O que dizem os bebês reborn sobre nós?
Confira a coluna desta quinta-feira (15)
Nos últimos dias, os bebês reborn tomaram conta das redes sociais e das manchetes digitais. São bonecos incrivelmente realistas, idênticos a bebês humanos, que aparecem em vídeos sendo alimentados, embalados, trocados, etc.
Em muitos casos, suas “mães” – mulheres adultas – descrevem rotinas cuidadosas, quase indistinguíveis das de uma mãe real com um recém-nascido.
O impacto nas redes é imediato: estranhamento, julgamento, curiosidade e, não raro, críticas ferozes.
“Isso é loucura!”, “Essas pessoas estão fugindo da realidade!”, afirmam outros. A inquietação pública parece nascer da mesma fonte: o medo do que não compreendemos.
Afinal, o que leva alguém a cuidar de um boneco como se fosse um bebê real?
Freud, em seus estudos sobre o fetichismo e a realidade psíquica, já nos alertava que nem tudo que é vivido no plano simbólico é necessariamente ilusão. Para o sujeito, aquilo é real.
E Winnicott, ao falar do objeto transicional – aquele ursinho ou paninho que a criança leva para todos os cantos – nos mostrou que usamos representações para suportar perdas, angústias e momentos de transição.
Talvez os reborn sejam isso: objetos transicionais ampliados para adultos em processo de luto, solidão ou reconfiguração de sentido. É impossível não lembrar do filme “Inteligência Artificial (A.I.)”, no qual uma mãe, ao perder seu filho, “adota” um robô projetado para substituí-lo.
A ideia parece absurda, mas o sofrimento humano tem caminhos complexos para buscar reparação.
A dor da ausência, especialmente da maternidade interrompida ou impossibilitada, encontra nas formas simbólicas – e até fantasiosas – uma via de sobrevivência emocional.
No entanto, nem todas as “mães de reborn” estão vivenciando um luto. Muitas afirmam nas redes que se trata apenas de uma forma de hobby, coleção ou até brincadeira adulta, como uma extensão de algo que viviam na infância.
Algumas organizam encontros em praças, compartilham dicas de cuidados e se emocionam ao receber um novo bebê pelo correio – cuidadosamente embalado, com certidão de nascimento e tudo.
A pergunta que fica é: por que isso nos assusta tanto? Vivemos em uma sociedade que consome reality shows, acompanha vidas alheias em tempo real e normaliza adultos vestidos de unicórnios em festas temáticas.
Mas uma mulher com um boneco nos braços é vista como “instável”, “louca”. A crítica diz mais sobre a nossa intolerância ao diferente do que sobre o fenômeno em si.
É claro que o excesso, em qualquer área da vida merece atenção.
Quando a linha entre o simbólico e o real se rompe, e uma brincadeira se torna uma negação total da realidade, pode haver sofrimento.
É papel da psicologia, nesse caso, acolher, compreender, escutar – não rotular.
Minha esperança é que, para a maioria, os bebês reborn sejam apenas uma forma de expressão simbólica, de afeto, de afago num mundo cada vez mais árido.
Que não seja um grito de socorro silencioso, ignorado por trás de filtros e algoritmos. Mas, se for, que saibamos escutar com empatia e não com preconceito.
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