Sachês de nicotina, ilegais no Brasil, são febre entre jogadores da Premier League
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Órgãos de saúde brasileiros começam a preocupar-se com os pouches, sachês de nicotina desenvolvidos pela indústria do tabaco e que ganham popularidade, semelhante ao que aconteceu com o cigarro eletrônico. No esporte, o consumo deste produto é difundido a ponto de chamar atenção da Associação de Jogadores de Futebol (PFA, na sigla em inglês) da Inglaterra. Entre as maiores ligas do mundo, a Premier League sai na frente quanto aos atletas que consomem pouches, também populares entre esportistas de inverno.
Segundo uma pesquisa encomendada pela PFA à Universidade de Loughborough, 42% dos jogadores já usaram os sachês. Entre as mulheres, a porcentagem era de 39%, disse o estudo publicado em maio de 2024.
O uso do tabaco no futebol é controverso. Ano passado, o goleiro Wojciech Szczesny, do Barcelona, disse “não ser da conta de ninguém” se ele fuma, ao comentar sobre o hábito. Ronaldo Fenômeno e o ex-palmeirense Marcos também já falaram publicamente sobre terem sido fumantes. Na Inglaterra, contudo, a relação do futebol com o tabaco é histórica e marcada por polêmicas e uma tragédia.
Tanto no Brasil, quanto no Reino Unido, a venda dos produtos é proibida. A regra se estende para a União Europeia, com exceção da Suécia, onde surgiu o produto no começo dos anos 1992. O consumo, contudo, não é vetado em nenhum desses lugares.
O estudo de Loughborough entrevistou 679 atletas (628 homens e 51 mulheres), além de 16 profissionais de departamentos de desempenho e médico dos clubes. A maioria dos jogadores usava sachês de nicotina sem tabaco, os pouches, mas foi observado que o nome “snus” era atribuído por eles aos dois produtos.
A resposta mais comum dos atletas indicava o uso para relaxar em dias de folga ou após jogos e treinos. Entretanto, os 16 entrevistados do estafe dos clubes indicaram que a prática dos jogadores se dá mais para “descontrair” antes de partidas. Essa narrativa é compatível com imagens que já flagraram diferentes figuras colocando os sachês na gengiva enquanto sentados no banco de reservas, antes de entrar em campo.
Marcus Rashford, detonado pelo técnico Ruben Amorim e recentemente emprestado ao Aston Villa pelo Manchester United, também já foi visto com uma embalagem dos sachês. Bertrand Traoré, hoje no Ajax, foi flagrado com snus no banco de reservas do Aston Villa, em 2023. No mesmo ano, o goleiro Mark Gillespie, do Newcastle, também apareceu na transmissão da TV com um sachê.
O ex-técnico da seleção inglesa, Gareth Southgate, reconhecia a questão, mas questionava os possíveis benefícios. “Estou ciente de que, anos atrás, viajando pela Escandinávia, era um hábito maior lá, e muitos jogadores suecos costumavam usar com mais frequência. Mas eu ficaria surpreso se esse tipo de coisa fosse bom para você a longo prazo. Estou bem ciente de que muitos jogadores de futebol usam esses sachês”, comentou, quando ainda ocupava o comando do selecionado inglês.
A Universidade de Loughborough apontou que 53% dos homens entrevistados admitia dependência de nicotina. Entre as mulheres, o dado subia para 73%. “É importante ressaltar que o estudo mostrou que a maioria dos jogadores não recebeu informações ou educação sobre o uso de sachês de nicotina (58% em homens, 86% em mulheres). Este é um desafio para o jogo, dados os efeitos colaterais e a dificuldade experimentada ao tentar parar, relatados pelos jogadores”, ponderou o doutor Daniel Read, pesquisador principal e professor do Instituto de Negócios Esportivos da instituição.
Os resultados indicaram uma média de consumo de snus maior entre jogadores do que na população do Reino Unido em geral. “Embora muitos jogadores pareçam estar buscando essas substâncias como um mecanismo de enfrentamento para lidar com as crescentes demandas do futebol, muitos não estão totalmente cientes de seus efeitos e qualidades viciantes”, avalia Michael Bennett, Diretor de Bem-Estar do Jogador na PFA.
Relação do tabaco com o futebol inglês data do século 19 e já causou tragédia em estádio
A popularização do tabaco no Reino Unido foi um processo que começou por volta dos anos 1880, quando os cigarros deixaram de ser produzidos manualmente, a partir do desenvolvimento de máquinas mais eficientes. Associado a isso, a indústria buscou colocar sua propagada no futebol. Cartas colecionáveis de jogadores eram comercializadas junto dos maços, por exemplo.
Jogadores famosos da primeira metade do século 20 viraram garotos propaganda de marcas. Um deles foi Nat Lofthouse, ídolo do Bolton e eleito melhor jogador do futebol inglês em 1953.
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Foi nos anos 1960, contudo, que a situação também começou a mudar, com as primeiras evidências científicas dos prejuízos do cigarro. Um dos mais famosos foi o relatório Smoking and Health, da Faculdade Real de Médicos. Ações governamentais passaram a taxar e até proibir cigarros em determinados espaços.
Não foi suficiente para tirá-los do futebol. Em estádios precários de uma Inglaterra em recessão, o hábito de fumar foi responsável por uma tragédia, em 1985. Bradfod City e Lincoln City jogavam pela terceira divisão no Valley Parade, em Bradford. Um incêndio na arquibancada de madeira matou 56 torcedores e deixou outros 265 feridos. A perícia concluiu que o fogo começou acidentalmente por um cigarro.
A tragédia e sua associação a hooligans (grupos de torcedores violentos) impulsionou o banimento do cigarro no futebol. Um jogador de futebol fazer propaganda para a indústria do tabaco já era impensável. Somente entre 2005 e 2010, porém, que regras da Fifa e da Uefa proibiram o fumo em estádios.
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Especialista não vê vantagem em sachês de nicotina, mesmo que evite o fumo
Fabrício Braga, médico da SBC, aponta para uso prejudicial da nicotina em qualquer formato. “Na forma de sachê, mastigada, ou qualquer que seja, ela tem efeitos deletérios sobre a pressão arterial, tem efeito deletério comprovado sobre a função endotelial, que é a capacidade do vaso sanguíneo se manter saudável. Então ela diminui a saúde do vaso. Por isso, pode aumentar a pressão”, explica Braga, que também é diretor médico do Laboratório de Performance Humana, maior clínica de Medicina do Esporte e do Exercício do Brasil.
“Só não tem os poluentes (que o cigarro tem). Faz mal a você quando eu estou fumando perto de você (situação evitada pelo snus), mas tem uma substância viciante, a dose de nicotina é absurdamente alta. Estimular vícios é muito ruim. Não podemos admitir que a sociedade vai se livrar de uma substância, de uma coisa deletéria à saúde, viciando em outra”, critica Braga.
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