Empregada doméstica recifense conta em livro 50 anos de trabalho invisível
Vera Lúcia da Silva, 61 anos, publica seu primeiro livro narrando sua jornada
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Uma jornada que começou entre espanadore e livros, há mais de cinco décadas, está prestes a ganhar novos capítulos. Às vésperas de completar 62 anos, nesta segunda-feira (3), Vera Lúcia da Silva, mulher negra e moradora da periferia do Recife, está lançando seu primeiro livro, "Espanador não tira poeira: memórias e aprendizados de uma empregada doméstica", que acabou de se aposentar, mas não larga mão de seguir trabalhando. A publicação, que conta com o Selo Mirada já disponível para pré-venda ao preço de R$ 55,00. O exemplar pode ser adquirido via Pix no endereço [email protected].
Vera nasceu no Engenho Palma, em Sirinhaém, na Zona da Mata Sul, a 75 km da capital pernambucana, e começou a trabalhar como empregada doméstica aos 12 anos. Dois anos depois, deixou o interior e se mudou para o Recife, carregando nas malas o peso da exploração e das condições precárias do trabalho doméstico. Ao longo dos anos, enfrentou humilhações, falta de direitos, acusações injustas e preconceito por ser mulher e de origem humilde. Situações de violência simbólica, como ser forçada a comer sobras de comida estragada ou ser impedida de usar os banheiros da casa em que trabalhava — sendo direcionada a instalações precárias — estão entre alguns relatos presentes na publicação.
Mãe solo aos 19 anos de três filhos — uma delas doutora em Medicina Veterinária, e outra formada em Química e técnica de enfermagem — a mulher que começou como empregada e se tornou escritora dedicou sua vida a proporcionar um futuro melhor para suas filhas. "Sempre disse a elas: 'Meu trabalho é digno, mas vocês precisam estudar para não passarem pelas dificuldades que eu enfrentei'", relembra com emoção.
Nos anos 1990, Vera trabalhou na Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH, no campus da Universidade Federal de Pernambuco, no bairro Cidade Universitária, Zona Oeste da capital pernambucana, limpando os livros com a dedicação de quem reconhece o valor do que está cuidando. Foi nesse ambiente que ela conheceu a professora Silke Weber, que a convidou para limpar sua sala de trabalho, no 12º andar, onde aconteciam as atividades do Programa de Pós-graduação em Sociologia. Foi ali que os caminhos se cruzaram pela primeira vez com Wedna Galindo, docente do Departamento de Psicologia da UFPE, que se tornaria sua parceira e coautora no projeto do livro.
DEDICAÇÃO
Enquanto realizava seu trabalho, Vera chamou a atenção de Wedna pelo cuidado com que manuseava as obras e pela curiosidade com os títulos. O contato inicial evoluiu para conversas sobre a realidade do trabalho doméstico e a vida de Vera, que, mais tarde, seriam transformadas nas páginas de Espanador não tira poeira. "A cada conversa, percebia que, mesmo sem ser plenamente consciente, Vera estava refletindo criticamente sobre sua própria trajetória e as condições de trabalho que vivenciava", explicou Wedna. "A produção do livro foi, de fato, uma proposta que surgiu dela mesma. O meu papel foi sempre o de respeitar o desejo de Vera. Eu enxerguei naquele desejo uma grande potência, um potencial transformador, que, se bem conduzido, poderia ganhar vida própria", concluiu a coautora.
Doutora em Psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco, Wedna Galindo tem um extenso histórico de trabalhos com movimentos sociais e projetos voltados para a valorização da memória de grupos invisibilizados. Sua sensibilidade e habilidade de ouvir foram fundamentais para que Vera transformasse suas memórias em um relato poderoso e reflexivo. "Wedna me deu coragem de acreditar que minha história poderia inspirar outras pessoas. Ela sempre dizia: 'Sua voz importa, Vera'", conta a autora.
A obra, com 96 páginas, está dividida em cinco partes, que abordam desde sua infância até reflexões sobre dignidade e respeito no trabalho doméstico. O título do livro foi inspirado em sua primeira experiência de trabalho, quando foi injustamente acusada de não limpar os móveis, sem saber que o espanador apenas espalhava a poeira. "Esse título é mais que uma lembrança, é uma metáfora para como sempre fomos tratadas: invisíveis e desvalorizadas", reflete Vera.
Sobre a UFPE
A UFPE, onde Vera e Wedna se conheceram, é um símbolo de excelência acadêmica no Brasil. Reconhecida como a universidade do Norte/Nordeste mais bem colocada no QS World University Rankings: Latin America & The Caribbean 2025, a instituição ocupa a 49ª posição entre 437 universidades avaliadas na América Latina e no Caribe. Entre as 96 universidades brasileiras presentes no ranking, a UFPE figura na 13ª colocação. Esses resultados destacam seu papel como um centro de referência em pesquisa e educação de qualidade.
Serviço:
O quê: Livro de empregada doméstica recifense conta histórias de 50 anos de trabalho invisível.
Como comprar: Pix no endereço [email protected]
Valor: R$ 55,00
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