A história da "mãe do carisma", a mulher que ajudou a construir a Obra de Maria
De cartas a Nossa Senhora à liderança espiritual, Maria Salomé dedica 35 anos à missão de levar Jesus às pessoas pelas mãos de Maria a 61 países
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Inspirada no exemplo de Maria, Mãe de Jesus, uma outra mãe nasceu há 35 anos, quando ela disse “sim” ao ser chamada para um grupo de oração chamado Obra de Maria.
Naquela época, Maria Salomé Ventura da Silva, cofundadora da Obra de Maria, deu início a uma jornada na qual passaria a ser chamada, ao longo dos anos, como “mãe do carisma” - uma das mulheres escolhidas para ajudar a erguer uma das maiores comunidades católicas do Brasil e do mundo.
“Eu fui chamada e disse sim ao Senhor, sem saber como seria. Simplesmente fui me envolvendo e disse: ‘eis-me aqui, faça-se a sua vontade na minha vida’.
Maria Salomé também se referiu ao “sim” para integrar o grupo de oração criado por Gilberto Barbosa, no final da década de 1980, em 1989. Não imaginava que aquele núcleo de fé e esperança se transformaria na Comunidade Obra de Maria, fundada em 1990 para disseminar a Palavra de Deus pelas mãos de Maria.
Ela e Gilberto se conheceram num retiro de carnaval e até hoje estão na mesma missão. “São 35 anos servindo a Deus com alegria. Eu não tenho crise, não dá tempo. Em 35 anos, nunca pensei: ‘puxa vida, o que é que estou fazendo aqui?’”.
O papel materno
Identificada com o papel materno, dedicada às missões nos bastidores e ao cotidiano da Comunidade, Maria Salomé Ventura da Silva passou a ser carinhosamente conhecida como a “mãe do carisma” na Obra de Maria, que atualmente tem em torno de 5,1 mil missionários.
O carinho que os missionários e integrantes da Obra de Maria nutrem por ela transparece em gestos simples, mas carregados de significado. Quando chegam à sua casa, localizada no alto da sede da Obra, em São Lourenço da Mata, a primeira atitude é pedir-lhe a bênção, reconhecendo nela uma figura materna e espiritual.
“Eu gosto de ser chamada de mãe. Eu recebi uma promessa de ser mãe de incontáveis, que se confirmou”, confidencia Maria Salomé, ao comentar sobre o título carinhoso que lhe foi atribuído.
Na tradição da Igreja Católica, o termo “carisma” possui um significado profundo, ligado à ação do Espírito Santo que inspira dons e virtudes para a edificação da Igreja. Esse carisma, vivido por Maria Salomé, faz dela um pilar de orientação para todos que fazem parte da Comunidade. “O carisma é a vocação”, resume.
As cartinhas para Nossa Senhora
Maria Salomé nasceu em Monteiro, interior da Paraíba, mas se mudou com os pais para o interior de Pernambuco, quando ainda era criança. Cresceu em um lar profundamente católico na cidade de Arcoverde, o primeiro município do Sertão de Pernambuco.
Desde cedo, considerava Maria de Nazaré como sua confidente. Enquanto outras meninas escreviam em diários, Maria Salomé redigia cartas para Nossa Senhora, relatando suas alegrias e dilemas.
"Eu fazia isso o ano inteiro. No final do ano, queimava as cartinhas e começava tudo de novo", relembra. “Até hoje escrevo”, explicou.
A certeza do amor por Maria
Aos 14 anos, a vida de Maria Salomé mudou quando ela deixou Arcoverde com a família para viver no Recife. Na capital pernambucana, sua caminhada de fé foi desafiada quando amigas evangélicas a convidaram para um culto. Tocada pela pregação, ela chegou a se levantar em resposta ao chamado do pastor.
Mas, antes de dar o passo definitivo, uma pergunta lhe atravessou o coração: "E Nossa Senhora, onde fica nisso tudo?" Esse momento de dúvida se transformou em certeza: sua caminhada seria dentro da Igreja Católica, onde Maria tem seu papel reconhecido como mãe de Jesus, Santa e Imaculada Conceição.
Maria Salomé volta ao tempo ao lembrar do início da jornada. “Hoje, me remetendo para aquele tempo, eu vejo que eu não fui porque Jesus queria que eu estivesse na obra da sua Mãe”.
61 países alcançados
Segundo Maria Salomé, a devoção à Mãe de Jesus é o alicerce da Obra de Maria, que hoje está presente em 61 países, levando a evangelização e o acolhimento a milhares de pessoas. Para ela, é impossível dissociar sua vocação de Maria Santíssima:
“Quando Deus pensou na Obra de Maria, Ele pensou em mim”, disse certa vez uma filha espiritual, que está no Céu. Ele também pensou em mim, não sei porquê. Nossa Senhora sempre caminhou comigo e, no momento certo, me apresentou ao Seu Filho para que eu pudesse servi-Lo com alegria.”
A multiplicação dos pães e peixinhos
Quando questionada sobre como a Obra de Maria saiu de sete pessoas para mais de cinco mil missionários, sua resposta reflete a simplicidade e a fé que guiaram esse processo: “Ajuda dos amigos. Mimos de Deus. Graça de Deus. Ele quis e fez tudo isso. Toda essa obra é de Deus”.
Um marco importante para o início da jornada foi um retiro para esses jovens realizado em Pesqueira, no povoado de Cimbres, local das aparições de Nossa Senhora.
Durante o encontro, segundo ela, Gilberto fez um convite desafiador aos participantes: perguntou quem estaria disposto a dar um ano de vida a Jesus. Todos aceitaram e formaram o primeiro núcleo da comunidade interna Obra de Maria, já que existiam alguns que formavam a comunidade de aliança.
“Alugamos uma casa e trouxemos esses jovens para Recife. Eles vieram para viver um tempo servindo a Jesus. Alguns ficaram mais de um ano e, com o tempo, outros foram se unindo ao grupo, formando o que hoje é a Obra de Maria”, relata.
O serviço desses jovens era diretamente voltado à Igreja. “Servir a Jesus era servir à Igreja e ao próximo”, explica Maria Salomé. Eles organizaram retiros, evangelizaram em paróquias, visitaram os doentes, atenderam aos mais necessitados e, eventualmente, começaram a expandir suas missões para outras cidades e estados.
Indagada sobre o papel que teve no início da Comunidade, ela sempre fala em passos firmes movidos pela fé.
“Eu ajudava Gilberto nos grupos de oração, especialmente nos de sábado. Aos poucos, outras pessoas começaram a participar, e aos poucos formaram conosco algo que chamávamos de comunidade de aliança”, explica.
A nova frente de missão
Três anos depois da fundação da Obra de Maria, em 1993, ela participou com Gilberto de uma peregrinação aos santuários marianos na Europa. Foi justamente neste período que surgiu uma nova frente da Obra de Maria: as peregrinações religiosas.
Maria Salomé recorda que as peregrinações começaram como um movimento pequeno, um passo tímido que logo ganhou força. As pessoas iam se juntando, e as viagens se transformavam em encontros de fé, entrega e amizade.
Aquele momento abriu portas para que as peregrinações se tornassem uma das principais missões da Obra de Maria.
"As peregrinações são visitas aos lugares santos. Nós celebramos missa todos os dias, partilhamos a Palavra, rezamos o Terço e vivemos a espiritualidade desses lugares", explica Maria Salomé. Mas a caminhada não se limita à fé. Segundo ela, qualquer pessoa também pode conhecer lugares históricos e pontos turísticos ao longo dos dias da caminhada.
“Somos Igreja”, diz Maria Salomé
Segundo Maria Salomé, as peregrinações refletem a essência da Obra de Maria: conduzir as pessoas a encontros transformadores com Deus, seja em um pequeno vilarejo ou em grandes centros. “Você pode ir sozinho ou acompanhado, mas não termina a viagem sozinho. No caminho, as amizades nascem”, conta.
Além das peregrinações, a missão da Obra de Maria se estende a quatro continentes, onde os missionários trabalham em parceria com a Igreja local. "Quando chegamos a um país, nos agregamos à Igreja, caminhamos com os párocos e os bispos. Somos Igreja", afirma.
Entre as missões mais marcantes, para ela, estão as do continente africano. No interior de Moçambique, por exemplo, a Obra mantém um internato para adolescentes que, após o ensino primário, não teriam para onde ir. Lá, eles concluem o Ensino Médio.
"Também damos alimentos, ensinamos higiene e catequese. Mostramos para eles quem é Jesus, que muitos nem conhecem", pontua.
A importância do cenáculo
As missões ainda passam pelos cenáculos, um momento simples e poderoso. "O cenáculo é você ir às casas, rezar o terço, partilhar a Palavra, rezar pelas pessoas. É levar Jesus às famílias pelas mãos de Maria", explica Maria Salomé. Em cada casa, um laço é criado, uma história ganha novo capítulo. Famílias afastadas da Igreja retornam, casais regularizam suas uniões, crianças recebem os sacramentos.
Essas jornadas de fé, seja nas peregrinações ou nas missões, são o reflexo da Obra: “levar Jesus às pessoas pelas mãos de Maria”. É um movimento que começa pequeno, como uma oração sussurrada em um lar, mas que se espalha, transformando vidas e comunidades inteiras.
Formação além dos bancos da faculdade
Maria Salomé é formada em Turismo pela Universidade Católica de Brasília, com pós-graduação em Psicanálise, além de ser membro da Academia Internacional de Literatura e Arte. Mas ela reluta em falar de si nas entrevistas, levando sempre o assunto de volta para a Obra, onde também mora com a mãe, Maria Rosa, e a irmã Maria da Conceição.
Quando indagada se é escritora, ela solta um longo e sonoro “não”. Apesar da reserva ao falar de si, conseguiu escrever dois livros de sua vivência com a Mãe de Jesus. Um deles se chama “Medjugorje, o que eu vi e senti”.
“Medjugorje, para os fiéis, é um santuário onde Nossa Senhora aparece há 43 anos na Bósnia e Herzegovina. Eu fui lá várias vezes e, tocada pela espiritualidade do lugar, resolvi escrever um livro”, diz ela, lembrando que a experiência é única.
“Medjugorje me tocou de forma especial. Medjugorje é lindo, porque a gente vê sinais, a gente vê a conversão. Não tem como ir lá e sair sem conversão”.
Do júbilo às lágrimas e vice-versa
Ao ser novamente indagada a falar sobre seu papel na Obra, Maria Salomé conta que vive o cotidiano da comunidade, as coisas simples e complexas da vida.
Recentemente, Maria Salomé participava de uma celebração marcada pela alegria: a formação de cinco padres e nove diáconos pela Obra de Maria, que já formou 40 sacerdotes ao longo de sua história. Porém, ao retornar para casa, recebeu a notícia do falecimento de uma filha da comunidade, uma perda que trouxe tristeza em meio ao júbilo daquele dia.
“Eu saí do júbilo para as lágrimas. Eu nunca me perguntei por quê? Eu sei que esse é um desafio: sair do riso para as lágrimas e, também, das lágrimas para o riso. Tristezas são muitas, mas as alegrias são superiores. Jesus avisou que no mundo teríamos aflições, mas venceríamos o mundo”.
É nesse movimento constante da vida que ela encontra a força para continuar sendo um coração materno. “Não sei explicar. Eu vou vendo as necessidades de cada um. Acolhendo, recebendo, abraçando, conversando, dando atenção, olhando. Porque as pessoas precisam disso. Do olhar. Do toque. De prestar atenção. Oriento, aconselho, admoesto. Muitas vezes eu nem falo. Só escuto. Escutar. Abraçar. Receber. Esse é o meu papel”.
Maria Salomé conta que já ouviu, de um frei que admira muito e prefere não dizer o nome, que ela buscasse imitar Maria, Mãe de Jesus, pois tinha promessa de ser “mãe de incontáveis”, “como estrelas no céu”. Por isso, ela explica sua relutância em falar de si em entrevistas.
“Você veja que Maria pouco aparece na Bíblia. Pouquíssimo. Porque ela queria que o Filho dela brilhasse. Ela é o sinal que aponta Jesus. Ela é o sinal que aponta o sol. Maria é a aurora. Não é pretensão minha ser Maria. Mas eu quero apontar a obra do Senhor”, finaliza.
Nos últimos 35 anos, para Maria Salomé, os desafios da Obra de Maria foram semelhantes aos daqueles que buscam servir a Deus, com devoção a Maria.
“Nosso desafio é manter a Obra de Maria íntegra, com responsabilidade e espiritualidade, servir ao Senhor com alegria, andar bem, ajudar os necessitados, evangelizar e ser Igreja sempre para não decepcionar Cristo”.
O legado
Para Maria Salomé, o legado não está apenas no que foi construído, mas na promessa de continuidade. Seu olhar está voltado para as mãos que apontam a Jesus, pelas quais ela foi instrumento da Mãe de Deus.
Sua história se mistura com a própria história da Obra de Maria: uma caminhada de fé, serviço e amor que continua a repercutir em gerações.
“A Obra de Maria é um milagre de Deus”, ela afirma com convicção. E, de fato, sua vida e missão são a prova de que, com fé, coragem e simplicidade, é possível transformar o mundo, um coração de cada vez.
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