Por que descoberta de problemas cardíacos em atletas se tornou mais frequente?
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Após livrar-se do rebaixamento no Brasileirão de 2024, o Fluminense começou o ano com uma notícia que preocupa fora de campo. Paulo Henrique Ganso foi diagnosticado com miocardite, uma inflamação no músculo do coração. Isso o afasta dos jogos da equipe até que demonstre ter condições médicas para atuar. O crescimento do monitoramento e exames preventivos tem aumentado também a frequência de diagnósticos cardíacos entre esportistas.
Entretanto, não há nenhuma evidência que mostre que a incidência de patologias cardíacas tenham se tornado mais comuns entre atletas. “Tem (risco de) miocardite em qualquer infecção viral. A miocardite ganhou um cenário mais destacado pós-Covid, que era um vírus também. Ficamos mais atentos ao rastreio. Nos atletas, ficou mais rigoroso depois da pandemia”, explica o cardiologista Fabrício Braga, que é diretor médico do Laboratório de Performance Humana, maior clínica de Medicina do Esporte e do Exercício do Brasil.
Doenças cardíacas não tem exclusividade nesse sentido. “Fizemos mais diagnóstico de câncer de pulmão também, porque todo mundo saiu fazendo tomografia, porque estava tossindo. Toda vez que se aumenta o rastreio, mais diagnósticos vão aparecer. Mas não há nada que possa dizer, nesse momento, que os atletas estão ficando mais doentes em absoluto”, conclui Braga.
Atletas são, inclusive, referência na prevenção a problemas cardíacos, a partir de rotinas regradas e, claro, do exercício físico. Há um fenômeno fisiológico, que não é patológico, chamado “coração de atleta”, quando o órgão se adapta às práticas. “A natureza não conseguiu outra maneira de fazer com que o coração atenda as demandas de oxigênio dos músculos em exercício aumentado. A única maneira é adaptar-se a isso. Essa adaptação vai ser proporcional ao esporte”, conta Braga.
Além do tipo de esporte praticado, o coração se adapta conforme outros determinantes - genética ou gênero, por exemplo. No caso de corrida e ciclismo, há um amento de cavidade, e o coração dilata mais. Já em esportes de inverno, como esqui alpino, e no caso de atletas de força, o órgão tem aumento na espessura. Pode haver, inclusive, a combinação dessas adaptações, de modo mais específico.
“O papel do cardiologista do esporte, que cuida de atletas, é justamente identificar em alguns momentos se esse coração adaptado é fisiológico ou é patológico. Porque no processo adaptativo, ele toma formas, eventualmente, que podem confundir. A doença toma formas que parecem coração de atleta, e o coração de atleta, às vezes, toma formas que parece doença”, define o médico, que reitera que a adaptação não se trata de uma doença.
Esporte é essencial na prevenção a doenças cardíacas
Casos como o de Ganso, portanto, não inferem relação direta entre esporte e diagnóstico. Pelo contrário, a prática de atividade física é uma das principais ferramentas para doenças cardiovasculares. “Ela deve ser encorajada sempre. O grande ponto é quando se tem uma doença de base desconhecida, pois o exercício pode atuar como gatilho para um evento, uma vez que ele é um estressor fisiológico. Entretanto, é importante reforçar que, habitualmente, é mais provável que ocorra com a realização de exercícios de alta intensidade realizado por quem não está habituado ou adaptado para realizá-los”, elucida Luciana Diniz Nagem Janot de Matos, médica referência da Reabilitação e Medicina Esportiva do Hospital Israelita Albert Einstein.
Ataques cardíacos costumam ser multifatoriais, sem apenas uma causa específica. Não há como afirmar, por exemplo, que a morte do corredor amador na Meia Maratona Internacional de São Paulo, há quase uma semana, se deu pelo esforço físico.
Luciana Diniz exemplifica: “Atletas que implantaram um stent (pequeno tubo que mantém abertas artérias bloqueadas ou estreitas), tiveram um infarto, a depender do resultado do tratamento e do objetivo com o exercício, poderão retornar, mas precisarão passar por um período de reabilitação cardíaca. Em atletas que passaram por problemas cardíacos, há necessidade de uma individualização criteriosa para a liberação esportiva”.
Futebol tem histórias de recuperação e casos de mortes em campo
Ganso não foi o primeiro. O canadense Alphonso Davies, do Bayern de Munique, apresentou um quadro de miocardite, em janeiro de 2022, aos 21 anos, após contrair covid. No fim do ano, contudo, ele estava na Copa do Mundo do Catar, sem problemas, e marcou o primeiro gol do Canadá na história dos Mundiais.
Outro astro internacional, o dinamarquês Christian Eriksen chegou a desmaiar durante uma partida válida pela Eurocopa 2020. Ele tinha 30 anos e precisou de reanimação cardiopulmonar e um desfibrilador externo automático para que seu coração voltasse a bombear sangue corretamente.
Oito meses e uma cirurgia para implante de um Desfibrilador Cardioversor Implantável depois, Eriksen voltou a jogar, pelo Brentford, da Inglaterra. O bom desempenho o levou para o Manchester United e também garantiu que fosse à Copa do Mundo 2022.
Por outro lado, outros jogadores já tiveram diagnósticos de problemas cardíacos, que os levaram à aposentadoria. Há, ainda, situações em que o diagnóstico precisava ter vindo antes.
O zagueiro Serginho jogava pelo São Caetano, em 2004, quando teve um mal súbito em campo em decorrência de cardiomiopatia hipertrófica, condição que faz os músculos do coração estarem maior do que deveriam e dificulta o bombeamento de sangue. Ele chegou a ser levado do MorumBis para o hospital, mas não resistiu.
No mesmo estádio, 20 anos depois, o zagueiro uruguaio Juan Izquierdo, do Nacional de Montevidéu, sentiu-se mal, perdeu o equilíbrio e caiu em campo. Ele foi levado de ambulância ao Hospital Albert Einstein, com um quadro de arritmia cardíaca.
A situação já havia sido detectada quando o jogador tinha 17 anos, em 2024, segundo o então o diretor da Secretária Nacional de Esporte do Uruguai, Sebastián Bauzá. Já o presidente do Nacional, Alejandro Balbi, garantiu que o atleta não apresentou problema cardíaco em exames feitos pelo clube.
Foram cinco dias de internação até a confirmação do óbito por morte encefálica, após parada cardiorrespiratória, associada à arritmia.
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