André Henning renova com TNT e defende narração com emoção: ‘É genuína, não consigo fingir’
Escute essa reportagem
A Champions League tem algumas vozes no Brasil, mas a principal é a de André Henning. O narrador renovou por mais três anos com a Warner Bros. Brasil, dona dos canais TNT, casa da competição maior europeia no País e seguirá no comando das transmissões do principal torneio de clubes do mundo.
“Eu me sinto um privilegiado, porque eu estou renovando esse compromisso de ficarmos juntos mais três anos. É sempre uma conversa muito tranquila, que não gera desgaste nenhum. É uma renovação de confiança”, conta ao Estadão.
A confiança não é de hoje. Ele está na TNT desde 2006, sempre com foco no futebol europeu, ainda que abrace também algumas competições nacionais. As transmissões de jogos “de fora” aparecem como um dos fatores para o surgimento do torcedor brasileiro de time europeu. Já a atuação Henning ao microfone tem outro efeito: uma forma particular da narração, em tom mais emocionado.
A emoção chegou a ser motivo de polêmica recente. O comentarista Mauro Cezar Pereira criticou Jorge Iggor, o colega de Henning, por ele ter chorado durante a apresentação de Neymar no retorno ao Santos. O principal narrador da TNT, contudo, acredita que há momentos para cada estilo, seja ponderado, seja com emoção.
“Eu fico muito à vontade para, narrando, demonstrar exatamente o que eu estou sentindo. É o envolvimento com aquele jogo, que é emoção mesmo genuína. Emoção é uma coisa que eu não consigo fingir”, confessa, ao explicar que a origem no rádio moldou sua narração assim.
A Warner acolhe você há tanto tempo e dá a oportunidade de estar perto do melhor futebol do mundo. Como você enxerga essa permanência?
Estamos seguimos juntos. Os detalhes ficam resolvidos de forma muito natural. Fazendo uma comparação com o futebol, é renovar o contrato com o Real Madrid. É saber que o Real Madrid quer renovar o contrato comigo, para eu continuar sendo o camisa 10 do time, depois de tanto tempo. Não tem um clube maior que esse.
Eu faço sempre essa comparação com o futebol. É uma honra que a direção do clube queira que eu fique. Imagino que seja por conta da torcida, que ainda me me apoia, que quer me ver narrando. Então, é uma honra continuar como o camisa 10 do Real Madrid das TVs esportivas. Não só uma TV, e sim um grande canal nas suas diversas plataformas.
Falando nisso, qual sua reação ao se deparar com tantas narrações da TV sendo reproduzidas nas redes sociais, muitas vezes me edits?
Eu sou um grande fã, evidentemente, de narrações esportivas desde muito garoto. E eu tenho muito vivo, na minha mente, narrações históricas que eu tinha que me virar para procurar. Eu ficava esperando um programa histórico de uma rádio determinada para ouvir tal narração histórica.
Às vezes, eu ligava nas rádios: “Pô, eu queria ouvir de novo a narração de fulano, de beltrano, naquela final de campeonato...”. Para eu poder gravar em fita cassete e ouvir de novo. E hoje as minhas narrações estão aí, e trechos delas sendo usados de outras formas, de outras maneiras, extravasando, extrapolando o futebol.
Vira e mexe, eu recebo no WhatsApp lances que acontecem aí na rua. “Minha Nossa Senhora, o impossível aconteceu! Meu Deus do céu”. O cara faz um gol num jogo de pelada, e está lá a minha narração. O cara faz um gol num jogo de final de campeonato, e está lá a minha narração, que nem foi desse lance. Foi outro, alguns anos atrás, inclusive.
No meio do jornalismo, todo mundo quer ter seu lugar ao sol. Como você enxerga a competitividade? Em algum momento, você já pensou em não ser o ‘camisa 10'?
Eu encaro com com uma baita naturalidade e sabendo que assim é a vida, não só na nossa profissão. Todo mundo quer ser camisa 10 do Real Madrid. Até o cara que está com a camisa 10 do Barcelona, em algum momento, já falou: “E se eu tivesse do lado de lá e não tivesse do lado de cá?”.
Então ser o narrador, a voz da Champions, na TNT Sports, que é a casa da Champions há tantos anos, é talvez a camisa mais desejada do universo de narração esportiva. Evidentemente que tem a camisa 10 das outras emissoras, que também são muito importantes, mas eu vejo assim, a 10 do Real Madrid, da Champions. Então, é natural que outras pessoas queiram.
No final das contas, quem faz essa escolha não sou eu. São os meus chefes, gente que conhece do ramo. São eles que decidem. Aumenta muito a minha responsabilidade. Eles podem escolher qualquer um. Não só os que tão jogando no Real Madrid. Eles podem escolher qualquer um de qualquer outro time.
Quando o cara vem e me escolhe, quando eu sou de novo escolhido para começar mais um um período de contrato, é sinal de que eu estou vencendo uma concorrência muito séria, que é a concorrência de todos os outros narradores brasileiros. Se a TNT Sports quiser contratar qualquer narrador brasileiro, eu tenho convicção de que eles conseguiriam. Por alguma razão, eles continuam me escolhendo.
Você consegue avaliar por que é você o escolhido?
Eu acho que a identificação que a gente tem há tanto tempo e que a gente trouxe para a Champions. Hoje é reconhecida como a maneira de se fazer uma transmissão da maior competição de clubes do mundo. A gente transformou isso.
Cada vez, a gente se supera. Mas eu acho que a principal das mudanças foi na linguagem mesmo, a maneira de narrar. Falando de um jeito modesto, mas sem querer fugir da responsabilidade. Eu que levei, não sozinho, evidentemente, porque nós paramos para estudar como que a gente iria narrar futebol, lá atrás, quando começou a TV Esporte Interativo.
Eu vinha do rádio, tinha aquela empolgação, e essa maneira de narrar vai para o lado da emoção, de contagiar mesmo, num tom mais alto. Eu fui contratado para isso. Levei de uma forma que, inclusive, chocou muita gente.
Foi um esforço capitaneado por mim na equipe de narradores que veio junto comigo. Não sou só eu, teve uma galera que veio junto na mesma linguagem. E é essa a linguagem, essa identificação que eu tenho de ter.
Eu apanhei muito, tá? Quando a gente começou desse jeito. Mas eu matei no peito e falei: “Não, nós vamos (manter). Chefes, é isso aqui mesmo? É. Vambora”. Vai ser uma questão de costume, vai ter gente que não vai estar acostumada, vai reclamar, mas é assim que a gente quer, assim que a gente gosta. E que bom que era assim também que eu queria e que eu gostava. Ter levado essa linguagem, que hoje está muito associada a Champions, para o ar é que faz com que eu continue sendo escolhido.
O Galvão Bueno diz que o narrador é um vendedor de emoções. O quanto o jornalista tem precisa se policiar para não deixar que essa emoção dite a forma como ele relatar um fato?
Eu, claramente, na minha cabeça, consigo separar o meu lado narrador do meu lado jornalístico, de quando eu estou apresentando um programa, ou de quando eu estou apresentando o noticiário, ou qunado estou trazendo uma opinião. Nós narradores, a gente cresceu com essa frase do Galvão na nossa cabeça, de ser o vendedor de emoções.
Eu sou realmente um fã histórico do Galvão. Quando eu era moleque, meu pai trabalhava na TV Globo, eu pedia para ele me levar lá, porque eu achava que eu ia encontrar com o Galvão Bueno no corredor. E eu tive a oportunidade de encontrar várias vezes com ele, desde garoto até hoje, trabalhando pelos estádios do mundo. E essa frase do Galvão, ela meio que trouxe para nós narradores uma licença para nos soltarmos nas transmissões.
Eu não sou ator, eu não nunca fiz curso de representação e eu não consigo disfarçar muito as minhas emoções. Então, eu eu fico muito à vontade com essa licença que Galvão Bueno nos deu para extravasar nas transmissões. Eu venho do rádio, onde isso é muito vivo também.
Quando eu estou fazendo um programa, quando eu estou comentando, eu ainda tenho muito da faculdade de jornalismo na minha cabeça, daquele negócio de você tentar ser ao máximo um um transmissor, um um agente de comunicação, de passar os fatos para quem tá do outro lado.
Mas eu não sou, em absoluto, defensor intransigente da atitude de que temos que manter a compostura. Eu acho que, se o repórter, o comentarista, seja lá quem for, estiver emocionando, isso vai falar muito da notícia que ele está passando.
Eu tenho licença incondicional para me emocionar narrando e tenho um cuidado grande quando eu não estou narrando. Eu consigo diferenciar bem essas duas coisas. Mas eu não condeno. As pessoas são livres para se emocionarem. E cada um é cada um. O que emociona um pode não me emocionar. A emoção é um negócio muito muito peculiar e muito particular.
Foi até motivo de polêmica recentemente...
E vai continuar sendo. Vai continuar sendo por muito tempo. Vira e mexe, vai ter um outro caso.
Como você vê esse fenômeno do futebol europeu criando torcedores no Brasil?
Antes, os comentários eram de admiração pelo jogo. Acontecia um baita jogo de Campeonato Inglês, que a gente mostrou lá no começo, de Campeonato Alemão, LaLiga... e vinha um negócio de admiração, de contemplação.
Todos nós percebemos uma mudança. Já começou: “Você está gritando o gol do Real Madrid mais forte”; “Você nasceu com a camisa do Barcelona?”; “Você quando narra o jogo do meu time, o meu time perde”. Começou a aparecer o “meu time” na história.
Você termina um clássico entre Palmeiras e Corinthians com os dois torcedores te xingando. Esse é o termômetro de que o trabalho foi bem feito. Os dois estão “P da vida” com com o narrador. E, quando você termina um grande clássico, como Real Madrid e Manchester City, na Champions, acontece a mesma coisa.
É muito curioso, e eu acho que é um caminho sem volta. Essa molecada está realmente curtindo demais o futebol de fora e já tem muita gente que não tem mais time aqui. Antes, o cara tinha o time dele aqui e tinha o time dele lá. Agora, ele já está começando a acompanhar mais o time dele lá do que o time dele aqui. No final das contas, é onde está o melhor futebol.
Vocês têm essa missão de transmitir o Campeonato Paulista. É um trabalho importante das próprias emissoras tratar como uma coisa positiva. Como vocês lidam internamente, tendo um produto que muitas vezes gera uma série de críticas – por parte dos dos torcedores, pelo desempenho dos clubes, pela organização?
Eu sinto muito, talvez eu vá decepcionar muitas pessoas que esperam uma resposta diferente. Mas eu nunca recebi um pedido ou uma ordem ou algo do tipo: “Não vamos criticar esse produto, porque a gente transmite”. Nunca.
Eu sempre tive muita liberdade para falar o que eu penso. E acho que a a minha trajetória, que eu acho uma trajetória bem ponderada de críticas e de elogios, me traz uma confiança e uma tranquilidade para poder criticar de boa quando eu acho que tem que criticar e elogiar quando tem que elogiar também.
Por exemplo, eu sou contra o fim dos estaduais, que é um negócio que hoje em dia é automático as pessoas falarem: “Ah, se acabar com os estaduais, resolve o problema do calendário brasileiro”. E não é verdade. Tem estaduais que precisam ser até mais longos. O que a gente precisa é adequar as datas das equipes que jogam outras competições, talvez das equipes de séries A e B. Então, os estaduais, de repente, viraram um inimigo, não são tão inimigos assim. Tem clubes que só sobrevivem graças ao estadual.
A gente ainda tem um público de futebol que está aí nas mídias e que acha que o futebol só existe em São Paulo, no Rio de Janeiro, que são aqueles 20, 40 clubes. O Brasil não é isso. O país do futebol não é feito só desses clubes. Tem muito clube que sobrevive só graças ao estadual.
Então, eu tenho muita tranquilidade para elogiar o Paulistão ou qualquer outra a competição, e para criticar. Eu sou uma pessoa que eu me considero bem ponderada e vou explicar ao quem está do outro lado da câmera, o porquê que eu estou criticando, o porquê que eu estou elogiando.
Antes o torcedor não parecia ser tão crítico como é hoje. A gente vê o Campeonato Paulista, que tem um mês, os times nem tiveram pré-temporada, mas já tem torcedor do Palmeiras querendo a saída do Abel Ferreira; do São Paulo que quer a saída do Zubeldia. Há exagero nas críticas desse novo perfil de torcedor?
Com relação a essa galera que está nas redes sociais, exagerando e tal, às vezes, o mundo das redes sociais não é um mundo real. Tem uma bolha aí.
Eu faço uma live diária. Eu vejo os comentários, e começa um debate ali, que eu falo: “Espera um pouquinho. Isso não está acontecendo no mundo real”. Eu vou a pé para o estádio, pego táxi, aplicativo, eu estou na rua... Eu não estou vendo isso aqui. Eu não estou vendo, por exemplo, os caras pedirem a cabeça de um treinador. Nas redes sociais, tem uma empolgação, e você vai junto.
Falta de paciência. Imagina o Abel, maior técnico da história do do Palmeiras. Se não for o maior, um dos maiores, sendo cobrado por oito jogos no Paulista. Tendo perdido jogadores, não tendo conseguido contratar jogadores que são necessários.
Técnicos que a diretoria resolveu apostar para um início de temporada. E aí com cinco, seis jogos já não serve mais. A avaliação que foi feita no término do ano anterior não vale mais. A rede social é um espaço para galera com essa ansiedade de querer resolver tudo rápido.
O meu papel como analista, quando eu não estou narrando, é de falar: “Olha, gente, vocês tem certeza que é isso mesmo que é o técnico?”. Você tem todo o direito de ir lá e cobrar e vaiar, de pedir a cabeça do treinador. Mas será que ele teve os reforços que ele precisava? Será que ele teve as condições de trabalho, todos os jogadores disponíveis? Eu não vou brigar com a nossa cultura. É uma briga irreal, e não tem como ganhar. Não tem como ganhar uma briga contra a nossa cultura do demitir o treinador.
O Guardiola já teria sido demitido no Brasil. É uma maluquice. O Guardiola é o treinador mais vencedor da história do Manchester City. O Guardiola é maior do que o Manchester City. E ele teria sido demitido. Um técnico que levou o Manchester City para um outro patamar, acima completamente diferente do que ele tinha, no Brasil já teria sido demitido. É loucura.
As transmissões de jogos estão mais pulverizadas. Qual sua reflexão sobre o lado do torcedor, aquele que não tem tanta habilidade para procurar onde é que o time dele vai passar?
Eu acho que é uma falta de costume. Está acontecendo de o torcedor ficar chocado, e muitos reclamando e querendo que aquela vida lá volte. A vida de que ele sabia qual canal ia passar o jogo do time dele. Ele já sabia que todos os jogos estavam lá no mesmo canal.
É evidente que, para o torcedor, quanto mais opções, melhor. Quanto mais oportunidades ele tenha para ver análises diferentes, narrações diferentes, coberturas diferentes, imagens diferentes... Hoje em dia ele pode inclusive escolher ver o jogo por qualquer que seja a emissora que esteja passando, e ouvir um influencer do time dele narrando do jeito que ele quer que o time dele seja tratado, com parcialidade mesmo.
No começo, dá um pouquinho de trabalho, mas eu acho que isso tudo vai se normalizar daqui a pouco tempo. Para muita gente, já normalizou. Eu acho que o torcedor vai ser um consumidor mais feliz, vai poder entender diretamente que tipo de transmissão que ele quer.
Como você avalia um jogo em que você fez uma boa transmissão?
Uma maneira fácil de avaliar, no meu caso, é se o jogo deu trabalho, se o jogo foi cansativo. Se o jogo demorou para passar, eu já falo: “Acho que hoje não foi tão legal assim”. E aí a gente precisa ver se foi o jogo mesmo, ou se foi a transmissão, ou se foi alguma coisa que aconteceu ali.
Quando o jogo se torna um saco, e que você tem que se esforçar muito para poder prender aquela audiência, porque no final das contas eu tô ali querendo que o espectador fique comigo. Nesse jogo, pode acontecer de tudo. Esse jogo pode ter uma goleada histórica, esse jogo o cara o time pode empatar. Esse jogo, ele vale muita coisa... Às vezes, você tem trabalho para segurar.
Quando o jogo bom, você termina e fala: “Já?”. Eu realmente termino um jogo grande de Champions, um clássico de Paulistão, exausto, mas um exausto daquele: “Pô, acabou? Quero mais dessa sensação”. Mas tem jogo que parece o mês de janeiro, não acaba nunca.
O que, para você, ainda falta narrar?
Olha, eu quero ainda narrar uma final de Copa do Mundo. Se eu te disser que eu não tenho uma lista de metas, você vai acreditar? Não tenho. Eu nunca imaginei narrar uma Liga dos Campeões da Europa. Nunca imaginei. Eu cresci sem pensar em Liga dos Campeões da Europa.
Eu ouvia, no rádio, Osmar Santos narrando o jogo do meu time. Eu queria um dia falar no rádio. Era só o que eu queria. E, de repente, eu comecei lá como repórter, cobri seleção brasileira, cobri Copa do Mundo, cobri Brasil campeão do mundo, cobri Olimpíada, fiz a transição para ser narrador. Narrei no rádio Copa do Mundo, não Brasil, mas narrei Copa do Mundo.
Fui para televisão, fiz uma transição maravilhosa, narrei Champions, Copa do Nordeste, Paulistão, Brasileirão, campeonatos de fora, outros esportes. Eu narrei um mundial inédito do Brasil no handebol feminino. Eu jamais imaginei que eu fosse narrar handebol na minha vida. Jamais imaginei que eu fosse narrar NBA, Super Bowl.
Eu nunca fiz planos, o meu sonho era falar no rádio. E a partir daí tudo aconteceu naturalmente. Que eu gostaria de ter narrado o Brasil numa Copa do Mundo, eu gostaria. Mas eu não sou nenhum ser frustrado por isso não ter acontecido. E não sei se vai acontecer.
Eu não tenho nenhum tipo de amargura e de decepção. Não fico à noite pensando: “Caraca, como a minha vida profissional é incompleta”; “Está faltando isso aqui”. Eu sou um cara muito realizado e quero fazer mais daquilo que eu faço hoje, que é entregar uma transmissão bem feita. Uma narração boa, com uma interação boa com as com as pessoas que estão ali junto comigo, comentarista, repórter. Com um clima agradável, de preferência com um jogo bom e que chegue no final, e todo mundo fale: “Foi bom, hein?”
Eu juro que é isso que eu quero continuar entregando. Eu não fico sonhando. O que vier eu vou eu vou para cima.
Comentários