O valor e o preço do cuidado familiar
Coluna foi publicada nesta terça-feira (14)
Excelente o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano: “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. No dia 7 de dezembro de 2013, neste espaço, sob título “Quanto é que vale o seu cuidado?”, escrevi: “(...) e se a questão que mais chama a atenção é a econômica, proponho que também sejam feitos cálculos a atestar que cuidado familiar pouco valorizado, além do próprio lar despedaçado, tem levado a gasto público redobrado”.
Prossegui: “Por mais que tais cálculos e possíveis estudos possam vir a contribuir, contudo, não se pode esquecer do longo histórico que culminou com a impossibilidade de se convencer a deixar de lado a liberdade de opção, ilustra-se, por um 'show das poderosas', a pretexto de se mirar no exemplo daquelas mulheres de Atenas ou de que Amélia é que era a mulher de verdade”.
Enfim: é preciso cuidar! Mas quem irá fazê-lo? Ainda mais se o trabalho de cuidado é invisível, como sugere a redação do Enem, num mundo onde “quem não é visto, não é lembrado”?
Séculos atrás, Platão refletia que “não deverão gerar filhos quem não quer dar-se ao trabalho de criá-los e educá-los”.
Mais recentemente, a “dama de ferro” Margareth Thatcher sentenciou: “Qualquer mulher que entenda os problemas de cuidar de uma casa está muito perto de entender os de cuidar de um país”.
A abrupta diminuição da taxa de fecundidade, aliada à crescente terceirização do cuidado, quando possível fazê-lo, não impedem que o trabalho de “cuidado doméstico” ainda consuma 9,6 horas a mais das mulheres, de acordo com dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), embora, a rigor, já tenha sido bem mais que isso!
E, por mais que possa e deva ser diminuída essa distância, existem diferenças biológicas que jamais poderemos igualar, pois, tão somente o fato de ser a mulher a gerar e, depois, amamentar, seriam suficientes para impor contrapartida muito mais solidária dos homens, que, porém, não souberam entender, adequadamente, os sinais que a história lhes fez
Desta forma, não são e não serão iguais no cuidado familiar e, muito menos, no mercado de trabalho, dado que o dogma de competitividade do globalizado mundo de hoje, via de regra, no fundo, exige que a mulher faça opções que o homem passa por muito menos drama ao fazê-lo.
Para terminar, qual foi a ordem universal para que não perecêssemos todos no auge da epidemia da covid-19? “Fiquem em casa!” Mas, que casa?” Essa que vem se transformando numa espécie de “self service”, cujo objetivo é o de se servir, da melhor maneira possível, mediante o menor custo, de modo mais rápido e com o mínimo de compromissos com o que fica para trás? “ Não importa! Fiquem em casa!!!”
Portanto, não esperemos mais sinais históricos para reconhecermos, principalmente através de políticas públicas, que o valor do cuidado familiar é muito maior do que o caro preço que ora pagamos pela sua desvalorização.