Investigação sobre golpe: Entenda o inquérito que levou generais para prisão
Pesquisas indicam que a maioria da população tem dificuldades para entender situação, e a reportagem explica de forma didática o caso
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Uma série de pesquisas realizadas em todo o País indica que a maioria da população se considera pouco ou nada informada sobre o chamado inquérito do golpe, que levou para a prisão dois generais, sendo um de quatro estrelas — o primeiro a ser detido em mais de 100 anos no País.
Walter Braga Netto foi esse militar, preso como parte das investigações da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022, que já duram quase 2 anos. Para explicar a investigação — ou inquérito —, a reportagem aborda o que até o momento foi informado a respeito, de forma didática.
O resultado das investigações veio no fim de novembro, quando a Polícia Federal entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um relatório de mais de 800 páginas. E terminou no indiciamento - termo que significa denúncia ou acusação de pessoas que possam estar envolvidas com crime - de 40 pessoas.
Esses indiciados são acusados de envolvimento com crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. A lista inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados.
No caso da suposta tentativa de golpe de Estado em 2022, esse inquérito teve início após os ataques em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
Em fevereiro deste ano, a PF realizou operação focada em um grupo de apoiadores de Bolsonaro que teria formulado uma minuta com uma série de ações contra Judiciário e promovido supostas reuniões para impulsionar a divulgação de notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro.
A partir daí, o inquérito foi sendo montado, até ser entregue ao STF, que, por sua vez, o repassou à Procuradoria-Geral da República (PGR). Cabe agora à PGR analisar o material e decidir o futuro da investigação. Ela poderá seguir três caminhos: arquivar, o que significa que o caso será encerrado, sem punições; denunciar os indiciados para o STF, o que significa que será aberta ação penal contra os indiciados; ou solicitar mais ações investigativas ao relator do caso, o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Caso seja aberta a ação penal, os envolvidos se tornam réus, e o processo passará para a próxima etapa, de coleta de provas. Ao final, serão julgados pelos ministros do STF. Se o grupo for inocentado, a ação é arquivada. Se forem condenados, as penas serão individualizadas.
Entenda
O que são?
Inquérito
É o conjunto de coleta de informações para investigar a possível existência de um crime.
Indiciamento
São sinais indicativos de autoria e materialidade do delito. O indiciamento não significa culpa ou condenação, mas indica a submissão de alguém a inquérito policial ou administrativo.
Basicamente, ser indiciado em um inquérito significa que o responsável pela produção do relatório concluiu haver suficientes indícios de autoria.
Ou seja, circunstâncias relacionadas com o fato delituoso que possibilitam a construção de hipóteses sobre a autoria e demais aspectos do delito, podendo integrar o conjunto probatório em processo judicial.
Histórico
O inquérito teve início logo após a invasão às sedes dos Poderes em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023, quando a Polícia Federal passou a investigar possíveis envolvidos na promoção e na realização dos atos.
Durante as investigações, a PF realizou uma operação focada em um grupo de apoiadores de Bolsonaro que teria formulado uma minuta com uma série de ações contra o judiciário e promovido reuniões para impulsionar a divulgação de notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro.
Segundo a PF, o objetivo do grupo, que era formado por militares, ex-ministros e aliados do ex-presidente, seria garantir a manutenção do ex-presidente no Poder.
O político do PL teve seu passaporte apreendido na ocasião.
Esse grupo também promoveu reuniões para impulsionar a divulgação de notícias falsas contra o sistema eleitoral brasileiro e monitorou o ministro do supremo tribunal federal, Alexandre de Moraes, o responsável por autorizar a operação. A minuta pedia também as prisões de dois ministros do Supremo e do presidente do Senado.
Aprofundamento
Ao aprofundar as investigações, a PF descobriu o grupo acusado teria se estruturado em ao menos seis núcleos, cada um com tarefas específicas:
o de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral; o Responsável por Incitar Militares a Aderirem ao Golpe de Estado; o Jurídico; o Operacional de Apoio às Ações Golpistas; o de Inteligência Paralela; e o Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas.
Alguns dos indiciados no inquérito constam em mais de um núcleo, como é o caso do tenente-coronel Mauro Cid – que foi ajudante de ordens de Bolsonaro e fez delação premiada – e também do próprio general da reserva Walter Braga Netto.
Homem forte do governo do capitão, o general foi chefe da Casa Civil, ministro da Defesa, candidato a vice na chapa da reeleição, em 2022, e hoje está preso.
Mais de 800 páginas
A investigação conduzida pela PF resultou em um relatório de mais de 800 páginas e no indiciamento de 40 pessoas pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
O relatório finalizado foi entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro, e remetido à PGR no mesmo mês, já que o órgão, que integra a cúpula do Ministério Público Federal (MPF), atua nos processos que tramitam no STF. Após a finalização da análise, a Procuradoria poderá seguir três caminhos:
Arquivar as investigações, o que significa que o caso será encerrado.
Denunciar os 40 (ou parte deles) indiciados para o STF, o que significa que será aberta uma ação penal contra os indiciados.
Ou solicitar mais diligências ao ministro do STF e relator do caso, Alexandre de Moraes, que avaliará o pedido e solicitará a execução do mesmo pela PF.
Caso seja aberta a ação penal, os envolvidos vão se tornar réus e o processo passará para a próxima etapa, de coleta de provas. Ao final, será julgado pelos ministros. Se o grupo for inocentado, a ação é arquivada. Se forem condenados, as penas serão individualizadas.
Fatiamento
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pretende apresentar mais de uma denúncia ao STF contra os 40 indiciados no inquérito do golpe. A ideia é dividir as acusações de acordo com os “núcleos” da organização criminosa, mas não necessariamente com os nomes usados pela Polícia.
A estratégia do “fatiamento” tem sido discutida pelo Ministério Público Federal para facilitar a instrução do processo e tornar mais rápido o julgamento. A intenção do procurador-geral Paulo Gonet é oferecer as denúncias ao Supremo até março.
Se tudo correr como previsto nos bastidores da Corte, o veredicto do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro sairá ainda em 2025, antes do ano eleitoral de 2026.
Os indiciados
Inicialmente, os seguintes 37 nomes foram indiciados pela Polícia Federal. Além do ex-presidente Jair Bolsonaro, a lista inclui apoiadores do ex-presidente, incluindo advogados, militares, ex-militares e ex-ministros:
Ailton Gonçalves Moraes Barros
Alexandre Castilho Bitencourt da Silva
Alexandre Ramagem
Almir Garnier Santos
Amauri Feres Saad
Anderson Lima de Moura
Anderson Torres
Angelo Martins Denicoli
Augusto Heleno
Bernardo Romão Correa Netto
Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
Carlos Giovani Delevati Pasini
Cleverson Ney Magalhães
Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira
Fabrício Moreira de Bastos
Fernando Cerimedo
Filipe Garcia Martins
Giancarlo Gomes Rodrigues
Guilherme Marques de Almeida
Hélio Ferreira Lima
Jair Bolsonaro
José Eduardo de Oliveira e Silva
Laércio Vergilio
Marcelo Bormevet
Marcelo Costa Câmara
Mario Fernandes
Mauro Cid
Nilton Diniz Rodrigues
Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
Rafael Martins de Oliveira
Ronald Ferreira de Araujo Júnior
Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros
Tércio Arnaud Tomaz
Valdemar Costa Neto
Walter Souza Braga Netto
Wladimir Matos Soares
Adicionais
Em dezembro, outros nomes foram indiciados pela PF, completando o número de 40 indiciados. São eles:
Aparecido Andrade Portela, militar da reserva do Exército e suplente da senadora Tereza Cristina (PL-MS).
Reginaldo Vieira de Abreu, ex-chefe de Gabinete do general da reserva Mario Fernandes na Secretaria-Geral da Presidência, acusado de atuar no planejamento do golpe.
E o militar Rodrigo Bezerra de Azevedo, kid-preto do Exército, acusado de participar do trabalho de monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Inquérito atual x Mensalão
Especialistas apontam que o “inquérito do golpe” terá julgamento mais rápido do que o mensalão, por uma série de fatores.
Uma delas é o fato de o STF ter parado por um semestre inteiro naquela época e ter se dedicado quase que integralmente à ação penal. Os demais processos em tramitação no tribunal se amontoaram nos gabinetes e só começaram a ser analisados no ano seguinte.
“A natureza dos crimes investigados, cujo foco é o Estado Democrático de Direito, também torna necessário que a questão seja definida de forma mais rápida pelo Supremo”, argumenta O especialista em direito público e criminal Sandro Câmara.
O caso da tentativa de golpe por parte de ex-autoridades deve ter outro enredo. Hoje, as ações penais são analisadas nas Turmas - cada uma delas formada por cinco ministros, sendo que o presidente não participa desses colegiados menores. Isso deve dar mais agilidade ao julgamento, além de impedir a paralisia do tribunal em razão de apenas um processo.
Além disso, a experiência adquirida pelo STF no julgamento do próprio Mensalão e de outros casos complexos também favorece a agilidade da conclusão do julgamento.
Ao todo, 41 nomes foram indiciados no escândalo do Mensalão, e 26 deles foram condenados.
Gonet e Moraes de plantão e sem férias para cuidar do caso
O recesso do fim do último ano que se encerrou ontem e do início de 2025 terá o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet Branco, de plantão.
Moraes sempre despacha nos recessos do Supremo, desde 2019, mas Gonet decidiu não tirar férias e trabalhar normalmente até em janeiro de 2025.
O procurador-geral da República tem em mãos para analisar possível denúncia ou arquivamento do inquérito do golpe, no qual a Polícia Federal já indiciou 40 pessoas. Entre elas, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu então candidato a vice nas eleições de 2022, Walter Braga Netto, preso no último dia 14 de dezembro.
O caso é tratado como prioridade na PGR, portanto, a possibilidade é que Gonet se debruce sobre a análise. Ele pode denunciar os indiciados pela PF ou arquivar. Se denunciar, Moraes, relator do caso no STF, estará trabalhando para decidir se aceita a denúncia e leva a julgamento do colegiado.
Como Braga Netto foi preso, a tendência da PGR é agilizar a análise, pois há previsão legal de que processos com investigados presos andem mais rápido.
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