Ação judicial por ficar sem viajar
Agências virtuais de turismo como a Hurb e a 123Milhas são os alvos nos processos. Há consumidores que esperam já por 3 anos
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Mais de 3 mil turistas do Espírito Santo estão com processo na Justiça aguardando para receber reembolso de agências virtuais de viagens que não cumpriram com o combinado. Há quem esteja esperando há mais de um ano por uma resolução.
Os dados são do Conselho Nacional de Justiça e envolvem empresas como a Hurb (antigo Hotel Urbano) e a 123Milhas. Só a Hurb, por exemplo, tem 2.626 processos pendentes no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES) e no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que engloba o Espírito Santo e o Rio de Janeiro.
Há clientes que estão há mais de três anos aguardando retorno. A advogada Priscila Gomes Santana de Araújo, que representa mais de 200 clientes em processos contra a Hurb, contou que há casos de turistas que não conseguem viajar desde 2021.
Uma de suas clientes, que mora no Estado, comprou um pacote de viagem para Roma e Paris, em 2022, mas não havia conseguido fazer a viagem.
Ela entrou com ação na Justiça, representada pela advogada, e ganhou a causa contra a Hurb. A Justiça determinou que a companhia agendasse a viagem até junho deste ano e pagasse uma indenização a consumidora de R$ 3 mil pelos danos morais.
Procurada, a Hurb diz reconhecer os problemas enfrentados nos últimos meses, mas ressalta que segue trabalhando em força-tarefa para normalizar as operações.
Outro caso é o de um escritor, de 26 anos, que preferiu não se identificar. Em 2021, ele comprou dois pacotes flexíveis de viagens para San Andrés e Cartagena, no Caribe Colombiano, mas a Hurb não honrou o compromisso.
A viagem seria em 2023. A empresa pediu para remarcar as datas duas vezes, mas não teve disponibilidade. Depois disso, ele optou pelo reembolso, que era para ter sido pago no fim de 2023, mas não recebeu o dinheiro de volta, o que o levou a entrar com uma ação.
No caso da 123Milhas, a operadora também é acusada de suposta irregularidade, de acordo com o Uol, segundo o qual ela recebia o valor da reserva pago pelo cliente e não pagava ao hotel. Também não reembolsava o cliente, em caso de cancelamento.
A empresa disse ao portal Uol que as reservas de antes de agosto de 2023 não pagas serão incluídas na recuperação judicial.
Prejuízo milionário a hotéis
Com a venda dos pacotes e o descumprimento do contrato, a crise da Hurb e do 123Milhas chegou aos hotéis, que passaram a não receber pelas reservas realizadas.
No Espírito Santo os prejuízos já ultrapassaram R$ 1 milhão, de acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Espírito Santo (ABIH-ES), Fernando Otávio Campos.
“Além do dinheiro da reserva não recebida, que já são operações de menor valor por diária, temos os custos gerados pelo cliente, custos extras por mudança de quartos, a frustração de receitas pois muitas vezes estas reservas são de períodos de alta temporada”.
Há custos jurídicos, em alguns casos, e prejuízos em relação a imagem do hotel que não é responsável pelo problema, mas lida diretamente com o cliente. Fernando Otávio esclareceu que esses problemas afetam em média 5% do faturamento do setor, porém em alguns hotéis isto pode chegar à 15% de suas receitas.
“Com essas empresas trazendo insegurança para o mercado, vemos turistas perdendo a confiança de planejar uma viagem para o futuro. Os turistas vão precisar aprender a comprar diretamente e antecipadamente não só as passagens aéreas, mas também as reservas nos hotéis e os passeios. Planejar a viagem com antecedência é a melhor forma de ter a melhor experiência”, relata Fernando Otávio.
Fundadores do Hurb viram réus
Os irmãos fundadores do Hurb, João Ricardo e José Eduardo Mendes, se tornaram réus por estelionato numa ação penal proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
A acusação se refere ao não ressarcimento de R$ 3.957,60 a uma cliente que pagou por uma viagem para Porto Seguro (BA) que acabou não sendo agendada em razão da crise instalada na empresa. A Promotoria pediu o bloqueio do valor nas contas do Hurb.
Procurada, a empresa não se manifestou até o fechamento desta edição.
A denúncia afirma que os dois empresários induziram uma cliente a erro “mediante fraude, simulando a realização de compra de um pacote de viagem, o que não ocorreu”.
A companhia passa por uma crise após uma série de relatos de calotes em hotéis e pousadas, que acabam por cancelar as reservas, prejudicando a viagem de milhares de pessoas.
Desde setembro deste ano, a empresa passou a oferecer um upgrade para os clientes que adquiriram os chamados pacotes de datas flexíveis, modelo no qual o consumidor escolhia três opções de data para a viagem e que virou alvo da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) após consumidores e hotéis relatarem calotes por parte da empresa.
As vendas do pacote flexível estão suspensas, mas as viagens adquiridas anteriormente devem ser cumpridas pela Hurb, de acordo com a Senacon.
SAIBA MAIS
Crise com pacotes para datas flexíveis
Crise da Hurb
O Hurb, antigo Hotel Urbano, faz parte do mercado de compras de viagens on-line no Brasil desde 2011. A empresa oferecia pacotes de viagens promocionais pelo sistema de “datas flexíveis”, que significa que os destinos não possuem uma data fixa para serem realizados.
Para viabilizar as viagens, a empresa fazia uma aposta em preços baixos de passagens e hospedagens para vender pacotes com valores abaixo da média. A partir da compra, a empresa precisava garimpar os dias de voo e estadia mais baratos — por isso, sem data marcada.
A partir de abril de 2023, o modelo ruiu: com o aumento dos preços de passagens e hospedagens após o baque da pandemia de covid, o Hurb precisou cancelar ou adiar indefinidamente os pacotes promocionais.
Na época, hotéis e pousadas suspenderam reservas de hospedagem feitas pelo Hurb após atrasos ou falta de pagamentos da plataforma.
A crise provocou a saída do CEO da empresa e uma operação para realocação das viagens e reembolsos para os clientes que tiveram suas passagens canceladas. Muitos, porém, não receberam até hoje.
123Milhas
Fundada em 2017, é concorrente do Hurb, pois também atuava com o modelo de viagens promocionais com datas flexíveis. Da mesma forma, entrou em crise e anunciou a suspensão dos pacotes e da emissão de passagens da linha promocional.
Alegando crise anterior à situação com o pacote “Promo”, a empresa reportou mais de R$ 2 bilhões em dívidas e precisou recorrer a uma recuperação judicial.
A 123Milhas não conseguiu aprovar o plano até hoje. A recuperação judicial enfrentou duas suspensões no TJMG, em setembro de 2023 e em janeiro de 2024, atrasando o processo.
No dia 1° de março deste ano, a Justiça voltou a ordenar a retomada da recuperação judicial da agência de viagens, mas ainda não há data para a apresentação do plano.
O que fazer?
Cláudia Trief Roitman, advogada especialista em direito civil, afirma que, devido ao fato de a 123Milhas estar em uma recuperação judicial, a melhor opção para o consumidor seria propor uma ação na Justiça, uma vez que as dívidas estão congeladas.
Neste caso, o processo serviria para pedir o cumprimento forçado da oferta ou a devolução do valor.
No entanto, o consumidor, chamado de credor quirografário, é um dos últimos a receber o pagamento em uma empresa que entra em recuperação judicial.
Se depois dessas etapas a 123Milhas não tiver dinheiro suficiente para quitar os débitos dos clientes, será dividido o valor restante entre eles.
Já o Hurb não está em recuperação judicial, o que significa que ela está funcionando apesar da crise financeira.
Neste caso, a advogada relata que pode ser mais vantajoso mover uma ação contra o Hurb do que contra a 123Milhas, uma vez que a primeira não tem a obrigação de seguir uma lista de credores.
Porém, Cláudia afirma que o processo não é rápido, podendo demorar de um a três anos para ser concluído.
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