Psicofobia: quando o preconceito também adoece
Campanha da Apes busca conscientizar a população sobre danos causados pelo estigma às pessoas com transtornos mentais
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Se uma dor física costuma gerar cuidado imediato, o mesmo nem sempre acontece quando o sofrimento é da mente.
Enquanto fraturas e febres despertam empatia, tristeza profunda, ansiedade ou crises emocionais ainda enfrentam o peso do julgamento.
Esse preconceito tem nome: psicofobia. Em abril, mês nacional de combate a esse tipo de estigma, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Associação Psiquiátrica do Espírito Santo (Apes) reforçam o alerta: discriminar quem enfrenta transtornos mentais é tão grave quanto negar qualquer outro tipo de tratamento.
Criada em 2011 pelo médico psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, a campanha nacional contra a psicofobia surgiu após uma conversa com o humorista Chico Anysio.
Na ocasião, Chico revelou que tratava uma depressão há mais de 20 anos e lamentou que muitos deixassem de procurar ajuda por medo de julgamento.
Daí nasceu o termo “psicofobia”, que nomeia o preconceito contra pessoas com transtornos mentais e que até hoje impede milhões de brasileiros de acessarem diagnóstico e tratamento com dignidade.
Desde então, a iniciativa se tornou uma mobilização permanente em defesa dos direitos das pessoas que enfrentam doenças mentais. O objetivo é dar visibilidade às dificuldades que esse público vivencia, combater o estigma e garantir acesso a um atendimento contínuo, humano e de qualidade.
“Ainda existe a ideia de que saúde mental é frescura ou fraqueza. Isso precisa acabar. O sofrimento psíquico é real e precisa ser levado a sério Lícia Colodete, Presidente da Associação Psiquiátrica do Espírito Santo (Apes)
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1 bilhão de pessoas vivem com algum tipo de transtorno mental no mundo. No Brasil, esse número chega a mais de 30 milhões de pessoas, segundo estimativas da ABP.
Entre os transtornos mais prevalentes estão a ansiedade, depressão, transtorno bipolar e a esquizofrenia. No entanto, muitos brasileiros não recebem o tratamento adequado, seja por falta de acesso, seja pelo medo de serem julgados.

“Ainda existe a ideia de que saúde mental é frescura ou fraqueza. Isso precisa acabar Lícia Colodete, Presidente da Apes
Fique atento
Como agir com empatia
O que não dizer a alguém que está enfrentando um transtorno mental. Frases mal colocadas podem reforçar o isolamento de quem mais precisa de apoio.
A seguir, expressões comuns — que devem ser evitadas — e o que você pode dizer no lugar:
“Isso é coisa da sua cabeça.”
Em vez disso, diga: “Sei que deve estar difícil. Quer conversar sobre isso?”
Por quê? Essa frase nega o sofrimento e o torna invisível.
“Levanta dessa cama e vai fazer alguma coisa.”
Diga “Quer tentar sair um pouco? Posso ir com você.”
A falta de energia faz parte de muitos quadros psiquiátricos. Apoiar é mais eficaz do que pressionar.
“Você tem tudo, não tem motivo pra estar assim.”
Diga: “Mesmo com tudo isso, eu entendo que você não está bem. E está tudo bem precisar de ajuda.”
Transtornos mentais não escolhem condição social ou conquistas.
“Isso é falta de Deus ou fé.”
Diga: “A fé pode ser um apoio importante. E ela pode caminhar junto com o tratamento.”
Crença e ciência podem andar juntas. Invalidar uma delas afasta ainda mais o paciente.
“Todo mundo tem problema.”
Diga: “Seus problemas são importantes. Estou aqui pra te ouvir.”
Comparar sofrimentos não ajuda. Cada dor é única.
“Psiquiatra é coisa de doido.”
Diga: “Buscar ajuda é um sinal de coragem. Cuidar da mente é tão importante quanto cuidar do corpo.”
Essa frase reforça o estigma. Saúde mental é assunto sério e universal.
Conclusão: Às vezes, tudo o que alguém precisa ouvir é: “Você não está sozinho. Vamos buscar ajuda juntos?”
Campanha serve de alerta ao problema
A psicofobia se manifesta de forma sutil ou direta: frases que minimizam o sofrimento, expressões de desconfiança, exclusão no ambiente de trabalho ou até mesmo o descaso no atendimento médico.
Para a psiquiatra Letícia Mameri, diretora da Apes, o impacto é real.

“preconceito gera abandono de tratamento, sentimento de vergonha e isolamento. Muitas pessoas sofrem caladas e acabam agravando seu quadro. Combater a psicofobia é também uma forma de prevenção em saúde mental Letícia Mameri, Diretora da Apes
No Brasil, ainda não há uma legislação federal específica que tipifique a psicofobia como crime, mas diversas leis estaduais e municipais já instituíram o Dia Nacional de Enfrentamento à Psicofobia, celebrado em 12 de abril.
O Espírito Santo é um dos estados que adotou oficialmente a data, promovendo debates e ações de conscientização.
Medicamentos
A campanha da ABP também alerta para outro fator preocupante: a escassez de medicamentos psiquiátricos disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, nenhum dos remédios utilizados para tratamento de doenças mentais é oferecido pela Farmácia Popular, o que dificulta a adesão terapêutica e compromete o cuidado de quem mais precisa.
Na opinião do psiquiatra José Luis Leal de Oliveira, diretor da Apes, é preciso levar o debate sobre saúde mental para fora dos consultórios e clínicas.
“A psicofobia nos silencia. Faz com que a pessoa sinta vergonha de pedir ajuda. Nosso papel como sociedade é criar um ambiente de acolhimento, onde todos se sintam seguros para cuidar da própria mente, sem medo de julgamento ou rejeição José Luis Leal de Oliveira, Diretor da Apes
A campanha tem se fortalecido ano a ano com apoio de personalidades, instituições e da população em geral. A mensagem é clara: cuidar da saúde mental também é autocuidado, e ninguém deve enfrentar o sofrimento psíquico sozinho.
O site oficial da campanha (www.psicofobia.com.br) reúne informações, dados e materiais educativos para quem deseja se informar ou se engajar.

“A psicofobia nos silencia. Nosso papel como sociedade é criar um ambiente de acolhimento José Luis Leal de Oliveira, Diretor da Apes
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