais simbólica, mas reflete a intenção de combater a normalização da violência de gênero.

Já em Camaragibe, a criação da "Brigada Maria da Penha" é um passo importante no sentido de proteção às mulheres. Ainda que seu foco não seja exclusivamente o feminicídio, a brigada pode contribuir para a redução desse tipo de crime.

Por fim, Igarassu traz uma lei específica para órfãos do feminicídio, mostrando preocupação com as vítimas indiretas, mas falha em estabelecer ações voltadas para a prevenção.

Os que não fazem: a ausência é regra, não exceção

Nos outros 10 municípios da Região Metropolitana do Recife, as ações são, no máximo, pontuais e insuficientes. Abreu e Lima, por exemplo, criou um dia municipal de combate ao feminicídio, mas sem desdobramentos práticos.

Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca têm leis que vetam a nomeação ou contratação de condenados por feminicídio e violência contra a mulher, mas essas iniciativas, embora importantes, não substituem políticas públicas de impacto direto.

Já São Lourenço da Mata possui uma lei que institui a Semana Municipal de Combate à Violência Contra a Mulher - poucos dias para combater um crime estranhanhado nas instituições.

Eles se sentem sempre mais fortes

A ausência de políticas públicas, ou falta de cumprimento, também é uma política pública. A morte de Fernanda Luiza Fernandes, de 27 anos, no dia 17 de novembro passado, é um exemplo de como o poder público tem falhado com as mulheres, inclusive o municipal. Fernanda foi morta a tiros pelo ex-companheiro em um terreno baldio em Jaboatão dos Guararapes, na noite de domingo (17), no bairro de Sucupira.

Após o crime, o homem, de 35 anos, tirou a própria vida no mesmo local. Ele não teve o nome divulgado pela Polícia Civil. A vítima, que trabalhava como designer de sobrancelhas, e o agressor tinham uma filha de 5 anos.

O Instituto de Criminalística realizou a perícia no local, e os corpos de Fernanda e do criminoso foram encaminhados ao Instituto de Medicina Legal (IML), em Santo Amaro, no Recife.

O caso foi registrado como feminicídio seguido de suicídio. O feminicídio em Jaboatão é um dos exemplos de como os municípios não podem mais se eximir desse debate.

Leis e prevenção são algumas das saídas

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Segundo o estudo "Feminicídios: estudo em capitais e municípios brasileiros de grande porte populacional, os assassinatos ocorrem contra uma mulher que saiu do seu lugar |  Foto: Divulgação

Para combater efetivamente o feminicídio, é necessário que os municípios adotem leis e programas que:

Previnam: Educação e conscientização em escolas, comunidades e empresas.

Protejam Fortalecimento de redes de apoio, como casas-abrigo e patrulhas específicas.

Reparem: Suporte financeiro, psicológico e social para as vítimas e seus familiares.

Segundo o estudo "Feminicídios: estudo em capitais e municípios brasileiros de grande porte populacional, os assassinatos ocorrem contra uma mulher que saiu do seu lugar, ou seja, de sua posição subordinada e tutelada em um sistema de status.

"O deslocamento da mulher para uma posição não destinada a ela na hierarquia do modelo tradicional desafia a posição do homem nessa estrutura e os códigos morais estipulam que ela deve ser punida ou até mesmo morta”, diz um trecho do levamento, que analisa cidades 

Segundo Débora Andrade, coordenadora da Defensoria Pública Da Mulher, é necessário atuar com viés educativo antes de violência acontecer ou logo que se inicia, a fim de evitar a escalada e agravamento da situação.

“A violência doméstica tende a não iniciar pela violência física, inicia com a violência moral, psicológica, sexual, patrimonial (que são entendidas como forma mais “leves”, mas anunciam um futuro mais arriscado para aquela mulher”.

As cidades mais omissas

O Tribuna Online não encontrou leis de combate ao feminicídio em cidades como Jaboatão dos Guararapes, Moreno, Itapissuma, Araçoiaba, e Ilha de Itamaracá. As cinco não possuem qualquer legislação voltada ao combate ao feminicídio. Uma ausência que reflete a negligência com um problema que atinge diretamente mulheres e famílias em suas comunidades.

A desconexão entre o local e o global

É fundamental reconhecer que os municípios, mesmo com recursos limitados, são o território onde os crimes acontecem e onde os impactos são mais sentidos. A ausência de programas locais reflete uma falta de percepção da urgência do problema e uma desconexão com as políticas estaduais e federais.

Embora ações como o Programa Estadual Mulher Viver Sem Violência e a Casa da Mulher Brasileira existam em Pernambuco, sua eficácia depende da articulação com os municípios, que muitas vezes não ocorre.

Além disso, a troca de gestões municipais é um desafio significativo. Sem a institucionalização de programas por meio de leis robustas, muitas iniciativas são abandonadas ou negligenciadas a cada novo mandato, o que perpetua a sensação de abandono das vítimas e suas famílias.

Impacto da omissão: números que não mentem

Neste ano, até o dia 13 de dezembro, Pernambuco registrou 63 casos de feminicídio, de acordo com o Monitor de Feminicídios no Brasil. Em termos quantitativos, é o segundo estado do Nordeste com mais registros desse tipo de crime.

Esses números, apesar de alarmantes, não parecem suficientes para impulsionar ações locais. A falta de programas preventivos reflete diretamente no aumento da violência, enquanto a ausência de suporte financeiro e psicológico para as famílias agrava as consequências do crime.

A análise mostra uma RMR que, em sua maioria, negligencia a urgência do combate ao feminicídio. Enquanto Recife assume um protagonismo, a omissão de cidades como Jaboatão dos Guararapes e Paulista, com populações expressivas, evidencia a falta de prioridade na agenda política local. Essa negligência perpetua a violência e fragiliza o tecido social, mantendo intacta a pergunta que dá nome à série: "Que amor é esse?"

Veja abaixo, as leis de cada cidade ou omissão, em relação ao feminicídio

Abreu e Lima

Lei Ordinária 1162/2021 - Institui o Dia Municipal de Combate ao Feminicídio, com o objetivo de conscientizar a população sobre a violência de gênero e promover ações de prevenção e apoio às vítimas.

Araçoiaba

Nenhuma legislação encontrada.

Cabo de Santo Agostinho

Lei Ordinária 3889/2023 - Cria o Selo Lilás, um reconhecimento às empresas que atuam ativamente no combate à violência contra a mulher no município.

Lei Ordinária 3788/2022 - Veda a nomeação de pessoas condenadas pela Lei do Feminicídio para cargos em comissão dentro do município.

Camaragibe

Lei Ordinária 819/2020 - Criação da "Brigada Maria da Penha", um programa no município com o objetivo de combater a violência doméstica e familiar contra as mulheres.

Igarassu

Lei nº 3.303, de 14 de outubro de 2021 - Estabelece a Política Municipal de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos do Feminicídio, com medidas de apoio às crianças e adolescentes que perderam a mãe em situações de feminicídio.

Ilha de Itamaracá

Nenhuma legislação encontrada.

Ipojuca

Lei nº 2054/2022 - Proíbe a contratação de pessoas condenadas por crimes de violência contra a mulher e outros crimes relacionados com a violação de direitos humanos para cargos públicos no município.

Itapissuma

Nenhuma legislação encontrada.

Jaboatão dos Guararapes

Nenhuma legislação encontrada com a palavra "feminicídio".

Moreno

Nenhuma legislação encontrada sobre feminicídio.

Olinda

Lei nº 6216/2022 - Proíbe a nomeação de condenados por crimes de violência contra a mulher para cargos públicos no município de Olinda.

Olinda Acolhe (18/10/2022) - Institui um benefício de um salário mínimo para famílias que acolherem crianças e adolescentes filhos de vítimas de feminicídio.

Paulista

Lei nº 4.807 (regulamentada por decreto) - Estabelece políticas públicas para mulheres, com foco em auxílios como moradia, transporte e cestas básicas para mulheres em situação de violência doméstica e vulnerabilidade social.

Recife

Lei Ordinária 19124/2023 - Institui o Dia Municipal de Enfrentamento ao Transfeminicídio, em memória às vítimas de violência de gênero, celebrado anualmente no dia 24 de junho.

Lei Ordinária 18891/2022 - Veda a nomeação para cargos em comissão de pessoas condenadas pela Lei Maria da Penha e pela Lei do Feminicídio.

Lei Ordinária 18908/2022 - Cria o Auxílio Municipal "Cria Esperança", destinado a órfãos e órfãs vítimas de feminicídio.

Lei Ordinária 18931/2022 - Institui o Dia de Memória às Vítimas de Feminicídio Recifenses.

Decreto 32487/2019 - Cria o programa "Viver Sem Violência", voltado para a prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher.

São Lourenço da Mata

Lei nº 2.713/2019 - Estabelece a Semana Municipal de Combate à Violência Contra a Mulher, com atividades educativas e de conscientização realizadas anualmente na última semana de novembro.

Essas leis e decretos são fundamentais para criar redes de proteção e conscientização sobre o feminicídio e as violências de gênero, ajustando-se à realidade de cada município.

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