A fé dos homens
Coluna publicada na edição deste domingo (16), do jornal A Tribuna
Não faz muito tempo a Anistia Internacional emitiu um alerta sobre o massacre sofrido pelos albinos no Malawi – os coitados são rotineiramente sequestrados e esquartejados, sendo então vendidos aos pedaços para religiosos que os utilizam em rituais. Acredita-se que poções preparadas com pedaços de corpos de albinos tragam saúde e boa sorte.
Na Arábia Saudita, 15 adolescentes morreram vítimas de um incêndio ocorrido na escola onde estudavam – os agentes religiosos trancaram as portas e não deixaram que elas saíssem porque, na correria, esqueceram suas túnicas e véus.
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Vem deste mesmo país o caso do passageiro condenado a 72 chicotadas e quatro meses de prisão por desembarcar no aeroporto portando dois chocolates recheados com licor.
Ainda lá um idoso de 74 anos viu-se condenado a amargar 350 chicotadas por possuir vinho. E no Yemen, quatro jovens receberam 80 chicotadas cada um por conta do mesmo ato.
No Haiti, uma epidemia de cólera foi atribuída por líderes religiosos à ação de feiticeiros – que em seguida foram linchados quase que às centenas pela população enfurecida.
Na Índia, Yanadi Kondaiah era considerado um homem puro. Por conta disso teve sua perna arrancada a serrote por religiosos que a usaram em um ritual. No mesmo país duas crianças foram sacrificadas na fogueira, sob as vistas de toda a população de um vilarejo, em agradecimento por uma vitória – esportiva – de dado atleta local.
Uma outra, de 7 anos de idade, teve seu fígado oferecido aos deuses para melhorar as colheitas. Ainda lá uma multidão enfurecida linchou um senhor de 50 anos de idade sob a acusação de manter carne de vaca no congelador de sua casa – descobriu-se depois que era carneiro.
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Na Indonésia, uma jovem de 19 anos e seu namorado de 21 foram açoitados publicamente simplesmente porque passeavam pelas ruas de Aceh – ato considerado indecente. Na mesma ocasião foram punidos de igual forma seis jovens cujo único 'pecado' foi ingerir bebidas alcoólicas em uma festa. Também neste país uma senhora foi sentenciada a 18 meses de prisão por reclamar da poluição sonora originária de uma mesquita próxima.
No Irã, dois poetas foram presos e condenados a 99 chicotadas cada um por terem cumprimentado mulheres apertando suas mãos quando do lançamento de um livro – de poesias – que escreveram. No Egito, um advogado proclamou ser “dever nacional” estuprar mulheres que estiverem vestindo calças “jeans” rasgadas. No Quênia, mulheres estão a lutar contra uma tradição que exige sexo com estranhos para a purificação de viúvas.
No Congo, condenada por servir peixe no tempo incorreto, uma mulher foi estuprada, chicoteada, decapitada a machadadas e teve seu sangue bebido pelos executores. Na Síria, uma menina foi apedrejada até a morte simplesmente por manter conta no “Facebook”.
Diante de todas estas tragédias, rigorosamente atuais, jamais tão próprias as palavras de Pascal: “Nunca o ser humano pratica o mal tão completamente e com tanto prazer como quando o faz por convicção religiosa”.
Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo