Sumiço de quadro em igreja é mistério há mais de 70 anos
Obra renascentista, que veio da Itália, está estimada em R$ 260 milhões
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O caso do desaparecimento de um quadro da Virgem Maria e do Menino Jesus, na Igreja Católica de Baunilha, em Colatina, no Noroeste do Estado, em 1950, é um grande mistério, mesmo depois de mais de 70 anos.
A obra seria do célebre pintor renascentista Rafael e seu valor é estimado em US$ 47 milhões (R$ 260 milhões em valores atuais).
Um restaurador italiano teria agido de forma desleal e levado a obra para o Rio de Janeiro para comprovar sua autenticidade, sem nunca ter voltado.
“Antes de ir embora, logo que terminou o afresco na cúpula da Igreja de Baunilha, Giuseppe Irlandini persuadiu Rodolfo Spairani – guardião do quadro da Madona (representação artística da Virgem Maria) – e levou a obra para o Rio de Janeiro no intuito de certificar seu valor. Nunca mais voltou”, contou o aposentado Pedro Dias, 79 anos.
Pedro é bisneto de Ambrósio Morandi e Francesca Brumatti, imigrantes italianos que vieram para o Espírito Santo no século 19 e teriam trazido a “Madona de Baunilha”, recém-atribuída ao artista Rafael Sanzio, na bagagem.

Se comprovada a autenticidade da relíquia renascentista e a obra fosse restituída aos seus herdeiros, a fortuna seria dividida entre descendentes do casal. Com a alta do dólar, eles poderiam receber o equivalente a uma bolada da Mega-Sena: R$ 260 milhões.
Na década de 1990, o restaurador italiano foi acusado pela polícia do Rio de Janeiro de vender obras de arte falsificadas. Ele morreu em 1997, aos 73 anos.
Na época do suposto roubo, Giuseppe Irlandini teria deixado como pagamento objetos bem menos valiosos. “Ele deixou como pagamento uma espingarda e uma garrucha”, relatou Pedro.
O aposentado destacou também o extremo cuidado dos envolvidos no suposto roubo. Eles teriam embalado a peça com fardos de algodão protegidos por tablados de madeira.
“Sem dúvida era o quadro que minha mãe, Idalba Morandi, dizia ser valioso. Ficou na cabeceira da cama do bisnono até o fim da vida dele. Ele era um homem simples e correto. Como poderia imaginar que guardava uma fantástica riqueza em casa? No meu entender, foi roubo. Deve ter sido vendido por um dinheirão”, comentou Pedro Dias, que atualmente mora em Bicanga, na Serra.

Obra “Madona de Baunilha” é atribuída ao pintor Rafael
Rafael Sanzio, o suposto pintor da “Madona de Baunilha”, que teria sido roubada pelo restaurador Giuseppe Irlandini, morreu no dia em que completaria 37 anos, em 1520, e isso reforçou a aura mística que rodeava sua figura, segundo o pesquisador e jornalista Nilo Tardin.
Admirado pela aristocracia e pela Igreja Católica, que o viam como o “príncipe dos pintores”, foi encarregado pelo papa Júlio III de decorar com afrescos as salas do Vaticano, hoje conhecidas como as “Stanze di Raffaello”.
“Rafael morreu em Roma no seu aniversário de 37 anos (apenas algumas semanas depois de o papa Leão X apontá-lo como cardeal), acometido por uma febre causada por uma doença pulmonar”, cita Nilo.
O pesquisador lembra ainda que Rafael foi enterrado no Panteão de Roma, o mais honorável mausoléu na Itália, atendendo seu próprio pedido. Na tumba foi colocada uma frase que diz: “Aqui jaz Rafael, que fez temer à natureza por si fosse derrotada, em sua vida, e, uma vez morto, que morresse consigo”.
Italiano foi acusado no Rio por falsificação de obras
Em 1995, Giuseppe Irlandini, restaurador acusado de ter roubado a “Madona de Baunilha”, foi denunciado pela polícia carioca por falsificação de obras de artes de grandes nomes da pintura, como Di Cavalcanti e Pancetti.
Nascido em Bolzano, na Itália, em 1924, Giuseppe morreu no Rio de Janeiro, em 1997. Foi pintor, gravador, restaurador, galerista e tapeceiro.
Frequentou a Academia de Belas Artes de Veneza até 1946, tornando-se aluno de Massimo Campigli e Carlo Carrá. Depois de viver e trabalhar em Paris, na França, entre 1946 e 1948, veio para o Brasil. Fixou-se inicialmente no Rio.
Em 1949, chegou a Vitória para elaborar as pinturas que enfeitam o túmulo do Padre José de Anchieta, no Palácio do Governo. Pintou também murais para a Capela do Orfanato Santa Luzia e outros para a Paróquia São João Batista, em Muqui, no Sul do Estado, com cerca de 150m2, em 1952.

Em 1953, voltou ao Rio de Janeiro e passou a se dedicar também à restauração de obras de arte. Como gravador especializou-se na Serigrafia. Em 1968, abriu a Galeria Irlandini, também em terras cariocas.
Recebeu o primeiro Prêmio, na modalidade “Tapeçaria”, no Salão do Museu de Arte Moderna do Espírito Santo, em Vitória, em 1966.

Homenagem aos imigrantes
A Igreja de Baunilha guarda outro segredo: a cena da Assunção de Nossa Senhora pintada na cúpula, rodeada de anjinhos em adoração.
Segundo José Dias Filho, integrante da quinta geração de imigrantes da região, o artista se inspirou em rostos de crianças da época para dar vida ao painel.
Ele destacou ainda que sustenta a ideia de que, mesmo com a possibilidade de os admiradores do pintor Rafael Sanzio terem comprado a “Madona de Baunilha”, “não reduz seu valor histórico e monetário”.
Segundo ele, existe uma lenda na cidade de que a valiosa tela, não assinada e que media na moldura 100cmx40cm, enfeitou durante décadas as paredes de uma casa de taipa coberta de tabuinhas nas imediações da Estação Ferroviária de Baunilha, inaugurada em 1906.
O pesquisador e jornalista Nilo Tardin explicou o porquê de todos dizerem no local que esta obra é de Rafael Sanzio.
“Os traços do desenho correspondem ao estilo dele, assim como a anatomia dos personagens e as cores. O jornal O Globo noticiou que um quadro de Rafael havia saído de forma clandestina do Brasil. Logo após, o restaurador Giuseppe Irlandini embarcou para a Europa”.
Já Fiorindo Bolzani, de 89 anos, disse que se recorda perfeitamente do quadro.
“Vi de perto muitas vezes. A santa era escura. Lembro bem. Pescava moreia no Rio Baunilha para Giuseppe comer com polenta. Carregava água no pipote para eles. Ficava admirado de ver o restaurador trabalhar. Molhava a pontinha do pincel na tinta e as figuras iam aparecendo igual mágica”.
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