“Não vale a pena quebrar o pau por tudo todo dia”, diz especialista
Discussões diárias e severas trazem culpa e sofrimento, o que prejudica o bem-estar físico e emocional, afirma especialista
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Controlar as emoções na hora da briga é uma tarefa difícil para muita gente. Mas “quebrar o pau” toda hora desencadeia tantas reações no corpo do ser humano e no seu equilíbrio emocional, que é preciso escolher as batalhas pelas quais vale a pena lutar.
Isso é o que defende o psquiatra, psicoterapueta e escritor Nélio Tombini. O médico fala sobre o assunto em seu mais novo livro “Não deixe a vida te maltratar” e explica que as brigas severas, as discussões acalouradas, deixam, frequentemente, culpa e sofrimento psicológico, por isso não vale a pena brigar por tudo todos os dias.
A Tribuna - Quando fala sobre “quebrar o pau no dia a dia” em seu livro. O que quer dizer com essa expressão? Porque não vale a pena?
Nélio Tombini - Quando nós estamos irritados, bravos, é porque estamos vivendo mal o fato que aconteceu. Todos nós nos irritamos, nos aborrecemos. E quando temos uma percepção que as coisas na vida acontecem independentemente da nossa vontade, se agimos bem ou não, se somos boas pessoas, temos a sensação que não adianta fazer as coisas direitinho que tudo pode sair errado.
Quanto a 'quebrar o pau', é brigar quando as coisas não saem como você gostaria. Por exemplo, se eu for me irritar e brigar por coisas que saem diferentes do que combinei, do que a pessoa falou, seguramente vou estar aborrecido todos os meus dias.
O importante é entender que as coisas não são como a gente quer. A cabeça das pessoas é cheia de armadilhas, o ser humano distorce, muitas vezes, coisas que enxerga, presencia. Alguns falam de forma distorcida, dizem uma coisa para agradar, mas não vão fazer aquilo. A vida é assim, independente se é rico, se é pobre, é assim para todas as pessoas.
As pessoas que se acham muito importantes na vida são aquelas que sofrem mais. Porque quando a pessoa se acha muito importante, especial, legal, muito querido, parte do pressuposto de que as pessoas precisam reconhecer isso e tratar-la de forma diferente. As pessoas, muitas vezes, querem controlar tudo e, com isso, elas se frustram muito mais.
Agora, se não me acho muito importante, grandioso, acabo me dando bem com as adversidades.
Mas é normal ficar chateado quando as coisas não acontecem como planejamos?
É normal, sim! É até saudável! Mas essa chateação temos de dar conta, sem sair despejando nos outros. Brigar com a mãe, como namorado, com o porteiro, com o carro no trânsito, para colocar para fora aquilo que não resolveu dentro de si.
Há muitas pessoas que ficam querendo 'quebrar o pau' porque ficam se achando especiais e, com isso, elas vivem muito mal. Porque a vida é cheia de dificuldades, limitações e perdas.
Então, quando a pessoa está frustrada com ela tem uma tendência a brigar com as outras. Ela tende a descarregar o seu sofrimento no outro, mas não descarrega. Ele acaba voltando.
O vomitar psicológico, de irritação, volta tudo e volta mais, a pessoa acaba ficando mais carregada. É o que digo: não vale a pena 'quebrar o pau' por tudo todo dia, o dia inteiro, porque a vida é cheia de limitações e a gente não sabe o que vai acontecer.
As pessoas têm que ter mais intimidade com o que acontece com elas. Se tem mais intimidade do que acontece dentro de si, vai se aborrecer menos com aquilo.
As pessoas carregam muitos vazios dentro delas hoje em dia, e os vazios não trabalhados se tornam depressão.
E sabe o que as pessoas fazem, geralmente para preencher seus vazios? Bebem, usam drogas, fazem festa, gastam dinheiro e comem bastante. Só que isso não preenche o vazio. No final sempre vem a sensação de 'o que estou fazendo aqui?'. Quase sempre é um impulso para tentar suprir um vazio que não supre.
Há alguma situação que vale a pena brigar, “quebrar o pau”?
Às vezes é preciso 'quebrar o pau', sim. Mas antes de chutar o pau da barraca, é preciso dizer para a pessoa que te irritou o que não gostou e o que te fez ficar chateado.
Só de falar, isso já alivia. Independentemente se o outro concordar ou não. Às vezes, a gente “quebra o pau” mesmo. Mas se acha que foi demais, chega no outro dia e diz que extrapolou e o que não gostou. Podemos fazer reparos também, reconhecer e dizer que passamos dos limites também faz bem.
Não é pedido de desculpas, mas falar o que não gostou na sua atitude. Se o outro aceita ou não é um problema dele. A gente pode 'quebrar o pau', mas a gente não pode deixar as pessoas desavisadas.
Então, temos de pensar em formas de cuidar das nossas emoções e do nosso bem-estar. Assim vamos gostar mais de quem nós somos.
Saúde mental é algo que ainda não é trabalhado. Mas esse é um dos aspectos mais importantes da vida. Não adianta ter dinheiro, saber várias línguas e estudar se você não tiver uma boa cabeça para aproveitar isso.
QUEM É
Nélio Tombini
Psiquiatra, psicoterapeuta.
Desenvolve um projeto psicoeducativo através de palestras, workshops e vídeos no YouTube.
Escritor dos livros “A arte de ser infeliz - Desarmando armadilhas emocionais” e “Não deixe a vida te maltratar”.
Criou em 1989 o Serviço de Doenças Afetivas da Santa Casa de Porto Alegre, onde foi coordenador da Psiquiatria por 18 anos. Fundou e dirige a Clínica de Psicoterapia Breve – Psicobreve.
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