Trump sabe o que está fazendo?
Confira a coluna de domingo (20)
Trump não acredita em “soft power”, a habilidade de persuadir com brandura. Por se achar o mais forte, apela para a intimidação e a grosseria. Do alto de seu poderio militar, começou o segundo mandato como quem ia fazer e acontecer. Até agora, porém, os resultados foram pífios.
As guerras no Oriente Médio e na Ucrânia, que ele prometeu acabar em um dia, continuam destruindo e matando. As questões ligadas à imigração estão longe de serem encaminhadas, e o pior para ele é que já se fazem ouvir as primeiras vozes de resistência ao radicalismo.
Alan Garber, presidente de Harvard, mesmo com o risco de perder 7 bilhões de dólares em financiamentos públicos, afirmou que não vai abrir mão de sua independência, nem de seus direitos constitucionais. Tornou-se um símbolo e começou a influenciar outras universidades.
O juiz James Boasberg promete denunciar o governo por desacato à Justiça, caso a Casa Branca continue ignorando a liminar que proibia a deportação de cidadãos venezuelanos que viviam nos EUA, amparados por um programa especial criado por Joe Biden em 2013. Juristas vislumbram em seu desassombro uma crise constitucional no horizonte.
Por sua vez, o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, da ala à esquerda do Partido Democrata, estão batendo recordes de assistência na turnê de comícios que fazem em vários estados, com o expressivo título de “Fighting Oligarchy”.
Trump distribui impropérios e ameaças, sem, contudo, calar os adversários, dos quais o mais relevante é Jerome Powell, presidente do FED, equivalente ao nosso Banco Central. Com firmeza, Powell anunciou que manterá as taxas de juros no patamar em que se encontram, sem cortes, e explicou que as tarifas causaram desaceleração da economia norte-americana no primeiro trimestre, e têm potencial para aumentar a inflação, diminuir o consumo e causar dano à economia como um todo.
Os 90 dias de adiamento da entrada em vigor das tarifas mais altas continuam pairando sobre o mundo como uma espada de Dâmocles que pode introduzir o caos a qualquer momento. Na Corte em que Trump transformou a Casa Branca, onde ele passeia como um Luís XIV oxigenado, os sicofantas minimizam o risco e juram que Trump sabe o que está fazendo. Essa hipótese precisa ser avaliada com cuidado.
Está implícito na análise de Jerome Powell que o pior efeito das idas e vindas das tarifas é a quebra da confiança dos investidores. A desconfiança atua também sobre os bônus do Tesouro americano, ou “treasuries”, equivalentes ao nosso Tesouro Direto, títulos para financiar a dívida do governo.
Em 2025, está previsto o lançamento de até 15 trilhões de “treasuries”, e há analistas roendo as unhas, na expectativa da demanda que vão gerar. No momento, Japão, Suíça e China, que detêm cerca de 30% da dívida pública dos EUA, estão se desfazendo dos bônus que têm. Até aqui, atuam com moderação, pois sabem que uma crise americana afetaria os bancos de todo o mundo. Mas, a conjuntura política pode alterar o quadro e a China é a variável crítica nesse contexto.
Trump acredita que a China se tornou uma superpotência devido ao comércio e quer evitar a qualquer custo os seus superávits comerciais. A obsessão trumpista se assemelha à que a Alemanha nazista, nos anos 1930, devotava aos Estados Unidos.
Na tese desenvolvida pelo historiador britânico Adam Tooze em seu livro “The wages of destruction: the making and breaking of the Nazi economy”, ainda não traduzido para o português, os alemães estavam obcecados pelo receio de serem superados pelos americanos e estavam dispostos a empregar todos os meios, inclusive a conquista de territórios e a submissão de governos, para gerar superávits maiores do que os dos EUA.
Essa tese está atraindo a atenção de vários estudiosos, até porque lança uma luz ainda mais ameaçadora sobre as ameaças de conquista da Groenlândia e de transformação do Canadá em estado da federação americana. Põe holofotes também sobre o “Acordo de Mar-a-Lago”, que mencionei na crônica de 16 de março deste ano.
Nem de longe pretendo insinuar que Trump leu o livro do inglês ou qualquer outro. Porém, as ideias de Stephen Miran e Scott Bessent anuviam o sistema financeiro internacional e, sem dúvida, merecem uma avaliação detida. Voltarei oportunamente a este tema.
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