Risco da censura digital no País
STF julga mudança no Marco Civil que pode enfraquecer a liberdade de expressão e abrir brechas para censura em plataformas digitais
A internet brasileira vive um momento decisivo. Em julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.037.396, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa se as plataformas digitais devem ser responsabilizadas civilmente por conteúdos ofensivos publicados por terceiros, mesmo sem a existência de ordem judicial determinando sua remoção.
A decisão desse julgamento pode alterar profundamente os pilares que sustentam a internet no Brasil desde a promulgação do Marco Civil da Internet, em 2014. O Marco Civil Internet (Lei 12.965/2014) não é uma lei qualquer.
Ele representa um dos marcos mais democráticos da legislação digital mundial, consagrando a liberdade de expressão como princípio estruturante da internet brasileira. Isso está claramente expresso em seu artigo 2º – “A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão” –, reiterado no artigo 3º, inciso I, e reforçado no artigo 8º, que declara: “A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”.
A interpretação desses dispositivos foi materializada de forma contundente no artigo 19 do Marco Civil, que estabelece que os provedores de aplicações, como redes sociais, só podem ser responsabilizados por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem as medidas cabíveis para removê-lo.
Ou seja, o simples pedido da pessoa ofendida, por mais legítimo que pareça, não é suficiente para gerar responsabilidade automática das plataformas.
Esse modelo jurídico protege o debate democrático e evita um perigoso precedente: o da censura privada. Permitir que conteúdos baseados em opinião sejam removidos por pressão direta ou sem decisão judicial seria negar a espinha dorsal do Marco Civil e enterrar o princípio da liberdade de expressão na internet.
E mais: abriria margem para que plataformas atuassem como censores, removendo conteúdo não por violarem a lei, mas por medo de sanções jurídicas.
É evidente que conteúdos ofensivos não devem ser tolerados. Mas a resposta correta não é a censura, e sim a responsabilização criminal e civil do autor da postagem, conforme prevê o ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal já garante meios adequados para que ofendidos busquem reparação – inclusive com a remoção do conteúdo, desde que devidamente avaliada e determinada por um juiz.
Declarar a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil seria destruir um dos principais instrumentos de proteção à liberdade de expressão já criados no País.
Seria, na prática, permitir que qualquer discurso incômodo, mas legítimo, fosse silenciado sem a devida mediação do Poder Judiciário. A democracia digital brasileira está em jogo. E ela só se sustenta com liberdade de expressão sem censura.
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