Empresas liberadas a não assinar carteira de trabalho
Justiça tem negado pedido de contratados como pessoa jurídica para terem vínculo reconhecido, negando 13º, férias e FGTS
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Para a Justiça do Trabalho, o trabalhador é a parte mais frágil da relação entre patrão e empregado. Mas esse entendimento não é uma regra.
Para profissionais que têm diploma de nível superior e assumem cargos que recebem altos salários, é possível estabelecer um contrato de trabalho como pessoa jurídica (empresa), em que não é preciso assinar a carteira de trabalho.
Chamados de “hipersuficientes” - termo utilizado quando se considera que a pessoa tem conhecimento e recursos financeiros suficientes -, esses profissionais recebem salários iguais ou superiores a duas vezes o limite máximo dos benefícios previdenciários (R$ 14.174,44).
Para eles, conforme prevê a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), é possível estabelecer livremente as relações de trabalho. Quando esses profissionais pedem o reconhecimento do vínculo de emprego na Justiça, o que se tornou frequente, na maioria dos casos, o pedido é negado.
O juiz titular da 7ª Vara do Trabalho, Marcelo Tolomei, comenta que “o que importa é o que na prática ocorre e nem o que consta formalmente nos contratos de prestação de serviço entre empresas”.
Ele explica que cabe a Justiça do Trabalho analisar se na relação ocorrida constam os elementos da pessoalidade e subordinação jurídica (modos pelo qual se opera a prestação). “Se presentes, o vínculo de emprego poderá ser reconhecido. Há várias decisões neste sentido”, diz.
Para a advogada trabalhista Luiza Fardim, o objetivo das sentenças negativas é justamente de “manter a liberdade negocial aos empregados que possuem um poder diretivo maior”, que ela aponta não existir nas relações convencionais.
Esses trabalhadores são contratados como empresa, e portanto, não recebem os benefícios de empregados que têm carteira assinada, como 13º salário, férias, aviso-prévio indenizado e FGTS, por exemplo.
Já José Carlos Bergamin, vice-presidente da Federação de Comércio do Estado (Fecomércio-ES), diz que são pessoas esclarecidas e que escolheram o modelo este modelo de trabalho. “É completamente diferente de um operário comum, que é vulnerável por não ter conhecimento diferente”.
Possibilidade quando relação torna empresa vulnerável
Para que uma relação de emprego se estabeleça, é necessário que os elementos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) estejam presentes, que são subordinação, onerosidade, pessoalidade, alteridade e habitualidade.
De todos estes elementos, o que se destaca na relação de emprego é a subordinação, já que os demais elementos podem estar presentes em outras modalidades de prestação de serviços.
O procurador do Trabalho Vitor Bauer, da Procuradoria Geral do Trabalho (PGT), diz que “ao tomador de serviços (empresa), o benefício de se ver regulado pela legislação civil e trabalhista cria uma importante segurança jurídica”, e acrescenta que o empregador não é o polo mais frágil. “Neste sentido, vulnerável é a empresa”, afirma.
Cenário
Bauer conclui que neste cenário não existe quem ganha ou perde. ”Na verdade, se entrássemos nesse assunto, diria que quem perde é o Fisco”, comenta.
Este modelo de trabalho tem sido bastante comum, vez que os empregados autossuficientes fazem a opção de contratação como Pessoa Jurídica, ficando isentos do pagamento de Imposto de Renda, aumentando, assim, seus ganhos mensais.
Segundo Bauer, tem sido um padrão no ordenamento jurídico o entendimento de que a relação se estabelece a partir da livre manifestação de vontade do empregado, e que esta decisão deve ser respeitada, o que justifica o movimento de não reconhecer o vínculo.
Mais segurança para o mercado
Com a autonomia dos hipersuficientes - aqueles que não dependem mais de sindicato para a negociação de suas condições de trabalho - o ambiente do trabalho ganhou novos contornos.

Fernando Otávio Campos da Silva, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Findes explica que esses profissionais são esclarecidos o suficiente para decidir se aceitam ou não trabalhar como pessoa jurídica.
Ele explica que, se essas decisões se tornarem definitivas, o mercado terá maior segurança jurídica. “Todos ganham”, afirma.
Quem concorda com esse pensamento é o vice-presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Espírito Santo (Fecomércio-ES), José Carlos Bergamin.
Bergamin esclarece que não cabe o argumento de que os “hipersuficientes” são um polo fraco na relação de emprego. “Eles não são enganados e nem iludidos. É uma opção deles aceitar as condições de trabalho”.
Para ele, quando uma pessoa escolhe o regime Pessoa Jurídica (PJ) por não ter outras opções de emprego, é uma coisa, que impulsionada pela falta de informação, torna a pessoa “frágil” na relação profissional. Mas aponta que este não é o caso, afirmando que os hipersuficientes tem diploma de curso superior.
SAIBA MAIS
Para profissionais esclarecidos e de salário mais alto
Quem são os “profissionais hipersuficientes”?
Trata-se do trabalhador com escolaridade de nível superior e e remuneração igual ou superior a duas vezes o teto de benefícios no INSS, que atualmente corresponde a R$ 14.174,44.
o empregado que se enquadrar nessa categoria pode negociar grande parte das condições de seu contrato de trabalho diretamente com o empregador, afastando inclusive normas coletivas definidas na CLT, quando o trabalho é com carteira assinada.
Neste caso, o trabalhador é contratado sob o regime de pessoa jurídica, como se fosse uma empresa.
Quando este modelo é adotado, o empregado não tem direito a receber 13º salário, férias, aviso prévio indenizado, depósitos e multas de 40% do FGTS, além dos pagamentos das contribuições previdenciárias.
Conflito
> Muitos profissionais que são Pessoa Júridica (PJ) têm acionado a Justiça do Trabalho para pedir o reconhecimento do vínculo de emprego.
> Porém, na maioria dos casos julgados o pedido é negado.
> Segundo a lei trabalhista, para que haja vínculo, é preciso que se observe alguns elementos.
> Subordinação, onerosidade, pessoalidade, alteridade e habitualidade são alguns dos elementos mais citados como exemplos.
> Magistrados dizem que estes profissionais são esclarecidos o suficiente para que sejam definidos como “vulneráveis”.
> O que não implica decisão de reconhecimento, quando entende-se que escolherem o regime sabendo suas vantagens e desvantagens.
Fonte: Pesquisa AT e especialistas citados na reportagem.
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